PPP de habitação propõe reocupação mista do centro de SP
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
Região abriga galpões, antigas fábricas abandonadas, terrenos baldios e prédios sem ocupação que, agora, devem se transformar em condomínios
05 de abril de 2013 - Ipiranga com São João. Marco da cidade de São Paulo, o entorno do cruzamento das avenidas que se tornaram o símbolo da pujança da cidade nas décadas de 60 e 70 - e inspiraram "Sampa", uma das mais famosas canções sobre a capital paulista -, deu lugar hoje a um cenário de degradação e imóveis considerados subaproveitados.
A área é um dos alvos de uma Parceria Público-Privada (PPP) para a construção de 20,2 mil unidades habitacionais. O projeto do governo do Estado de São Paulo, em parceria com a prefeitura paulistana, é uma tentativa de trazer novos moradores para o centro da cidade, que perdeu quase 100 mil habitantes nos últimos 30 anos.
Além da migração, a região abriga galpões, antigas fábricas abandonadas, terrenos baldios e prédios sem ocupação que, agora, devem se transformar em condomínios que abrigarão, no mesmo espaço, comércio e residências para pessoas de baixa e média renda. A reocupação do centro está baseada em um modelo de "ocupação mista". Além de misturar comércio e residências no mesmo prédio, famílias com renda até três salários mínimos, e outras com até 16 mínimos de renda familiar, partilharão o mesmo condomínio.
A ação é pioneira e terá o desafio de viabilizar a primeira PPP habitacional do país, em uma região que recebeu, nos últimos dez anos, apenas 7 mil moradias construídas pelo poder público. Coordenado pela Casa Paulista, agência de fomento de habitação social do Estado, o projeto custará R$ 4,6 bilhões, sendo R$ 2,6 bilhões da iniciativa privada, R$ 1,6 bilhão do governo do Estado e R$ 404 milhões da prefeitura de São Paulo.
A intenção, segundo o secretário estadual de Habitação, Silvio Torres, é induzir a ocupação do centro e fazer com que outras empresas invistam no entorno dos imóveis que serão construídos ou reformados. "Em breve o centro terá novos moradores. Estamos incentivando a construção para a baixa renda, já que outras faixas conseguem ter acesso à região", diz o secretário.
A subprefeitura da Sé concentra 17% dos empregos de São Paulo e apenas 3% dos moradores da cidade, o que justifica a "necessidade de ocupação" da região, diz Torres. A maior parte das intervenções será feita ao longo de linhas de trem existentes na região e de grandes avenidas centrais, que, no passado abrigaram fábricas. Desativadas, deixaram espaços vazios ou subutilizados.
A administração municipal pegou "carona" na PPP habitacional após o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), abandonar o projeto Nova Luz, elaborado pelo ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD), que previa intervenção na região de Santa Ifigênia por meio de concessão de espaços para empresas.
O quadrilátero que seria atendido pelo Nova Luz não fazia parte dos estudos pedidos pelo governo do Estado para a PPP da habitação, já que seriam atendidos pelo projeto da prefeitura. A alteração deve vir no período de consulta pública, quando a nova administração municipal pedirá a inclusão da área, segundo o subsecretário da Casa Paulista, Reinaldo Iapequino.
A partir da publicação do edital do projeto, previsto para as próximas semanas, o processo de desapropriação dos imóveis já deve ser adiantado pelo governo do Estado para tentar acelerar a construção das novas moradias.
Dessa forma, em outubro, quando está prevista a assinatura do contrato com a empresa vencedora, algumas obras já poderão ser iniciadas. Segundo o projeto, os imóveis devem ser finalizados entre dois e seis anos. Cerca de 95% dos empreendimentos serão construídos em Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), definidas no Plano Diretor de São Paulo elaborado em 2002.
Hoje, a PPP habitacional será discutida no Arq.Futuro, fórum sobre arquitetura e urbanismo, com a presença do prefeito de São Paulo e do governador Geraldo Alckmin (PSDB). "Esse projeto será um marco no desenvolvimento da capital paulista, um grande passo na construção de uma cidade múltipla, democrática e inclusiva, e um modelo a ser adaptado e replicado no país", afirma Marisa Moreira Salles, proprietária da editora BEI, que organiza o evento.
Das 20,2 mil unidades previstas, 12,5 mil serão destinadas para quem tem renda familiar bruta mensal de até seis salários mínimos (R$ 4.068), Desse total, 2 mil unidades serão direcionadas para pessoas atendidas por entidades com atuação no centro e já cadastradas. O valor da prestação nesse caso deve variar de R$ 151 a R$ 302. As demais unidades serão para famílias com renda até 16 salários mínimos (R$ 10,8 mil).
"A prioridade será dada a pessoas que trabalham no centro e moram em outras regiões. Estamos seguindo a política do plano diretor, de investir em moradias onde já há equipamentos urbanos", afirma Torres. Mesmo com o terreno mais caro, o investimento em habitação no centro sai três vezes mais barato que em regiões periféricas, já que o desembolso para construir novos equipamentos públicos são bem menores.
