Quando a venda abre o processo de revitalização
A busca do lucro não é contraditória à preservação de patrimônios históricos e pode ser extremamente benéfica
Até julho, outro casarão que pertenceu à aristocracia paulistana do início do século passado estava prestes a ser demolido. Remanescente do neocolonialismo, estilo arquitetônico raro na cidade, o palacete da família Junqueira, construído em 1926 na Rua Cardoso de Almeida, em Perdizes, daria lugar a um novo centro comercial. Tesouros da história da capital seriam destruídos, como os recém-descobertos painéis de azulejos do ceramista José Wasth Rodrigues - criador do brasão do Estado de São Paulo -, que ficam numa das entradas laterais e nunca foram mostrados ao público. A demolição, prevista para novembro, reduziria história a entulho.
Os 25 cômodos do palacete foram salvos por dois fatos: um pedido de tombamento aberto às pressas pelo Departamento de Patrimônio Histórico (DPH), da Secretaria da Cultura; e a mudança de planos dos novos proprietários, a Sucre Participações, dona também da rede de padarias Dona Deola. Após investir cerca de R$ 6 milhões no terreno de 1.400 m², o grupo pediu relatório técnico que demonstrasse inexistência de valor histórico, para que pudesse realizar a demolição.
O que se encontrou, porém, levou os novos proprietários a perceberem que mais valioso do que a terra comprada era o que fora construído nela. "Terrenos de 1.400 m² em Perdizes há muitos, mas um terreno assim, onde há um palacete do início do século, restam poucos na cidade", afirma o arquiteto Cleiton Honório de Paula, responsável pelo projeto de restauro e reestruturação do casarão. "O valor ali não era do terreno comprado, mas do patrimônio histórico, transformado em capital. A busca do lucro não é contraditória à preservação e pode ser extremamente benéfica. É uma saída legítima para a manutenção dos bens históricos."
Agora, todo o novo projeto leva em consideração o patrimônio histórico - será um centro gastronômico de quatro andares, construído em harmonia com o casarão, cuja identidade visual, estratégia de marketing e o próprio nome (ainda secreto) relembrarão a história.
Centro
A memória da cidade também teve papel decisivo para os sócios João Cury e Cláudia Cordeiro, na hora de decidir o local para abrir um empreendimento, o bar Drops. Depois de rodar o centro a pé por seis meses, encontraram na Rua dos Ingleses num palacete florentino da década de 30, com fachada tombada pelo Conpresp: o lugar ideal. "A casa estava em processo total de deterioração, com a fachada pintada de bege, caindo aos pedaços", afirma João.
A reforma saiu após três meses de pesquisas sobre a história da arquitetura florentina e a maneira como o estilo havia sido aplicado no Brasil - os novos locatários recuperaram três vitrais antigos, em janelas nos fundos e laterais, e o iluminaram com luzes indiretas de baixo para cima. "Não vimos necessidade de fazer decoração atual, apenas mantivemos o que era. Vamos valorizar o passado, porque, do presente, já temos as pessoas que frequentam."
O zelo pela história, até aqui, se refletiu também em números - em setembro, mês de abertura, cerca de 2 mil pessoas foram ao Drops. Em novembro, na última contagem, o público chegou a 4 mil. "A vocação de um lugar assim não pode ser aprisionada somente em comércio, puro e simples."
Fonte: O Estado de S. Paulo - Vitor Hugo Brandalise e Rodrigo Brancatelli