35 mil operários ajudam a renovar a cidade
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
Profissionais da construção civil se arriscam e mostram grande trabalho nos canteiros de obra
04 de fevereiro de 2013 - Faltam 30 minutos para a sirene tocar. No poço a 40 metros de profundidade, uma carga de 325 quilos de explosivos está prestes a ser detonada. Um fio os liga à superfície. Na ponta da linha, é conectada uma espécie de caneta carregada com espoletas e que possui um botão. O dedo que irá acioná-lo, avançando assim mais 3 metros do túnel da Avenida Binário do Porto, repete a ação há 30 anos. É o polegar do mestre de obras e blaster – responsável pela execução das detonações – Luiz Gomes da Silva, de 57 anos, que abre, aos poucos, o caminho para carros sob a Zona Portuária. Ele trabalha diariamente sobre um campo minado. Pelo menos três vezes antes de cada explosão, ele se arrisca descendo ao fundo do poço para verificar se as bananas de explosivos estão nos lugares certos e devidamente interligadas.
Luiz é da linhagem dos Silva. E existem os Souza, os Santos... Não chegam a ser parentes sanguíneos. Mas formam uma espécie de irmandade do tijolo, do cimento e da pedra britada, que carrega nas costas o peso de ter que entregar dentro dos prazos e das exigências o Rio da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Eles fazem parte de um exército de 35 mil operários, nas contas do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Pesada do Rio de Janeiro, que está transformando a cidade, pedra por pedra. Ao contrário das gerações de trabalhadores braçais do passado, a maioria é daqui mesmo, do Rio e da Região Metropolitana. O restante vem de todo o Brasil, incluindo cidades pobres do Nordeste, velho celeiro de mão-de-obra, e até do exterior.
A explosão que em meia hora romperá as rochas da Zona Portuária é capaz de ensurdecer. Mas o barulho do imenso canteiro de obras costuma chamar a atenção do carioca quando incomoda. É a sinfonia que embala gente como Luiz, um homem de meia idade que conserva um bigode e o sotaque paraibano. Ele parece ansioso. A explosão é o momento mais importante da obra e o que requer mais cuidados. O rádio do funcionário não para de tocar. A operação ocorre no canteiro da Praça Mauá duas vezes todos os dias, exceto aos domingos, quando nem sempre há detonação.
— O perigo é constante. São 37 anos de serviço de obra, a maioria mexendo com explosivos. Não deixei de ter medo e não vou deixar nunca de ter. Quando você acostuma tende a relaxar e, para mim, isso é negativo. Já vi gente morrer na mesma obra em que eu trabalhava. O meu trabalho é mais perigoso do que difícil – conta o blaster, que, pelas funções, recebe um salário considerado elevado.
As explosões que desafiaram a coragem de Wellington Luciano, de 30 anos, foram outras. Wellington já tinha passado pelas obras do PAC no Alemão e do Bairro Carioca, em Triagem, onde diz ter visto muita desorganização e ficado no meio do fogo cruzado por causa do tráfico. Hoje, ele divide com Luiz e outros 3.500 trabalhadores as obras da Zona Portuária e agarra com força — seu apelido na obra é Braúna, que no tupi significa madeira preta e forte — uma oportunidade que surgiu para ele no meio do boom de construções no Rio. Aliás, a chance ele foi buscar, batendo no portão de entrada do canteiro. Começou como ajudante e foi promovido a auxiliar de carga. Ele ajuda a carregar todo tipo de material de obra dentro do poço de 40 metros de profundidade.
— Perdi minha mãe com 7 anos, e meu pai (sumiu) quando tinha 10 anos. Da minha mãe lembro todos os dias. Mas o meu pai era traficante, sequestrador, tinha inimigos. Um dia fomos visitar um tio meu num presídio em Niterói. Fomos seguidos e vieram para matar o meu pai. Minha mãe entrou na frente dele e veio a falecer. Minha mãe morreu por causa do meu pai. Fui criado por uma tia avó, que é auxiliar de enfermagem — revela Wellington o lado trágico da sua história.
O canteiro de obras é o seu castelo. Embora Braúna não pareça ter muitos planos para o futuro na construção civil, pensa em trabalhar como sinaleiro, em outros momentos como operador de cargas para guindastes. “Bater trecho”, jargão para quem trabalha viajando de obra em obra, também já passou pela sua cabeça.