Para o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Fernando de Mello Franco, o principal motor de desenvolvimento do centro passa por um programa de "repovoamento" da região, uma vez que a tentativa de fazê-lo pela criação de "âncoras culturais", como a Sala São Paulo, Pinacoteca e Museu da Língua Portuguesa, não foram eficientes para mudar o entorno. "O principal elemento de segurança, não é a câmera, nem a polícia, é o ambiente urbano. Para isso, queremos incentivar o repovoamento do centro", disse o secretário. "A PPP é pouco para a metrópole, mas muito para a história de habitação de interesse social. O modelo será testado, e se der certo há possibilidade de ampliá-lo."
O estudo de PPP escolhido foi o do Instituto Urbem. "É uma equação nova, com mix de renda no residencial, além do uso comercial, característico do centro", explica o arquiteto José Armênio Brito Cruz, que participou da equipe que elaborou o projeto. Segundo ele, o modelo atende à demanda de pessoas querendo morar no centro, e à necessidade de ocupação de terrenos subaproveitados. "Traz de volta pessoas para o centro. Essa nova população vai provocar mudanças, melhorias nos equipamentos públicos e reativação do comércio", afirma Cruz.
Para João Sette Whitaker, professor de arquitetura da USP e do Mackenzie, a PPP é "mais bem-intencionada " do que o Nova Luz, mas está sujeita à valorização das áreas. "O projeto mexe com questão fundiária, está sujeito à dinâmica de altas no mercado", diz, citando um dos possíveis empecilhos para a execução da proposta.
Sette diz que a recuperação da área central se dá por uma equação que garanta uso comercial e residencial para faixa de renda média. "Isso nunca foi feito de maneira prioritária pelo poder público", afirma. Segundo o professor, a proposta ainda atende número limitado de pessoas de baixa renda. "A política tem que ser a mais democratizante possível e deve incluir população de mais baixa renda", diz. Dos 20 mil imóveis, cerca de 3,2 mil serão destinados a pessoas que ganham até três mínimos, além das 2 mil ligadas a entidades assistenciais. "É muito pouco, já que 40% da população de São Paulo está nessa faixa", diz.
O conceito de comércio no térreo e uso residencial nos andares superiores também é considerado ideal para a região por Claudio Bernardes, presidente do Secovi-SP. "Minha preocupação é usar o centro para resolver moradia de baixa renda. A revitalização da região deve ocorrer com espectro amplo, com diversas características, rendas e inclusão do lazer", diz o executivo.
O presidente do Secovi afirma ainda que as diferentes faixas de renda têm nível de aproximação pequena. "É difícil misturar faixa salarial de até três salários mínimos com o de mais alto padrão no mesmo condomínio. As pessoas com renda mais baixa não conseguem pagar por aquilo que os de renda mais alta querem."
Franco, o secretário de Desenvolvimento Urbano, cita o Copan, prédio construído na década de 50, localizado no centro e projetado por Oscar Niemeyer, que conta com 5 mil moradores e 1.160 apartamentos, com dimensões que vão de 26 metros quadrados até 219 metros quadrados. "Promover esse mix social é positivo", diz.
Retorno virá da venda e administração dos imóveis
O vencedor da licitação da Parceria Público-Privada (PPP) para a oferta de 20,2 mil unidades habitacionais no centro de São Paulo será a empresa que apresentar o menor volume de contraprestação para o investimento do Estado no projeto. A PPP prevê a divisão das unidades em seis áreas (cujos endereços ainda não foram revelados) do centro paulistano, e custará R$ 4,6 bilhões, sendo R$ 2,6 bilhões do setor privado, R$ 1,6 bilhão do governo do Estado e R$ 404 milhões da prefeitura.
O investidor privado que assumir a PPP habitacional será remunerado pela comercialização e administração dos empreendimentos, o que deverá ser feito ao longo dos 20 anos da parceria, para evitar a degradação dos imóveis. A taxa de condomínio paga pelos imóveis comerciais será usada para subsidiar, em parte, o pagamento do condomínio dos moradores de baixa renda, que não poderá passar de R$ 100, segundo o subsecretário da Casa Paulista, Reinaldo Iapequino.
O vencedor da licitação também será responsável pelo financiamento aos compradores. Pelo modelo proposto, as empresas poderão buscar R$ 184 milhões de financiamentos do governo federal, por meio do programa Minha Casa, Minha Vida, ou do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Além de moradias e do comércio, as unidades deverão contar com espaços públicos, como creches e escolas. O edital vai dividir o projeto em três lotes e as empresas ou consórcios poderão apresentar propostas para cada um deles, ou para os três. "Se houver falta de demanda, reavaliamos os critérios do projeto", diz Reinaldo Iapequino, da Casa Paulista.
