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Efeitos da expansão frenética do setor de construção geram novo cenário

Texto: Redação AECweb

Empresas do segmento imobiliário não conseguem sustentar crescimento acelerado do setor nos últimos anos e aumentam nível de endividamento

13 de abril de 2009 - Sustentar o crescimento projetado em tempos de bonança está custando caro ao setor de construção. Os efeitos da expansão frenética do mercado imobiliário nos últimos dois anos começam a aparecer agora. Com menos dinheiro em caixa e um enxurrada de lançamentos que precisam virar um canteiro de obras de fato, as empresas precisaram aumentar seu nível de endividamento. Em 2007, a dívida total das 20 companhias do setor listadas em bolsa somava R$ 4,7 bilhões. No final de 2008, o endividamento mais que dobrou e atingiu R$ 10,8 bilhões.

Por outro lado, essas mesmas empresas precisam desovar mais de R$ 23 bilhões em estoques - desde lançamentos, obras em andamento e apartamentos prontos - quase 50% acima dos R$ 16 bilhões que tinham no fim do ano passado. "É natural que o número de estoques seja elevado, porque o ciclo do setor é longo", afirma Emílio Fugazza, diretor de relações com investidores da Eztec.

Poderia ter sido pior. No início de 2008, as empresas projetavam lançamentos na casa de R$ 42 bilhões. Deflagrada a crise financeira, já no fim do terceiro trimestre, as incorporadoras frearam bruscamente e acabaram por lançar R$ 29,5 bilhões.

Com uma concorrência enorme e a demanda retraída, várias empresas, entre elas Cyrela e Gafisa, chegaram a cancelar projetos já lançados e, em alguns casos, até com canteiros em início de obras. Perto de R$ 1 bilhão em empreendimentos com vendas abaixo do esperado foram cancelados e o dinheiro devolvido aos compradores. "É melhor devolver e preservar caixa do que manter projeto com vendas fracas", afirma Wilson Amaral, presidente da Gafisa.

Em plena crise de crédito, as empresas conseguiram financiamento, mas a um custo alto. A dívida mais "saudável" e barata do setor - do SFH (Sistema Financeiro de Habitação), dinheiro que vem da poupança e custa a TR mais 10,5% até TR mais 12% ao ano - representa 29% do endividamento financeiro das companhias. Seu crescimento é positivo e significa que as obras estão avançando.

O problema é que, com uma redução de caixa de 31% no último ano, as empresas recorreram à emissão de debêntures e à dívida de capital de giro, cujo custo de carregamento é mais alto. Oscila entre CDI mais 0,90% a CDI mais 2,5% ao ano nas debêntures, que representam 32% da dívida financeira das 20 companhias de capital aberto. No empréstimo para capital de giro, que responde por 35% da dívida, o custo médio é de CDI mais 2,5%, mas há casos de contratos assinados a CDI mais 5% ao ano. Juntas, debêntures e capital de giro somam quase R$ 8 bilhões, contra R$ 3,2 bilhões de SFH. Por outro lado, começam a sair empréstimos mais vantajosos para o setor, como os R$ 155 milhões do BNDES para a PDG Realty e R$ 600 milhões das debêntures da Tenda com a Caixa Econômica Federal.

As empresas mais endividadas - e com boa parte das dívidas vencendo no curto prazo - não tiveram saída senão apelar aos credores. A Abyara- comprada pela Agra e pela Veremonte, do espanhol Enrique Bañuelos - precisou recorrer aos bancos para continuar de pé. Já renegociou boa parte da dívida de R$ 420 milhões com seis dos nove bancos e a expectativa dos novos controladores é que a questão esteja resolvida até o fim do mês. A Klabin Segall - dona de uma dívida de R$ 637 milhões, sendo R$ 461,8 milhões em debêntures - acertou em assembleia com debenturistas que irá postergar o pagamento dos juros dos títulos por 60 dias.

Outro efeito do crescimento acelerado foi o aumento de despesas administrativas e de marketing. Embora tenham alterado a rota no fim do ano e cortado despesas - inclusive de pessoal - como fizeram Agra, Cyrela - os gastos comerciais saíram de R$ 700 milhões em 2007 para R$ 1,7 bilhão em 2008 e as despesas administrativas de R$ 1 bilhão para R$ 1,5 bilhão. Com custo financeiro das dívidas mais elevado e aumento das despesas, o ganho também caiu. A margem líquida média caiu de 14% no ano passado para 10% neste ano.

Em todos os aspectos, os balanços mostram uma evolução importante do setor em 2008. A receita líquida das companhias teve um crescimento de 88% de um ano para outro. O lucro bruto saltou 71%. Ainda que algumas empresas estejam sentindo os efeitos de um crescimento além da conta, o segmento deve passar por um ajuste compulsório - o que, aliás, já começou a acontecer. Pouquíssimos lançamentos foram feitos nos três primeiros meses do ano, mesmo com uma demanda mais amigável, segundo as próprias companhias relataram em suas conferências de resultado.

A megalomania acabou. O que deve acontecer, na visão de analistas, é um rearranjo do setor com as empresas médias - que no início do ano passado anunciaram lançamentos acima de R$ 1 bilhão - voltando a patamares de lançamento na casa dos milhões anuais. "Quem cresceu além da conta vai diminuir de tamanho", avalia uma fonte do setor. E o espaço deixado por elas deve ser ocupado pelas maiores do setor, como Cyrela, MRV, PDG Realty, Gafisa e Rossi.

O setor de construção é cheio de peculiaridades, com ciclo de longo prazo, e o cenário mais difícil de agora começa a reverter a partir de 2010, quando boa parte das obras começam a ficar prontas e as empresas recebem o repasse dos bancos -o cliente normalmente paga 20% durante a obra e os 80% restantes são repassados às companhias na entrega das chaves.

Apesar da burocracia para receber o dinheiro - que tem pego no contrapé muitas empresas que não estavam habituadas com o mecanismo e também as que atrasaram as obras -, esse valor vai direto para o caixa. Quando o dinheiro começar a voltar entra como receita e, se a empresa estiver com a operação redonda, dispensa uma nova rodada de financiamentos a custos altos. "O dinheiro volta, ninguém vai quebrar, só frear o ritmo", diz Zeca Grabowsky, presidente da PDG Realty.

O empurrão do governo com o pacote habitacional será fundamental ao setor, especialmente paras as companhias que já atuam na baixa renda. MRV, PDG Realty e Tenda já reformulam seus orçamentos e estimam crescer acima das previsões iniciais. Já outras companhias sem tanta tradição na baixa renda, como Rossi e Cyrela, procuram aumentar o foco nas marcas mais populares. "A realidade do mercado brasileiro é única, há muita demanda, em especial no segmento de baixa renda", afirma o último relatório sobre o setor do Goldman Sachs. "O mercado deve surpreender com vendas fortes no primeiro trimestre, antes mesmo da chegada do pacote do governo", diz o relatório.

Depois de um ano em que os papéis do setor derreteram na bolsa - a Abyara caiu 93%, a Inpar, 91,4% -, grande parte das ações está se recuperando em 2009. No ano até quinta-feira, o Índice de Construção Civil acumula alta de 35,4% para uma alta de 21,27% do Ibovespa. As maiores altas são justamente das companhias totalmente voltadas à baixa renda. A Tenda sobe 93,9%, a MRV, 80,6% e a Rodobens, 50,3%.

Fonte: Valor Econômico - SP

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