— A maioria que trabalhou em trechos fala coisas boas e tristes. No fim do dia você reflete. É uma aventura, mas a gente está vivo para isso — diz, em tom filosófico, o operário, que estudou até o segundo ano do ensino médio.
O martelo elétrico de Gilson Eloi da Silva, de 33 anos, como as dinamites do Porto, destrói em nome do futuro. Marteleteiro, ele é do time que trabalha quebrando o concreto do Maracanã para que as ferragens corroídas da estrutura do estádio possam receber tratamento. Na última semana, seu esforço físico estava concentrado na rampa do esqueleto, cujas vigas receberão um acabamento novo. Gilson diz que são tantas marteladas por dia – das 7h às 19h, de segunda à sexta, com a chance de a jornada se estender pelos finais de semana – que não dá nem para contar.
O operário diz que as vagas para marteleteiro recebem muitas recusas dado o esforço físico necessário. Para se ter uma ideia, o martelo elétrico usado por ele para quebrar uma das rampas do Maraca pesa 10 quilos. No final do dia, Gilson está coberto de poeira de concreto.
Na contramão das dificuldades do dia a dia na construção civil, ele afirma que arrumar um emprego na área hoje é fácil:
— Só fica desempregado quem quer. Até 2016, pelo menos, tem emprego na construção civil do Rio de Janeiro.
As estatísticas confirmam. Pelos dados do Cadastro Geral de Empregos e Desempregados (Caged) de 2012, divulgados este mês pelo Ministério do Trabalho, no ano passado foram criados 32.956 novos postos de trabalho na construção civil no Rio de Janeiro. O setor, em números absolutos, só perde para a área de serviços, que fechou o ano com 73.041 novos empregos. Em 2011, o saldo positivo foi de 36.500 postos de trabalho, o que significou um crescimento de 16,25% no número de empregos no setor em relação ao ano de 2010. Em termos percentuais, foi o campo de trabalho que apresentou melhor desempenho no Rio de Janeiro.
Mas os números positivos não desviam Gilson do seu projeto de largar o trabalho pesado. O marteleiro junta dinheiro para voltar à sua cidade natal, Barra da Corda, no interior do Maranhão. O plano é abrir um negócio. Ele está no Rio desde 2001, quando desembarcou na Rodoviária Novo Rio para trabalhar como ajudante de obra. Peregrinou por canteiros na cidade e, no meio disso tudo, foi “bater trecho”, construindo estradas e pontes em Angola durante dois anos e três meses.
— O que ganhei investi no Maranhão. Comprei algumas terras e estou construindo uma casa grande, de seis cômodos. Daqui a dois anos, quero montar alguma coisa lá e voltar ao Rio somente para ver meu filho (de 6 anos) – diz o operário, que mora na Praça da Bandeira com dois colegas e ganha R$ 1.400 mensais.
Sangue nordestino e sotaque fluminense
Entre os tapumes das grandes obras, de 70% a 80% dos operários, afirma o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Pesada no Rio de Janeiro, Nilson Duarte, são do Rio e da Região Metropolitana. Ao mesmo tempo, o DNA dos antigos operários que chegaram ao Rio do Nordeste para construir prédios e uma nova vida na cidade grande continua presente. Há mais de 40 anos, o pai de Fagner Luiz dos Santos, de 21 anos, aportava na cidade vindo da Paraíba, da cidade de Campina Grande. No Rio, foir ser servente de obra. O tempo passou e Fagner hoje segue a tradição e também pega pesado na construção civil. Nos grandes canteiros da cidade, não é raro esbarrar em algum operário com história semelhante.
Ele faz fôrmas de madeira para as estruturas de concreto armado dos pilares da ponte estagiada da Barra, que servirá ao BRT Transcarioca. A maior parte do tempo passa na parte baixa da obra, no meio de serras e madeiras, num espaço montado para ser a carpintaria. Para a função, com a qual já possuía afinidade, ganha R$ 1.200 por mês. Antes de entrar no projeto da Transcarioca, que fica relativamente próximo à sua casa, em Rio das Pedras, ele trabalhava na marcenaria do pai, na Tijuquinha, ajudando a fabricar decks e móveis de madeira. A experiência o ajudou a dar um passo adiante na construção civil. Ele completou o ensino médio e quer fazer o curso técnico em edificações – muito citado entre os operários, que também visam a profissão de soldador, considerado bem remunerado. Um sonho mais distante é fazer arquitetura.