O custo de construção de um apartamento de dois dormitórios chega a R$ 127 mil, mas o valor da venda será definido pela empresa vencedora. O Estado assumirá os maiores riscos do projeto, como decisões judiciais ou manifestações populares que impeçam a utilização de algumas áreas. "Nesses casos, faremos a mudança do local a ser construído", diz Iapequino. A concessionária assume o risco de demanda e engenharia da proposta.
Apesar de ousada, a iniciativa deve devolver no máximo 80 mil habitantes ao centro. O estudo inicial apontava a possibilidade de construir 40 mil unidades, mas o governo paulista optou por fazer 20,2 mil e apostar que os novos moradores vão atrair outros investimentos privados.
Para Luiz Paulo Pompeia, diretor da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp), as construtoras de médio e grande porte dificilmente participarão do projeto, já que não costumam atuar no mercado de baixa renda. "Os custos são muitos altos. Quem trabalha com esse público são pequenas empresas, com estrutura enxuta", diz.
Pompeia lembra também que os bairros do centro possuem características diferentes. "A Bela Vista tem recebido número expressivo de lançamentos, que revelaram uma demanda que não tinha sido descoberta pelas empresas. A Barra Funda possui antigos imóveis industriais, que podem se transformar em imóveis. Os preços baixos do Brás são oportunidade para o setor imobiliário", diz Pompeia.
Para o diretor da Embraesp, os entraves estão na Luz, que tem grande número de imóveis tombados, com limitação de ocupação, e foi alvo do projeto frustrado da prefeitura. Já Liberdade e Bom Retiro têm perfil majoritariamente comercial, mas têm espaço para imóveis residenciais.
Alessandro Vedrossi, diretor-executivo da Brookfield Incorporações em São Paulo, afirma que a empresa "vê com bons olhos" o incentivo a moradias populares na região. "Terrenos do centro já estão caros para empresas fazerem habitação popular e o Estado não consegue fazer isso sozinho. Se houver essa parceria, a conta consegue fechar", diz.
A empresa, no entanto, ainda avalia como os incentivos e contrapartidas do poder público serão colocados. Vedrossi afirma que a Taxa Interna de Retorno (TIR) do projeto, que deve ficar próxima dos 9,5%, é considerada baixa pelo setor imobiliário. "Os empreendimentos costumam ter TIR de 15% a 20%. O governo pode dar viabilidade ainda, devido às possibilidades de financiamento", afirma.
Uma região agitada, "com tudo" e agora cara
Oferta de emprego e serviços, vida noturna agitada, rede de transporte público eficiente e movimento constante são algumas das características da região central de São Paulo que atraíram e depois expulsaram o sociólogo Guilherme Nafalski, 31 anos. "Tudo que parecia legal foi cansando. O centro é muito, é muita coisa ao mesmo tempo", diz.
O sociólogo foi morar na Santa Cecília em 2006, logo depois de terminar a faculdade e se casar, mas o que era atração começou a virar incômodo. "Passei a perceber o movimento como barulho", diz Nafalski, que mudou em 2011 para o bairro da Pompeia, na região oeste. "Minha esposa e eu queríamos ter um filho. Aqui tem tranquilidade. Hoje tenho hábito de passear com meu filho, enquanto na Santa Cecília a rua não era atrativa para crianças", compara.
Nos últimos dez anos, segundo dados da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp), os imóveis de dois dormitórios da região central se valorizaram 105%, alta superior à média da cidade, de 80% no período. O preço dos imóveis na região também fez com que moradores tradicionais deixassem o centro.
O radialista Marcos Lauro, 32 anos, sempre morou em Santa Cecília, mas está trocando a quitinete de 39 metros quadrados por um apartamento de 50 metros quadrados e dois quartos na Vila Carrão, zona leste. "Passei dois meses procurando na região central, mas não tinha nada que eu pudesse pagar. Os apartamentos baratos eram muito mal conservados e precisavam de uma boa reforma", diz ele, que conseguiu comprar o apartamento por R$ 20 mil a mais do que o valor pelo qual vendeu o imóvel no centro. "Queria mais espaço e quartos separados. Vou continuar morando perto do metrô e vou gastar apenas 20 minutos a mais para chegar no trabalho."
Para o cenógrafo André Cañada, 52 anos, que mudou há um ano da Vila Mariana, na região sul, para o Campos Elíseos, no centro, ainda falta que o poder público cumpra obrigações básicas na região, como garantir limpeza das ruas, iluminação pública e segurança. "É isso que valoriza o bairro. Há regiões em que é impossível andar", diz ele, que comprou seu primeiro imóvel em um prédio antigo e realizou uma reforma total no apartamento. "Morava de aluguel. Só foi possível comprar porque o apartamento estava muito acabado e reformei tudo. Mesmo com os problemas, há uma supervalorização da região", afirma.
Fonte: Valor Econômico