O que é madeira engenheirada?
Material de uso estrutural, aplicado em pilares, vigas e painéis, é composto por peças selecionadas e pré-fabricadas, que possuem propriedades mecânicas superiores às da madeira maciça
O uso da madeira na construção civil brasileira é tradicional nos estados do Sul do país, mas ainda encontra algumas barreiras culturais e de conhecimento técnico em boa parte do nosso território.
Há também, em algumas localidades, restrições do Corpo de Bombeiros e códigos de construção que acabam, direta ou indiretamente, inibindo o uso do material, tão comum em locais como o Canadá e os Estados Unidos, por exemplo.
Tal realidade, entretanto, vem se alterando ao longo dos anos, com a chegada de novas empresas e fornecedores especializados. A busca por alternativas sustentáveis de construção, a maior eficiência no uso e manejo de recursos florestais e a melhoria no desempenho também tem estimulado o uso da madeira engenheirada.
Mas o que é, afinal, esse material e quais são as principais aplicações na construção civil? Preocupações com a biodeterioração e os incêndios ainda fazem sentido do ponto de vista técnico?
Para falar sobre madeira engenheirada, suas características e aplicações, convidamos para o Podcast AEC Responde o pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), Cassiano Oliveira de Souza.
Ouça o áudio e/ou leia entrevista, a seguir:
AECweb – O que é madeira engenheirada e quais são as principais aplicações na construção civil?
Cassiano Oliveira de Souza – Trata-se de uma madeira estrutural, composta por peças selecionadas que passam por processos de engenharia, são pré-fabricadas e acabam formando um novo produto para um uso específico, com características superiores às da madeira maciça. Pode superar as dimensões, tais como largura, espessura e comprimento mas, principalmente, as propriedades mecânicas, devido à seleção do material, algo que envolve a limitação no tamanho de nós, trincas e rachaduras presentes nas peças de madeira maciça. Os produtos formados com esse novo material são pilares, vigas – inclusive curvas, dependendo da necessidade da arquitetura e da construção – e painéis estruturais. Os produtos mais conhecidos de madeira engenheirada são a madeira lamelada colada (MLC) e a madeira lamelada colada cruzada (MLCC).
Trata-se de um pré-fabricado, que reduz a geração de resíduos. Além disso, ao utilizarmos a madeira na construção, o carbono absorvido pelas árvores durante o processo de crescimento permanece armazenado no material, contribuindo para a redução das emissões de gases de efeito estufaCassiano Oliveira de Souza
AECweb – Qual é a diferença entre MLC e MLCC? Há usos distintos desses materiais?
Souza – Sim. A madeira lamelada colada, conhecida em inglês como glue laminated timber ou glulam, é formada por lamelas coladas umas às outras, geralmente dispostas com as fibras paralelas ao eixo longitudinal da peça. O adesivo utilizado vai depender do uso final do MLC mas, em geral, é feito à base de formaldeído. As espessuras das lamelas apresentam dimensões relativamente reduzidas se comparadas às da peça final. Há um outro produto similar: o LVL (laminated veneer lumber), conhecido aqui no Brasil como madeira microlaminada. É formado por lâminas orientadas da mesma forma que o MLC mas, nesse caso, a espessura é muito menor. O MLC é utilizado para a produção de pilares e vigas. Já o MLCC, a madeira laminada cruzada colada – em inglês, CLT (cross laminated timber) – é composto por lamelas de madeira maciça que formam camadas cruzadas ortogonalmente entre si. São camadas perpendiculares, o que confere alta resistência ao material. O MLCC é utilizado para a produção de painéis estruturais e são empregados em lajes, paredes ou telhados. São fabricados e usinados em CNC (máquinas de controle numérico computadorizado) para abertura das portas, janelas e dutos, com altíssima precisão, e já vão prontos para o canteiro de obras. Apresentam uso potencial para edifícios altos. Já temos hoje prédios de 80 a 85 metros. E todos esses produtos trazem benefícios de qualidade em relação à madeira serrada, devido à seleção do material. Vale destacar também a leveza, que facilita o transporte, manuseio e a execução, com menor necessidade de mão de obra. Trata-se de um pré-fabricado, que reduz a geração de resíduos. Além disso, ao utilizarmos a madeira na construção, o carbono absorvido pelas árvores durante o processo de crescimento permanece armazenado no material, contribuindo para a redução das emissões de gases de efeito estufa.
