O que é a cura do concreto e qual é o risco de dispensá-la?
Procedimento visa manter a hidratação do concreto e diminuir os efeitos da evaporação da água, que pode causar retração e o surgimento de fissuras
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A relevância da cura do concreto costuma, infelizmente, ser subestimada por muitas construtoras e profissionais em todo o Brasil. Mesmo com recomendações expressas de especialistas, há quem ainda despreze o procedimento.
O resultado é evidente por aí: fissuras, trincas, porosidade, erosão e lixiviação, causadas pela perda de resistência e de propriedades físicas dos materiais cimentícios.
Para nos ajudar a entender melhor o assunto, convidamos para participar do podcast AEC Responde o engenheiro civil Augusto Pedreira de Freitas, sócio-diretor da Pedreira Ônix, especializada em projetos estruturais no sistema tradicional, parede de concreto e pré-moldados. Confira a entrevista na íntegra.
AEC Responde – O que é e para que serve a cura do concreto?
Augusto Pedreira de Freitas – Na hora em que lançamos o concreto em uma estrutura, ele não deixa de ser um elemento químico que, ao reagir, acaba liberando calor. Isso faz com que a água, que é essencial para a mistura, acabe evaporando, se perdendo nessa troca com o ambiente. A cura é um processo que visa minimizar essa perda de água. Então, ou acrescento água na mistura ou aplico uma membrana, se optar por uma cura química. Tem que ser algo que evite a perda ou reponha essa água, para manter a propriedade do concreto, para que se tenha a água necessária à reação química.
Costumo brincar que, em casos de fissuras, não preciso nem ir à obra para constatar a origem do problema. Quase a totalidade é causada por retração, que é um fenômeno causado pela ausência da curaEng. Augusto Pedreira de Freitas
AEC Responde – Como deve ser realizado o procedimento? Quais são os cuidados necessários?
Freitas – Existem alguns processos. Um deles é bem trabalhoso, mas exemplifica bem a questão da cura. Já chegamos a fazer, em algumas lajes planas, um cordão de argamassa e uma lâmina d'água. Isso porque, se eu fizer isso em cima da estrutura da laje, não há como a água sair. E posso ir substituindo constantemente, caso se identifique alguma perda. Considero essa cura a melhor de todas. É quase submersa. Em elementos esbeltos, como a argamassa armada, que se executava muito no Brasil, principalmente nos anos 1990 e 2000, nós pegávamos as peças e jogávamos dentro de uma banheira. Isso impedia a perda de água e, portanto, limitava a redução das propriedades do concreto. É essa perda que vai causar a retração. Não sendo possível, existem alguns outros métodos um pouco menos eficientes, mas bastante válidos. Um deles é jogar uma manta de bidim sobre a laje e mantê-la úmida o tempo inteiro. Outro consiste em molhar a laje constantemente, ou seja, encarregar alguém para permanecer no local, repondo a água de tal forma que ela não seque.
AEC Responde – Molhando por quanto tempo?
Freitas – O correto, que consta na nossa norma técnica (NBR 14931 – Execução de Estruturas de Concreto – Procedimento), é até atingir uma resistência específica em torno de 15 MPa. Isso costuma durar um dia, um pouco mais. Sempre que possível, se conseguir manter por três dias, ótimo. O problema é que esse ‘possível’ dificilmente acontece. E, por fim, temos também a cura química, na qual se aplica uma película sobre a superfície do concreto fresco para impedir a evaporação da água. É como aquele filme plástico que utilizamos em alimentos, mas aplicado com um spray. É como se eu envelopasse a estrutura inteira com plástico filme. A cura química é eficiente, mas somente quando é feita logo após a desforma e de uma maneira correta. Deve ser muito bem aplicada para não haver falhas em determinados trechos.
