Construtoras estimam vendas até 50% maiores este ano em relação a 2008
Metas ambiciosas desafiam a capacidade de expansão do setor de construção
19 de abril de 2010 - Expansão não é exatamente uma palavra nova para as construtoras brasileiras. Em 2006, havia uma única empresa do setor, a Cyrela, com faturamento acima de R$ 1 bilhão. Apenas três anos depois, um grupo de oito companhias ultrapassou o almejado patamar, algumas delas com folga.
Estimuladas por um lucro em média 85% mais alto no ano passado e pela confortável situação de caixa, proporcionada por uma bem sucedida rodada de captações em bolsa e de emissões de debêntures - que injetaram mais de R$ 10 bilhões no setor entre 2009 e este ano - as incorporadoras abandonaram o conservadorismo do começo de 2008. E capricharam nas novas estimativas de crescimento - a ponto de acender a luz amarela da viabilidade de execução das promessas.
Empresas como MRV, PDG Realty e Rossi esperam uma evolução média de 50% nas vendas ou lançamentos este ano. Em alguns casos, como a Gafisa, o crescimento projetado de lançamentos chega a 95%.
Os números do primeiro trimestre, no entanto, mostram que atingir as metas propostas pode ser mais difícil do que as empresas imaginavam. Os resultados operacionais que começaram a ser apresentados ao mercado na semana passada apontam, de fato, um setor bastante aquecido.
As que já divulgaram, Brookfield, CCDI, Agre e MRV aumentaram substancialmente as vendas em relação aos primeiros três meses de 2009 - quando a crise financeira ainda rondava o setor. Mas não a ponto de atingir projeções tão ousadas.
A mineira MRV, por exemplo, que atua na baixa renda e pretende construir este ano 40 mil unidades, teve o melhor primeiro trimestre de toda a sua história. As vendas da companhia somaram R$ 732,7 milhões (6.974 unidades), crescimento de 70,4% em relação ao mesmo período de 2009. Mas, para atingir o centro da a meta, a empresa teria que vender R$ 1 bilhão.
"O primeiro trimestre costuma ser mais fraco, porque os meses de janeiro e fevereiro são piores para a venda de imóveis " , afirma Rubens Menin, presidente e fundador da companhia. " Vamos acelerar lançamento e vendas no segundo trimestre " , afirma Menin. Os lançamentos da empresa se concentraram depois do carnaval e somaram R$ 606 milhões, alta de 125% sobre 2009.
A Brookfield, união da Brascan, Company e MB Engenharia, vendeu R$ 561,6 milhões no primeiro trimestre deste ano, um aumento de 83,3% em relação ao mesmo período de 2009. Mas, de novo, para atingir a meta proposta teria que ter vendido entre R$ 625 milhões e R$ 700 milhões. A empresa lançou R$ 322 milhões e, para chegar na projeção, teria que estar entre R$ 750 milhões e R$ 825 milhões.
Na Agre, empresa que consolidou as operações de Agra, Klabin Segall e Abyara, a história se repete. A empresa pretende lançar este ano R$ 2,5 bilhões, o que significa, na média, R$ 625 milhões por trimestre. Ficou quase 70% abaixo disso ao lançar R$ 206 milhões. " Foi o destaque negativo do anúncio " , afirmou em seu relatório o analista Armando Halfeld, da Ativa Corretora.
Quatro empresas - Cyrela, MRV, PDG e Gafisa - pretendem lançar somente este ano mais de R$ 4 bilhões. Ainda que as construtoras tenham sido abastecidas por ofertas polpudas, que colocaram no caixa perto ou mais de R$ 1 bilhão, além da captação de dívida corporativa, as projeções para 2010 e 2011 - inevitavelmente - foram questionadas. O setor não estaria, mais uma vez, repetindo o excesso de entusiasmo do fim de 2007? E, principalmente, as companhias terão capacidade de transformar em tijolo o que até agora são números apenas números?