Na ponte estaiada, Elias Pereira da Silva, de 31 anos, vive nas alturas. Ele monta a até 30 metros acima do chão as estruturas metálicas dos pilares. O começo na construção civil foi como ajudante, o que era o servente no passado. Foi também o primeiro emprego do seu pai quando deixou João Pessoa, na Paraíba, para encarar o trabalho pesado no Rio.
— Trabalhei em gráfica, em telecomunicações e por necessidade comecei na construção civil há quatro anos. Trabalhei com altura na Linha 4 do metrô, mas era diferente, porque era em encostas, na Rocinha. Passei também pelo Porto do Rio — diz Elias, que mora em Caxias e recebe R$ 1.298, com possibilidade de extras por horas a mais trabalhadas.
Na obra da Transcarioca, 96% dos 2.300 trabalhadores são do Rio de Janeiro. Os outros 4% são de fora e vivem em alojamentos. No caso destes, a maioria vem de São Paulo, Minas Gerais e Bahia.
Esse batalhão com carteira assinada atrai todo tipo de negócio. Agentes de concessionárias de motos e de consórcios de casa e carro estão de olho e percorrem os canteiros. Os pagamentos podem ser descontados nos contracheques. Todos esses já apareceram na orba da ponte estaiada da Barra. Lá, contam operários, a moda do momento entre os mais jovens é comprar moto. Virou símbolo de status. A Hyundai já passou pelo canteiro oferecendo suas motocicletas.
Elias diz que passará pela ponte para levar os dois filhos à praia na Barra. Fagner diz que ela encurtará distâncias. Osvaldo Costa, de 52 anos, não gosta de deixar uma obra para trás sem vê-la pronta. Do Tocantins, agora ele mora numa república na Taquara com outros 12 trabalhadores de fora do Rio. Quando trabalhou em Angola construindo pontes, estradas e viadutos, sempre dava uma volta no projeto depois de concluído. São 25 anos de construção civil no currículo. Nos anos 80, era servente. Subiu degraus e, atualmente, é encarregado de armador — uma espécie de chefe ou líder dos armadores — no canteiro do ponte estaiada. A cada dois meses, passa oito com a mulher e as três filhas. Seu endereço, embora um pouso raro, fica na pequena cidade de Gurupi, a 240 quilômetros de Palmas.
— Não vou trazer a família só para ficar um ano. Me acostumei com a rotina de ir e vir — diz Osvaldo, rindo da própria rotina. — Minha mulher sempre fala: aqui (em casa) você passeia, você passa a sua folga.
Luiz, blaster da obra do binário no Porto, é outro que mantém residência a quilômetros de distância do estado do Rio. Por isso, não se encaixa no perfil do imigrante. Sua casa de verdade fica na cidade paulista de Piracaia, a 90 quilômetros da cidade de São Paulo. E a sua história começa na pequena Belém de Brejo Cruz, no sertão da Paraíba, há 57 anos. Deixou para trás o trabalho na roça, nas terras de um grande latifundiário, quando tinha 19 anos e apenas o antigo primário. Foi trabalhar na construção civil em Mossoró, Rio Grande do Norte. Era servente. Com o tempo, se especializou em detonações e passou a rodar o Brasil. Até pouco mais de um ano atrás, nunca tinha pisado no Rio de Janeiro.
— Tinha um sentimento negativo em relação ao Rio, que era uma bobagem. Achava perigoso trabalhar no Rio, ir para casa à noite depois do serviço — confessa Luiz, dizendo que já mudou completamente de opinião. — No Rio não há solidão.
Ele é casado e tem três filhos homens: um engenheiro químico formado pela Unicamp, outro no último período de engenharia civil da Universidade Federal do Paraná, e um que presta vestibular.
Fora de cálculo
Osvaldo, Luiz e outras dezenas de pessoas que trabalham hoje na cidade não entram nas estatísticas de migração do IBGE. É um fenômeno novo, diz o pesquisador Marden Barbosa, da coordenação de população e indicadores sociais do IBGE.
