Curso superior não significa alto salário
Fazer um curso superior não significa necessariamente ganhar salários mais altos que a média dos trabalhadores. Tampouco passar nos cursos mais concorridos no vestibular é garantia de receber as maiores remunerações. De acordo com a carreira escolhida, o salário médio de alguém pode ficar no topo da pirâmide salarial ou deixá-lo na base, ganhando o mesmo - ou até menos - do que carreiras que não exigem curso superior, como eletricistas ou operadores de guindastes.
Essa é a conclusão de um levantamento feito pela reportagem na recém-divulgada Relação Anual de Informações Sociais (Rais), base de dados coletada anualmente pelo Ministério do Trabalho desde 1975 de todas as empresas do Brasil. O recorte mostra que as carreiras mais procuradas no vestibular neste ano têm abismo salarial de até oito salários mínimos no Estado de São Paulo, segundo os dados de 2012.
A diferença é de R$ 5 mil mensais entre os salários médios de um engenheiro civil (R$ 7,8 mil) e de um psicólogo (R$ 2,8 mil), duas carreiras que estão entre as 10 que mais receberam inscrições no vestibular na Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest) em 2013. A prova seleciona alunos para a Universidade de São Paulo (USP).
Entre esses dois extremos, estão profissões como médico clínico (R$ 5,7 mil), advogado (R$ 5,3 mil) e contador (R$ 4,7 mil), também entre as mais procuradas no vestibular da USP. Na média, o trabalhador paulista com carteira assinada ganhou salário de R$ 1,9 mil em 2012, levando em conta tanto carreiras com curso superior quanto de nível médio ou fundamental.
O levantamento mostra apenas carreiras com mais de 20 mil registros. Para cursos com mais de uma ocupação na Rais - caso dos médicos e dos engenheiros, por exemplo, a reportagem selecionou as duas primeiras carreiras com o maior número de profissionais em cada uma das áreas. Portanto, isso não significa que todo médico ganha em média R$ 5,7 mil como recebem os clínicos - o salário padrão de um patologista é de R$ 13,8 mil, por exemplo (mais informações nesta página).
Segundo o ex-reitor da USP Roberto Leal Lobo e Silva Filho, consultor de ensino superior, é importante salientar que as médias do Rais só se referem a quem tem carteira assinada e, em algumas áreas, o próprio número de profissionais não é contemplado pela base de dados. "Há muitos engenheiros, por exemplo, que são empresários ou autônomos e seus ganhos são diferentes."
A formação de engenheiros já foi apontada como um dos desafios do País na área de educação. Em 2011, entretanto, o número de calouros de Engenharia superou o de Direito pela primeira vez na história. Com 227 mil ingressantes, a área agora só fica atrás de Administração. Pesquisas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) deste mês indicam que não há riscos de um "apagão" generalizado na área, com base no comparativo entre oferta e demanda por profissionais. Mas a análise do órgão também ressalta a dificuldade de contratação de profissionais experientes para liderar projetos e obras e déficits em competências específicas, além de déficits em regiões localizadas.
Diferenças. As diferenças regionais ficam claras em outro estudo do Ipea, divulgado neste ano - com base nos microdados do Censo de 2010. Recorte feito pelo Estado aponta que as médias salariais regionais mostram, porém, uma tendência: os ganhos na Região Norte são os maiores do País em três carreiras analisadas: medicina, odontologia e engenharia civil. Médicos desses Estados têm salário quase 10% maior do que o registrado no Sudeste, a região mais rica do País.
O instituto usou os dados do Censo para criar um ranking de profissões onde são levados em conta médias salariais, jornada de trabalho, taxas de empregabilidade e também proteção trabalhista. O vencedor disparado desse ranking combinado é medicina, com um índice 30% maior que o segundo colocado, odontologia. Na sequência, vem engenharia de transportes e engenharia civil. Esses dois passaram de fato por forte valorização na última década, segundo o instituto. Medicina já era o líder do ranking da década passada. Olhando para a base do ranking estão áreas como filosofia, educação física e turismo.
Segundo o ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Marcelo Neri, presidente do Ipea, quanto maior o tempo de formação, como medicina, menor a oferta de profissionais. "Acho interessante abrir o País para médicos de outros países. É uma maneira de pegar um atalho em relação à escassez de profissionais", diz ele. O programa Mais Médicos do governo federal já contabiliza 6,6 mil médicos, em uma ação que foi criticada por entidades de classe.
A impressão de que o Brasil precisa de mão de obra qualificada é antiga. Neri afirma, no entanto, que a verdadeira escassez de mão de obra é na base da pirâmide. "Tem um apagão de mão de obra não qualificada", diz. "Olhando os salários como medida de escassez, o que aumentou mais foi o salário de quem tem pouca educação. Os dados mostram que aumentou porque a educação melhorou. A filha da empregada, por exemplo, chegou ao ensino médio e não quer mais exercer a mesma profissão dos pais."