AECweb – Trata-se de material que já nasce com a característica da construção industrializada, modular...
Souza – Sem dúvida. Por ser um material colado, é possível definir o tamanho da estrutura que se deseja construir. E tem a vantagem de poder transportar painéis prontos para o canteiro de obras com as dimensões maiores do que seria possível com a madeira serrada. A colagem permite atender o tamanho necessário para cada projeto.
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AECweb – A biodeterioração e os incêndios costumam ser as maiores preocupações dos profissionais do setor quando se fala no uso da madeira. Esses pontos estão resolvidos tecnicamente?
Souza – Tecnicamente, as soluções para a biodeterioração, a prevenção e o combate aos incêndios existem. Mas, no caso da madeira engenheirada, não se pode esquecer desses pontos em nenhum momento. No projeto, é muito importante levar em consideração essas questões, como a biodeterioração, que consiste na presença de organismos xilófagos, tais como cupins e brocas. Para isso, existe o tratamento químico da madeira, com base na norma técnica ABNT NBR 16143, que trata do tema e indica as concentrações necessárias de produto preservativo, considerando o uso do material e as boas práticas de projeto e construção. No caso de fungos, que são responsáveis pelo apodrecimento, temos que retirar a madeira do contato com a água. Porque é aí que ocorre o apodrecimento. Se você retirar o contato da água com a madeira, resolve o problema. Em relação aos incêndios, a madeira é um material suscetível ao fogo. Deve-se tomar, então, todos os cuidados para evitá-lo. Hoje, existe a possibilidade de aplicação de produtos retardantes de chamas. Nos locais ou instalações onde a madeira não é exposta, deve ser realizada a proteção com o uso de isolante térmico, para não permitir que o fogo chegue à madeira. É possível usar placas de gesso ou mantas. O ideal é realizar também a compartimentalização da estrutura porque, caso você tenha presença de fogo, o incêndio fica localizado e não se espalha por toda a edificação. E não se esquecer das caixas de energia. O produto vai para a obra já com as aberturas para a passagem de conduítes. Esses pontos têm que ficar protegidos também, caso contrário, serão um ponto de acesso do fogo à madeira. Outra preocupação é evitar a exposição de metal na estrutura, visto que, com o aumento da temperatura, a tendência do metal é escoar. Por isso, as ligações da estrutura de madeira devem estar embutidas, para não ficarem expostas. E, por fim, vale mencionar os sistemas de proteção ativa, como os chuveiros automáticos, os detectores e alarmes de incêndio, extintores e todas as demais medidas de combate ao fogo.
O planejamento é a chave para o sucesso dos sistemas que utilizam a madeira engenheirada. Um projeto bem-feito permite o atendimento das necessidades do sistema, reduz a incidência de retrabalho e poupa tempo e custosCassiano Oliveira de Souza
AECweb – Quais são os principais cuidados e pontos de atenção que o contratante de obras, incorporador ou construtor deve tomar ao decidir pelo uso da madeira engenheirada em suas obras?
Souza – O principal ponto é o projeto, que deve prever todos os cuidados necessários para o uso da madeira, pensando, como já mencionamos, na biodeterioração e na questão do fogo. Não podemos esquecer desses pontos, mas isso deve ser pensado desde o início do projeto. Insisto muito nesse ponto porque o planejamento é a chave para o sucesso dos sistemas que utilizam a madeira engenheirada. Um projeto bem-feito permite o atendimento das necessidades do sistema, reduz a incidência de retrabalho e poupa tempo e custos. Durante a execução, o construtor tem que tomar cuidado para seguir estritamente o projeto em todos os detalhes. Por vezes, há algo que não se atenta – falamos das caixas de energia, por exemplo – e que podem gerar problemas. Algo que, muitas vezes, acabam desclassificando um sistema que apresenta diversas vantagens no uso.
AEC Responde
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Colaboração técnica
- Cassiano Oliveira de Souza – Pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT). Bacharel em física pela Universidade de São Paulo (USP) e engenheiro de produção pela Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). Possui experiência em ensaios laboratoriais físicos e mecânicos para caracterização da madeira, na inspeção e avaliação de estruturas de madeira de prédios de valor histórico e em sistemas construtivos em madeira.