Governo prepara emissão de títulos destinados à casa própria
Contratos para imóveis novos e usados assinados no primeiro semestre atingiram R$ 33,5 bilhões
02 de setembro de 2010 - O risco de faltar recursos para a casa própria está forçando o governo a uma solução ousada: a emissão de títulos garantidos pelos próprios empréstimos da Caixa Econômica Federal, que só no primeiro semestre alcançaram R$ 33,5 bilhões. A meta é reforçar a instituição para novos financiamentos. Atento à escassez de fontes como a caderneta de poupança, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e o próprio Tesouro Nacional, o Executivo federal prepara uma operação de securitização (conversão dos contratos em papéis negociados no mercado) das dívidas dos mutuários e, assim, injetar dinheiro novo no mercado.
Sem dar detalhes da iniciativa, o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), Luciano Coutinho, admitiu ontem que o governo está desenhando as medidas para incrementar os recursos disponíveis para a habitação. Fontes de alto escalão garantem que o pacote, ainda mantido sob segredo, prevê a emissão de papéis lastreados em contratos de financiamentos da Caixa Econômica Federal, principalmente os do programa de moradias populares. "O Minha Casa, Minha Vida será patrocinado pelo mercado", revelou uma delas. A meta é evitar que o projeto lançado para turbinar a campanha da petista Dilma Rousseff ao Palácio do Planalto transforme-se em um verdadeiro fiasco.
A Caixa vai emitir papéis no Brasil e no exterior lastreados em empréstimos imobiliários. Esses títulos, segundo fontes ouvidas pelo Correio, vão pagar entre 4% e 8% ao ano. "Os analistas chegaram à conclusão de que o mercado para investidores de outros países em empreendimentos imobiliários para a classe mais abastada está saturado e que o nicho popular é altamente rentável para entidades financeiras", avaliou um dos envolvidos no projeto de reforço da Caixa.
Demanda
Coutinho é um dos entusiastas do processo de securitização no Brasil. Em evento em Brasília, disse a jornalistas que, por meio de operações semelhantes, será possível aumentar os recursos destinados aos programas habitacionais. "É preciso aprimorar os mecanismos para melhorar a capacidade dos bancos de operar e emitir papéis securitizados. Existem ideias em discussão, mas não estão na esfera do BNDES", afirmou.
Os envolvidos na elaboração do projeto afirmam que, na visão da equipe econômica, apenas recursos públicos (FGTS e Tesouro) não seriam suficientes para o programa engrenar. "Até 2014, o Brasil precisará de R$ 500 bilhões para o mercado imobiliário. A poupança, hoje, dá conta da demanda, mas não vai conseguir por muito tempo", alertou José Luis Rodrigues, sócio da consultoria JL Rodrigues.
Resistência
A despeito da possibilidade de a securitização rechear os cofres da Caixa e impulsionar o Minha Casa, Minha Vida, nos bastidores, parte da diretoria do banco resiste à operação ou pelo menos tem se mostrado receosa. A preocupação decorre de como a estratégia será executada. Alguns dos dirigentes temem que instituições financeiras adquiram os papéis e o cliente final - consumidor que realizou, por exemplo, o financiamento de um apartamento - seja assediado a migrar para o novo banco ou procure novos empréstimos em outras fontes.
Há ainda receio de que essas operações tragam insegurança ao mercado brasileiro ante um eventual aumento da inadimplência e dê início a uma bolha imobiliária, a exemplo da crise que explodiu nos Estados Unidos há dois anos. A despeito desse temor, analistas descartam uma repetição do problema no Brasil, já que as regras domésticas são muito mais severas. Quem adquire crédito na Caixa nunca irá saber quem é o investidor que comprou o título lastreado em seu empréstimo e não terá qualquer relação com ele. "É o melhor método para reciclar dinheiro, para que não falte recursos para investimentos", explicou Rodrigues.
Em nota, a Caixa reconheceu a securitização como um importante instrumento de captação de recursos para financiar o crédito imobiliário. Mas, ainda assim, em um trecho da nota esquivou-se do assunto. "O governo federal regula essa operação, porém não a realiza, isso porque, para securitizar crédito imobiliário, deve-se possuir carteira de crédito imobiliário, o que não é função e nem atividade do governo", disse.
O número
R$ 500 bilhões
Ao optar pela securitização dos créditos imobiliários, o governo pretende ofertar mais dinheiro aos consumidor. A operação pode aumentar a concorrência entre os bancos e reduzir o custo de empréstimos para a compra da casa própria. Quanto mais as instituições disputarem clientes, mais vantagens poderão ser obtidas. Mas, ainda assim, há riscos para o mercado. Caso a inadimplência se eleve demais entre os que estão financiando uma residência, os compradores dos papéis lastreados em empréstimos correm o risco de ficar com um título podre na mão, o que afetaria negativamente o custo dos financiamentos ou ainda daria vida aos mesmos fantasmas que levaram, em 2008, a uma quebradeira em cascata no setor nos Estados Unidos.
Investimento precisa aumentar
A base do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 5,5% entre 2011 e 2013 será o avanço dos investimentos ao ritmo de 10% ao ano. Pelas previsões do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), Luciano Coutinho, 5 grandes grupos vão impulsionar esse avanço: petróleo e gás, energia elétrica, construção civil, logística e agronegócio. "No caso do petróleo, isso representa o desenvolvimento de cadeias produtivas para suprir a Petrobras", disse. Responsável pela exploração das reservas gigantes de petróleo do pré-sal, a estatal será um dos vetores da expansão.
Na avaliação de Coutinho, os investimentos vão chegar a uma proporção de 19% do PIB em 2010. No ano da Copa do Mundo no Brasil, 2014, a taxa terá atingido 22%, um avanço ainda pequeno diante da imensa necessidade de obras de infraestrutura e logística para receber o mundial . "O crescimento do Brasil vai ser em torno de 5,5% nos próximos anos. Para garantir isso, precisamos investir mais. Temos de aumentar a poupança (interna) para realizar esses investimentos", afirmou.
O presidente do BNDES destacou a importância do crédito aos consumidores e a necessidade de ampliação da taxa de poupança do país como garantias para o tão almejado crescimento sustentável. Segundo suas projeções, no fim de 2010 a oferta de crédito no Brasil irá corresponder a 49,5% do PIB. Em 2014, chegará a 70%.
Fonte: Correio Braziliense - DF