O ano passado, este e o próximo são de intensa atividade para o setor, já que toda a enxurrada de lançamentos feitos no IPO, o primeiro ciclo de crescimento do setor, está em plena construção agora. Os desafios passam pela produção, mais precisamente mão de obra e insumos.
"O risco de execução é a maior preocupação dos investidores", afirma David Lawant, analista da Itaú Corretora. " Mas as empresas estão mais realistas do que em 2007 e esse ciclo será mais saudável. " Vale ressaltar que, com exceção das empresas que chegaram perto da insolvência e foram incorporadas, as demais cumpriram as projeções de 2009.
É consenso entre analistas e as próprias empresas que demanda não é problema. Recursos para financiar o crescimento também não - embora o consumo de capital de giro prometa ser intenso nos próximos meses e um controle adequado do fluxo de caixa seja essencial. Crédito é farto tanto para as empresas quanto para os compradores. " A variável é a capacidade de construir, controlar os canteiros e garantir prazo e qualidade sem perder margem " , diz Lawant.
Menin, da MRV, que no ano passado cresceu 82,7% das vendas, parte em defesa do setor. " O maior passo já foi dado, a parte mais difícil já foi feita " , diz. Na opinião de Menin, é muito mais difícil sair de uma receita de R$ 100 milhões para R$ 1 bilhão do que agora.
"Na nossa empresa, crescemos a três dígitos durante quatro anos, estamos nos estruturando para isso " , afirma. Segundo Menin, no caso da MRV, o pior foi chegar a 250 canteiros ao mesmo tempo. Agora, a empresa está aumentando o número de unidades em cada canteiro para ganhar escala.
O crescimento acelerado das empresas de construção desde 2009 não foi acompanhado pela valorização das ações na mesma proporção. Segundo levantamento feito pela consultoria Dextron, o valor de mercado das empresas caiu de R$ 48,1 bilhões, no fim de 2007, para R$ 40,7 bilhões, considerando-se o fechamento de sexta-feira. " Isso se explica em grande parte pela crise econômica mundial, que resultou na desvalorização das ações em meados de 2008 " , afirma Maurício Miceli Kerbauy, consultor da Dextron.
Para Kerbauy, que fez amplo levantamento sobre o setor, ainda há dúvidas sobre quão saudável e sustentável será o ritmo de crescimento das empresas. " Por migrar para a baixa renda, vai haver uma queda de lucratividade e há uma série de variáveis a serem consideradas, como acerto dos novos produtos, estoque e custos de construção " , afirma o consultor.
Na sua opinião, assim como muitos analistas já reafirmaram em relatórios do setor, a concorrência com obras de infraestrutura, Olimpíadas e Copa do Mundo pode afetar o preço dos insumos.
Até o momento, porém, o aumento de preços do setor está baixo da inflação. No ano, o INCC (Índice Nacional da Construção Civil) acumulado é de 1,3%, para uma inflação (medida pelo IPCA) de 2,06%. Nos últimos 12 meses, a alta é do INCC é de 4,1%, para um IPCA acumulado de 5,17%." Insumo não é problema, porque se o preço aumentar muito, vamos recorrer à importação rapidamente ", afirma um executivo do setor.
A líder de mercado Cyrela, no entanto, afirmou na sua última teleconferência que está aumentando os preços das unidades acima " dos reajustes praticados nos últimos tempos " , para compensar o aumento dos custos no setor, que já foi sentido pela incorporadora no último trimestre do ano passado. O aumento previsto é de 4%.
O gargalo maior, é consenso entre todas as empresas, é a mão de obra. As companhias estão investindo em programas de trainees de engenheiros civis, plano de carreira para pedreiros e já começam a pensar em montar escolas de capacitação próprias. Os salários - para todos os níveis, sem exceção - nunca foram tão altos. Um pedreiro ganha R$ 2 mil mensais, um mestre de obras chega a ganhar R$ 8 mil e um engenheiro recém-formado, está com um salário na faixa de R$ 5 mil.
Fonte: Valor Econômico - SP