Há sistemas construtivos nos quais temos elementos de concretos maiores e, por consequência, incidência mais elevada de problemas de retração. Mas a cura é importante em qualquer um delesEng. Augusto Pedreira de Freitas
AEC Responde – Qual é o risco que a empresa ou o profissional assume ao dispensar a cura?
Freitas – Atendemos muitas ocorrências de pós-obra. Em nossos projetos, costumamos ir aos canteiros e atender quando há manutenção, inclusive para que isso funcione como um feedback do que pode ser melhorado em nosso trabalho. É por conta dessa atividade que costumamos ser bem chatos com a questão da cura. Costumo brincar que, em casos de fissuras, não preciso nem ir à obra para constatar a origem do problema. Quase a totalidade é causada por retração, que é um fenômeno causado pela ausência da cura. Com a perda de água, o concreto tende a retrair e, como ele possui um tamanho e uma restrição volumétrica, acaba fissurando porque não consegue retrair por igual. Se eu tenho, por exemplo, uma peça pré-moldada que está curando, ganhando resistência ao tempo, essa cura é um pouco menos necessária, porque ao se retrair, a peça simplesmente diminui de tamanho. No caso de uma estrutura moldada no local, ela não consegue diminuir e aí aparece a fissura de retração, seja na laje, na viga, no pilar ou na parede. O que mais verificamos em obras é fissura de retração.
As pessoas também perguntam: Como tratar trincas e fissuras em paredes?
AEC Responde – Há sistemas construtivos em concreto que são mais ou menos suscetíveis aos problemas derivados da ausência da cura?
Freitas – Como mencionei na resposta anterior, sim. Há sistemas construtivos nos quais temos elementos de concretos maiores e, por consequência, incidência mais elevada de problemas de retração. Mas a cura é importante em qualquer um deles. Em uma obra convencional, talvez eu tenha algumas lajes de menor tamanho, onde não seja tão importante. Mas aí tenho um embasamento onde não foi feita a cura, acaba tendo retração e eu vou ter uma garagem que ficará velha com três anos, de tantas fissuras e problemas de infiltração de intempéries. Se eu tenho um sistema que vai usar menos concreto e menos massa com peças isoladas, como é o caso dos pré-moldados, o procedimento é menos importante porque a peça consegue retrair, afinal, não está presa. Por outro lado, a cura em um pré-moldado ajuda bastante no ganho de resistência. Muitas vezes, temos até cura a vapor para acelerar o processo da reação química do concreto e poder desformar mais rápido, permitir que se mexa com a peça mais rápido. Há um sistema que – eu costumo dizer –, se não fizer a cura, é melhor nem adotar: parede de concreto. Afinal, como o próprio nome indica, há muito concreto e restrição de dimensão. Então, se eu não curar as paredes e as lajes, vai fissurar. Isso não significa, entretanto, que se eu optar pelo convencional, não vou ter esse tipo de problema. Cada vez mais, nós temos pilares e paredes maiores. Estamos aumentando a altura dos prédios executados com sistema convencional. Acabei de visitar uma obra, cujo projeto é de nossa autoria, de um prédio com cerca de 40 pavimentos: pilar parede grande e fck elevado. Desformou, não foi feita a cura nos pilares e já está inteiro trincado por retração. Em um concreto de 50 Mpa, o calor de hidratação é muito alto, há perda de água e uma retração violenta. Mesmo no sistema convencional. Ou seja, não dá para abrir mão da cura porque nós já estamos caminhando, no convencional, para projetos com características de parede de concreto.
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Colaboração técnica
- Augusto Pedreira de Freitas – Conselheiro e ex-presidente da ABECE (Associação Brasileira de Engenharia e Consultoria Estrutural) é sócio-diretor da Pedreira Ônix, especializada em projetos estruturais no sistema tradicional, parede de concreto e pré-moldados. Graduado em engenharia civil pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, recebeu do Ibracon (Instituto Brasileiro do Concreto), em 2016, o Prêmio Emílio Baumgart, destinado aos profissionais de destaque na área de engenharia estrutural.