— Antigamente casos assim não aconteciam. Até as décadas de 60 e 70 a migração era aquela clássica, que saía da Zona Rual e vinha com a família. Ainda acontece. Só que, ao mesmo tempo, surgem outras formas. Tem o lado positivo. Hoje é muito mais fácil se deslocar, se comunicar, enviar dinheiro. É simples morar aqui e ter família no interior. E tem o outro lado, que é negativo. Não há mais espaço para que pessoas de determinadas classes sociais cheguem, tenham uma casa e consigam viver aqui — avalia Marden.
Pelos dados do IBGE, a migração para o Rio de Janeiro – onde continua chegando mais gente do que saindo – caiu pela metade entre o censo de 2000 e o de 2010. No levantamento de 2000, o saldo foi de 45.536 pessoas (a diferença de quem saiu e entrou no Rio). Entre 2000 e 2010 foi de 23.104 imigrantes.
Mulheres operárias
Outra força de trabalho que cresce a olhos vistos é a de mulheres na construção civil. No Maracanã, de 5.500 trabalhadores, 300 são do sexo feminino. O número parece pequeno em relação ao total, só que ele é três vezes maior do que o existente no início da obra, em agosto de 2010. Nas obras da Linha 4 do metrô, elas são 229 dentro de um universo de 1.839 empregados. Cristina Souza de Oliveira, de 36 anos, é uma delas. Depois de passar pelas obras do Porto de Itaguaí, onde conseguiu um emprego como ajudante e ferramenteira, ela foi chamada para trabalhar no canteiro do metrô na Praça Nossa Senhora da Paz. Ela está para a construção civil como a instrumentadora cirúrgica está para a medicina. É ela quem organiza as ferramentas, guardadas em um pequeno container, e comanda a sua distribuição para os operários. Os nomes das peças, máquinas e materiais elétricos ela sabe de cor.
— Tem a chave de impacto, que serve para desafrouxar parafusos grandes, a serra circular, para cortar madeira, os marteletes, mais pesados, que quebram o concreto, servem para demolir — ensina.
Ela já correu muito atrás de emprego no passado. Vendedora ambulante na praia, empregada doméstica, cabeleireira e atendente em padaria foram alguns dos muitos empregos que Cristina precisou encarar para ajudar a sustentar três filhos. No presente, o contexto é outro.
— Para cá fui chamada. Na verdade, me pediram socorro porque estava tudo muito desorganizado — diz a ferramenteira, que passou um ano e nove meses em Itaguaí.
Cantadas e piadinhas fazem parte da rotina. Mas já foi pior. Em Itaguaí, as coisas melhoraram quando o marido foi, puxado por ela, trabalhar na obra como motorista. Para chegar a Ipanema às 7h, ela sai de Muriqui, na Costa Verde, onde mora, ainda de madrugada, com mais de três horas de antecedência. Só pisa de novo em casa às 21h. Na construção civil, ela encontrou uma carreira, com possibilidade de crescimento. Como ferramenteira, Cristina ganha R$ 1.375. Ela pesa os prós e os contras:
— Nesse campo, nós temos a nosso favor a possibilidade de crescimento e de acabar com essa ideia de que mulher tem que ser empregada doméstica. Isso incomoda os homens, que estão perdendo espaço. O ruim são os horários puxados e ter que lidar com a discriminação e com segundas intenções. No começo ouvia muita piadinha e sentia a pressão de ter que fazer melhor dos que os homens. As mulheres na construção civil se cobram muito — explica Cristina, que ainda precisou superar os ciúmes do marido.
Flanelinha hoje pega no pesado
Quando a obra do metrô estava por chegar ao Jardim de Alah, Claudio Souza Martins, de 47 anos, temia perder o ganha pão. O primeiro contato com o pessoal do consórcio foi ainda como guardador de carros na área. Ele atuava como flanelinha autorizado, e vivia do dinheiro que arrecadava por 38 vagas na rua usadas pelos clientes do Shopping Leblon. O negócio era bom, e Cláudio chegava a ganhar em dezembro, no auge da febre das compras, quase cinco vezes mais o que recebe hoje como ajudante de obra no canteiro do metrô. Ele trabalha exatamente onde ficavam as vagas, hoje cercadas por tapumes. Ele nasceu e cresceu na Cruzada São Sebastião, “o melhor lugar do Rio de Janeiro para o pobre morar”.
