Veja por que os corredores verdes não substituem a vegetação nativa
Embora cheias de beleza, as paredes verdes – como as aplicadas no Minhocão e na 23 de Maio – não têm a mesma capacidade de acumular carbono das árvores naturais. Entenda
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
O jardim vertical é caro e exige manutenção constante (Moomusician / Shutterstock.com)
Na cidade de São Paulo, as construtoras podem usar o Termo de Compensação Ambiental (TCA) para retirar a vegetação nativa presente em terrenos onde pretendem incorporar. De acordo com a legislação, as empresas são autorizadas a realizar a derrubada em troca de contrapartidas entendidas como interessantes pelo poder público. A eficiência do mecanismo entrou em debate no início deste ano, quando uma empresa recebeu a permissão de compensar seu passivo com a execução de corredores verdes.
Os trâmites começaram em 2012, quando a construtora Tishman Speyer removeu 856 árvores de terreno no bairro do Morumbi para construção de empreendimento de alto padrão. Como contrapartida, a prefeitura solicitou o plantio de mais de 26 mil mudas nas obras de quatro parques lineares na zona sul da capital: Horto do Ipê, Paraisópolis, Morumbi Sul e Itapaiuna. No entanto, com as mudanças na gestão da prefeitura, essa obrigatoriedade foi alterada para execução de jardins verticais no Minhocão e na Avenida 23 de Maio.
Não há como negar que paredes verdes são estruturas de grande apelo estético e que também produzem serviços ambientais. Portanto, são bem-vindas nas cidades. A questão é se podem substituir árvores cortadasMarcos Buckeridge
“Não há como negar que paredes verdes são estruturas de grande apelo estético e que também produzem serviços ambientais. Portanto, são bem-vindas nas cidades. A questão é se podem substituir árvores cortadas”, questiona o professor Marcos Buckeridge, pesquisador do Instituto de Biociências e do Departamento de Botânica da Universidade de São Paulo (USP).
A TROCA VALE A PENA?
O uso das paredes verdes não é opção completamente descartável e pode ser empregada em situações específicas. No entanto, na lista de indicações não consta a substituição de árvores nativas. O uso do jardim vertical, além de ser mais caro e exigir manutenções mais frequentes, pede que áreas maiores sejam necessárias. Para comparar, o serviço ambiental prestado por duas árvores corresponde a cerca de 1,5 mil metros quadrados de parede verde.
“Para mensurar esse comparativo entre jardins verticais e árvores urbanas, podemos considerar dois elementos importantes. O primeiro é o acúmulo de carbono – tema significativo em tempos de mudanças climáticas globais. Já o segundo são os serviços ambientais — benefícios que a vegetação proporciona para a qualidade de vida e saúde da população, como diminuição de temperatura, aumento de umidade, redução de material particulado no ar e recarga de lençóis freáticos”, explica o especialista.
CARBONO
Levando em consideração a tipuana, grande árvore comum na arborização urbana de São Paulo, é possível calcular que a proporção aproximada de carbono em seu tronco é de 40%. “Uma tipuana de 20 toneladas teria 5,6 toneladas de carbono. Tudo isto armazenado em cerca de 60 anos de vida, o que mostra que uma árvore desta armazena, em média, 93 Kg de carbono para cada ano de vida. Como temos cerca de 650 mil árvores nas ruas da cidade de São Paulo, o armazenamento médio, nos últimos 60 anos, foi de 36 milhões de toneladas de carbono”, ressalta Buckeridge.
Por outro lado, nos jardins verticais as espécies mais utilizadas são plantas pequenas, como samambaias, manjericão, alecrim e orégano. Em relação ao carbono, as paredes verdes saem perdendo por serem, predominantemente, compostas por folhas, que são partes das plantas que possuem mais água (98% em média) e pouco carbono.
A biomassa de folhas de um trecho de parede verde de 36 m² pode chegar, no máximo, a alguns quilos. Assim, em qualquer situação, a parede verde perfaz uma fração ínfima do carbono que seria armazenado em uma árvoreMarcos Buckeridge
“A biomassa de folhas de um trecho de parede verde de 36 m2 pode chegar, no máximo, a alguns quilos. Assim, em qualquer situação, a parede verde perfaz uma fração ínfima do carbono que seria armazenado em uma árvore”, fala o docente.
MANUTENÇÃO
A vegetação das paredes verdes vem de grupos de plantas que demandam grande quantidade de água para crescer. Com isso, é preciso prever soluções que mantenham fornecimento constante de água.
“Ainda que parte desta água possa vir da chuva, durante o inverno o sistema terá de ser irrigado, pois não chove”, fala o professor. Situação diferente ocorre com as árvores, que têm suas próprias soluções para sobreviver em períodos de estiagem.
“Jardins verticais são sistemas dependentes de tecnologias de suporte, nutrição e irrigação. A comparação com ‘um paciente na UTI’ faz bastante sentido, bastando uma falha para o sistema perecer”, ressalta o especialista.
No uso dos corredores verdes, esse tipo de situação merece ser questionada, pois não é possível garantir que receberão a atenção necessária da prefeitura. “Se sequer as árvores são cuidadas na metrópole paulistana, gerando acidentes todo verão, como será a vida útil dos jardins verticais?”, questiona.
CUSTOS
Uma muda em conformidade com os padrões exigidos pela prefeitura custa, em média, R$ 150. Mesmo sendo necessária atenção maior nos primeiros meses após o plantio, depois que a vegetação se estabelecer, passará o restante da vida usando água da chuva e exigindo pouca manutenção. Já as paredes verdes têm um custo de cerca de R$ 800 por m².
“Também devemos lembrar, enquanto a parede verde passará a fornecer serviços ambientais em alguns meses, a árvore levará 15-20 anos para começar a prestar serviços significativos em termos de armazenamento de carbono, produção de vapor de água e interferência efetiva na poluição. Não sabemos ainda qual a vida útil de uma parede verde, mas certamente será menor do que a das árvores, pois as plantas usadas nesses muros costumam viver bem menos”, finaliza Buckeridge.
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Colaboração técnica
- Marcos Buckeridge – É biólogo e foi pesquisador científico do Instituto de Botânica de São Paulo (Jardim Botânico) durante 20 anos, onde trabalhou com fisiologia de árvores nativas de diversos biomas brasileiros. É também pesquisador associado do Instituto de Estudos Avançados, onde coordena o Programa USP-Cidades Globais, que reúne um grupo de pesquisadores cujas pesquisas visam melhorar o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas que vivem na metrópole paulistana. Já publicou mais de 150 trabalhos e capítulos de livros, editou quatro livros, um nacional e três internacionais, orientou mais de 50 alunos de pós-graduação de mestrado e doutorado. É editor de revistas científicas internacionais, como Bioenergy Research e Trees: structure and function. Desde agosto de 2015 é presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo.