Junto com vizinhos, engenheiro agrônomo ergue casa sustentável
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
Na casa, reaproveitam materiais, dispensam tijolos tradicionais e pedreiros profissionais
22 de fevereiro de 2013 - Qualquer um pode construir a sua própria casa. Para comprovar, Ângelo Negri apresenta a sua, com 120 metros quadrados (m²) e batizada de Toca do Tatu. A parede não leva tijolos e sim sacos de ráfia recheados de terra compactada com um pilão. Repetindo o processo, empilhando os sacos, a divisória fica na altura necessária. A técnica não é nova. Ela é conhecida como superadobe. O reboco é natural, feito de terra, cal, areia e estrume bovino. As tintas são criadas com cal, óxido de ferro, argila, quartzo e mica. O telhado é de grama, o que confere à moradia uma redução do calor em dias quentes e retenção dele nos dias frios, além de evitar as periódicas manutenções por conta dos ventos fortes que costumam soprar na Ecovila Clareando, em Piracaia, em São Paulo.
— Nossa casa foi produto de muito estudo prévio e de pesquisas feitas em institutos de bioconstrução espalhados pelo Brasil, mas, em nenhum momento, nós tivemos a presença de pedreiro profissional, eletricista ou encanador. Nós reunimos as habilidades do grupo e dividimos as tarefas — conta Negri, que também usa o termo autoconstrução. — A casa pode também ser enquadrada na condição de autoconstrução, pois, desde os primeiros esboços do projeto até a colocação do tapete, fiz questão de executar tudo.
Engenheiro agrônomo, especializado em Café Orgânico em Agronegócios, o bioconstrutor Negri já comemora o recente prêmio Planeta Casa. Ele venceu na categoria Projeto Arquitetônico. O prêmio foi dado no final do ano passado. Sem falsa modéstia, Negri acredita que outros ainda estão por vir, uma vez que este foi o primeiro trabalho inscrito em concursos:
— Entendo como bioconstrução todo o conceito que depositamos para obtenção deste resultado: uma habitação que não gerou resíduos, sem desperdícios com material.
Base da casa, a terra veio da terraplenagem de outra obra. No total, foram usados 4,5 mil sacos de terra. A terraplanagem começou em 27 de junho de 2011. A conclusão, em 12 de maio de 2012. Todo o planejamento foi realizado dentro dos conceitos de ecoeficiência. O objetivo é valorizar a luminosidade natural, garantir o conforto térmico e acústico, além de contar com um sistema eficiente de recuperação de águas de chuva. Sem sacrificar a privacidade e o bem-estar dos moradores.
— Casas construídas com terra promovem uma troca térmica mais eficiente do que as convencionais. Em comparação com uma feita de blocos, fica evidente como a temperatura interna tende a se igualar com a externa muito mais rapidamente, enquanto que, em nossa casa, não se utiliza ventilador mesmo nos dias mais quentes do ano — garante Negri. — O conforto acústico também é outra vantagem. Se fecharmos a casa, podemos nos concentrar em uma leitura ou ouvir música sem interferência externa.
O preço de uma casa diferente da convencional pode ser mais baixo. O que faz variar o cálculo é a disponibilidade de material próximo ao terreno. Além disso, mutirões podem evitar a contratação de pedreiros. Lançar mão do reaproveitamento, de matéria-prima a utensílios de decoração, gera economia. Negri e seu grupo oferecem cursos abertos. A programação está disponível no Facebook da Ecovila Clareando.
— Uma casa de baixo custo pode ser executada nesta técnica tranquilamente desde que o material esteja disponível, a mão de obra seja em esquema de mutirão e a opção pelo reaproveitamento de materiais esteja aberta. A Toca do Tatu custou menos do que uma casa convencional da mesma metragem na cidade, porém o meu objetivo, depois de ter construído outras estruturas e ter adquirido um certo conhecimento da técnica, foi construir a casa equilibrada. Sem exageros espartanos e sem futilidades — conclui Negri.
Este tipo de construção, baseada em materiais alternativos, ainda não é regra, salienta o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) do Rio, Sydnei Menezes. Falta escala para atender o mercado tradicional.
— Hoje, este tipo de construção ainda é um caso isolado. Há um problema sério de fornecimento de certos materiais em escala comercial, que atenda ao mercado da construção civil. Este, na verdade, é o grande problema da questão ligada à sustentabilidade — afirma Menezes. — Além disso, a tecnologia já criou outras possibilidades de tijolos, que não precisam passar pelas olarias. Mas isto ainda não ganhou escala de produção. E os preços de mercado tornam inviáveis produtos melhores ambientalmente.
Por outro lado, o presidente do CAU destaca a importância de um bom projeto para garantir mais eficiência energética de uma unidade, seja ela feita de tijolos ou de terra.
— Algumas pessoas falam em arquitetura sustentável, mas a sustentabilidade já deve estar inserida na arquitetura. Três princípios básicos da arquitetura são insolação, ventilação natural e iluminação. Então, quando você aponta um prédio ou uma edificação que não é sustentável, não está expressando de fato a arquitetura — defende Menezes. — Acho que temos que garantir os bons projetos de arquitetura, ventilação cruzada, iluminação etc. E evitar o que o mercado introduziu, como a ventilação mecânica em banheiros.
Fonte: O Globo