As esquipes iam inspecionar a área e ele acabou estabelecendo uma relação. Ao final, ele e outro flanelinha foram absorvidos pela empreitada.
— Fique cinco anos sem dormir por causa das obras do metrô e do shopping. Mas nada pode atrapalhar o caminho do progresso — diz um conformado Claudio, que passou 12 anos tomando conta das vagas do Jardim de Alah. — Hoje faço o que mandam: carrego carrinho, material de obra, ajudo o pedreiro. Tiro meu sustento, tenho meus direitos garantidos, e a comida aqui (no canteiro) é boa.
Ele admite que o trabalho anterior era muito mais leve e fácil do que o atual. Por outro lado, a estação do metrô, diz, vai valorizar os apartamentos da Cruzada. Outra coisa boa será poder pegar o metrô na porta de casa. Sem experiência na construção, ele rala nas funções mais baixas.
— Vou continuar na boa, porque a empresa paga bem e até porque não tenho profissão. Mas depois da orba pretendo voltar ao estacionamento. Alguém me falou que vai voltar ao normal depois — comenta o peão, pai de uma filha de 19 anos que tentar o vestibular para medicina. — Alguém lá em casa precisa se formar!
O jeito descontraído de Cláudio contrasta com o clima pesado entre operários do Maracanã. O estádio se assemelha a uma panela de pressão. Após sucessivos atrasos, as obras seguem em ritmo acelerado para que fiquem prontas dentro do prazo e a tempo da Copa das Confederações, em junho. Além disso, ainda paira o fantasma de uma nova greve. Os portões do Maracanã hoje estão fechados para os jornalistas. Operários que falam sem autorização do consórcio e do governo do estado correm o risco de serem coagidos. A alguns metros do portão 13, dois funcionários da Odebrecht constrangeram dois trabalhadores que davam entrevista, na semana retrasada, na calçada do estádio.
No mesmo dia, um grupo de haitianos que atuava na obra e fora contratado por uma empresa terceirizada denunciava no Sindicato da Construção Pesada desrespeito a leis trabalhistas. Onde antes assistia ao seu Flamengo jogar, Sérgio Júnior, de 30 anos, montador de andaimes, viu também o perigo bem perto: um colega se acidentou gravemente a poucos metros dele. O fato de o trabalhador não contar com plano de saúde foi o estopim para uma greve, da qual Sérgio foi um dos líderes. Na pauta, melhores condições de trabalho e melhorias salariais.
O montador de andaimes é um dos poucos que conta tudo abertamente, por ser da comissão de trabalhadores e, consequentemente, ter estabilidade no emprego:
— Eu só acho errado um encarregado ter plano e quem mete a mão na obra não ter — diz o operário, contando que estava num andaime na hora em que uma explosão projetou o ajudante de produção Carlos Felipe da Silva Pereira, em agosto de 2001.
Sérgio, que tem notícias de que o colega está bem e prestes a voltar para a labuta. Carlos Felipe tentou cortar um latão, que continha resíduos inflamáveis, com uma lixadeira elétrica para fazer um vasilhame de coleta seletiva. Todos ouviram um estrondo e impacto arremessou o operário cerca de dois metros. Levado para o Hospital Souza Aguiar com queimaduras e lesão num dos joelhos, o ferido precisou ser operado.
Os trabalhadores cruzaram os braços duas vezes depois disso. Carioca e flamenguista, Sérgio passa por cima de todos os percalços ligados à obra que irá renovar todo o estádio para falar da sua história com o velho Maraca:
— A única diferença de trabalhar no Maracanã é que passei dez anos da minha vida vindo sempre aos domingos. Já pulei muito o portão para ver o Flamengo jogar.
Jamais passou pela cabeça de Sérgio e seus colegas de obra que o legado deles no Maracanã seja motivo de uma placa de homenagem ao lado das que eternizaram os gols de placa no estádio. O máximo de ambição destes operários é ter direito a uma pelada no gramado antes que os homens engravatados cortem a faixa de inauguração. Peão é assim: quando tudo fica pronto, é a hora de partir.
Fonte: O Globo