Procura alta revela insuficiência de planos habitacionais
Até o momento, os programas locais têm mostrado pouco fôlego para combater o déficit de moradias
18 de junho de 2009 - Maria Espírito Santo de Oliveira, 48 anos, mora com o marido e o filho de 17 anos no centro da capital paulista, próximo ao viaduto Santa Ifigênia. Cartão postal da cidade, o viaduto divide a cena com residências antigas e em péssimo estado de conservação.
O aluguel de um apartamento de dois quartos custa R$ 600, e é o que, com muito esforço, cabe no orçamento de R$ 1 mil de Maria, já comprometido com gastos da família com gás, luz, telefone, internet e supermercado. Maria é vendedora de cosméticos, maranhense, residente em São Paulo há 30 anos e integrante do déficit habitacional brasileiro por custo excessivo do aluguel em proporção a sua renda.
Na semana passada ela foi à sede da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab-SP) para se cadastrar, pois ouviu que haverá novas ofertas de casas populares.
"Quero uma casa própria, o dinheiro do aluguel pesa muito, é um dinheiro grande jogado fora", diz ela. O atendente avisou que não há previsão para o sorteio para novas moradias.
Da mesma forma, é difícil prever quando haverá uma redução significativa do déficit habitacional no país, estimado hoje em 7,6 milhões de moradias. Ele engloba locais cujo aluguel compromete mais que 30% da renda do morador, residências precárias, casas onde moram mais de uma família e a habitação em locais construídos para fins não-residenciais.
Assim como Maria, um grande volume de pessoas bateu às portas das prefeituras na esperança de obter uma das 1 milhão de casas prometidas pelo anúncio do plano “Minha Casa, Minha Vida” no começo de abril.
Só nas capitais de São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro já apareceram cerca de 353,5 mil novos interessados. A oferta, porém, ainda está longe de atender à procura.
Apesar do plano federal não especificar quanto será investido em cada cidade, essas três capitais estimam que cerca de 163 mil unidades habitacionais serão construídas em seus territórios pelo programa, menos da metade do número de interessados.
De acordo a presidente da Caixa Econômica Federal, Maria Fernanda Ramos Coelho, já foram contratados, dentro do programa, seis mil unidades. Ainda segundo ela, a Caixa já recebeu 400 projetos para o programa, que totalizam 73 mil unidades. Esses projetos estão em fase de análise.
Margareth Uemura, arquiteta urbanista do Instituto Polis, diz que a demanda não era desconhecida pelas administrações públicas, mas a falta de oferta de recursos para o setor deixava as pessoas em casa. "O maior desafio das prefeituras agora é o de conseguir administrar essa demanda reprimida, para saber o que é prioridade atender. Os recursos federais do “Minha Casa, Minha Vid”a uma hora vão acabar, mas a fila por moradias não", diz.
O aumento de recursos para a área evidencia a necessidade das administrações locais estruturarem bem não só o seu cadastro, mas seu planejamento territorial, que indique os locais que podem receber o investimento.
Até o momento, os programas locais têm mostrado pouco fôlego para combater o déficit de moradias. A cidade do Rio, onde o déficit é de 300 mil unidades habitacionais, não contava com um programa focado na construção de casas para famílias com renda até três salários mínimos.
A prefeitura de São Paulo construiu, em três anos, 8,5 mil moradias, e tem mais 14, 6 mil em andamento. Os projetos beneficiam 80 mil pessoas, mas há uma lista de mais 700 mil à espera de novas casas no cadastro da Cohab-SP. Belo Horizonte possui 8,5 mil casas sendo construídas e um déficit de 50 mil.
Nos Estados, os projetos de habitação popular são mais robustos, mas mesmo assim não conseguem enxergar o fim do déficit. O governo paulista está construindo 66,4 mil casas e deve iniciar a construção de mais 28 mil até o fim de 2010.
O déficit estimado no Estado, porém, é de 1,478 milhão de moradias. No Rio, 36 empreendimentos em andamento devem beneficiar 18.249 famílias, e o governo tem intenção de construir mais 25 mil casas na sua gestão, mas o déficit fluminense é de 608,8 mil casas.
Em Minas, a situação não é diferente. A meta é de construir 30 mil moradias até o fim de 2010 - já foram entregues 17,5 mil -, frente a um déficit de 721 mil.
O forte aumento de pessoas inscritas em cadastros para habitação popular chamou atenção para o tema ao dar cara aos números do déficit habitacional. Os recursos federais, por sua vez, acabaram impulsionando nas administrações locais esforços para viabilizar empreendimentos. "Desde o fim do BNH a questão da moradia não é priorizada no país. Isso bota o tema de novo nas prioridades", diz Leonardo Picciani, secretário de Habitação do Rio.
O Rio foi o primeiro Estado a doar terrenos para o Fundo Nacional do programa “Minha Casa, Minha Vida”. São cinco áreas na Zona Norte da capital com capacidade para receber cerca de mil unidades.
Segundo o secretário, também está sendo estudada pela Fazenda do Estado a possibilidade de desonerar do ICMS a cadeia produtiva da construção. O Estado deve receber 100 mil casas do programa.
O Estado de São Paulo apresentou seis projetos pilotos da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) à Caixa para verificar se eles estão adaptados aos padrões do programa federal. Em todos os casos já há terrenos regularizado, que, segundo o secretário de Habitação paulista, Lair Krähenbühl, poderão ser doados ao fundo do programa caso os projetos sejam viáveis. Os empreendimentos, por sua vez, poderiam ser licitados pela Caixa às construtoras. "Como os projetos da CDHU são maiores que o anunciado pelo Minha Casa, Minha Vida, a Caixa tem que fazer o cálculo de custo da construção para ver se eles podem integrar o programa", diz ele. O programa federal prevê a construção de 183,9 mil unidades habitacionais no Estado.
Krähenbühl não quer falar em números para não frustrar expectativas caso os projetos não sejam enquadrados. "O preço estabelecido pela União, de R$ 52 mil para apartamentos em regiões metropolitanas, é muito baixo para São Paulo", diz.
Segundo ele, a habitação popular na região metropolitana de São Paulo tem um custo estimado em ao menos R$ 58 mil, sem contar o custo do terreno.
Minas, uma exceção entre os Estados, ainda não assinou o termo de adesão ao programa. Segundo o presidente da Cohab-MG, Teodoro Alves Lamounier, o Estado apresentou à Caixa uma proposta para a Cohab mineira atuar no gerenciamento da construção e na administração do crédito e aguarda uma resposta.
"Queremos entrar como um agente organizador desse processo para os municípios", diz Lamounier. O programa federal prevê construir 88 mil casas em Minas, sendo 35 mil para famílias com renda de até três salários mínimos.
O presidente da Cohab diz que, caso a autarquia seja contemplada com recursos do programa, ela tem capacidade de construir 10 mil casas para essa faixa.
Fonte: Valor Econômico