Como projetar e construir para conservar água em edifícios?
Foco na etapa de projeto, validação de produtos e empresas por programas setoriais da qualidade, análise da vida útil, medição individualizada e educação do usuário são essenciais para reduzir o consumo de água e o impacto ambiental das edificações
Construtores e incorporadores costumavam acreditar, há algumas décadas, que investir em tecnologias para conservação e redução do consumo de água agregava pouco valor para o seu negócio. Afinal, se a economia aparece somente durante o uso da edificação, o que a empresa que já entregou o produto final ganharia com isso?
São tempos que ficaram para trás. Exigências da legislação, maior preocupação do cliente com a conta de água, o surgimento das certificações ambientais, a pressão dos bancos e agentes de financiamento e uma dose extra de consciência da sociedade ajudaram a mudar o cenário.
Mas o que dá para ser feito nas obras novas? E nas edificações mais antigas? Quais são as melhores práticas? Para explicar quais são essas tecnologias e como devem ser especificadas, nós convidamos para o Podcast AEC Responde a engenheira civil, mestre e doutora, Vera Hachich, gerente técnica da Tesis Tecnologia de Sistemas de Engenharia.
Ouça o áudio na íntegra e/ou leia entrevista, a seguir.
AECweb – Quais são as principais tecnologias para a redução do consumo de água em edificações?
Vera Hachich – Quando se fala em conservação de água, há duas vertentes: o uso eficiente, que consiste na gestão da demanda; e o aproveitamento de águas não potáveis. Sobre o uso racional, em primeiro lugar, devemos associar a educação do usuário com a tecnologia. Veja o exemplo das caixas de descarga acopladas com duplo acionamento. Há uma regulagem que deve ser feita pelo usuário. Se não for feita, teremos um aparelho que, potencialmente, proporcionaria um gasto de água por descarga de dejetos líquidos de 4,2 litros mas, por falta dessa regulação, não será alcançado. Então, é muito importante que a educação do usuário esteja integrada às novas tecnologias para o uso racional da água. Outro ponto fundamental é a medição individualizada do consumo. Quando há consciência do gasto, o usuário conta com uma primeira ferramenta de controle. Temos dados fartos sobre isso, nos quais a medição individualizada foi estabelecida e, sem nenhuma mudança de equipamento, houve redução significativa. Voltando aos produtos, conseguimos reduzir a descarga média de 15 litros, em 1998, para 4,8 litros hoje em dia. É uma economia substancial, um número comparável com grandes centros mundiais. No caso das torneiras, tivemos a introdução obrigatória de arejadores, que direcionam o fluxo e evitam a dispersão e perda de água durante a operação. É a mesma lógica do aparelho economizador, que fecha a operação depois de um certo volume liberado. É um equipamento que induz a educação do usuário.
AECweb – Qual é a importância de tais tecnologias estarem especificadas desde a fase de projeto?
Hachich – Mesmo quando se trata de reforma, o projeto é mandatório. Você não consegue introduzir tecnologia sem projeto. Se você já pensa nisso nessa fase, especificando as tecnologias disponíveis, há ganhos nessa própria etapa. Você vai definir armazenamentos, forma de distribuição e as medições com base em novas variáveis. O projeto deve nascer junto com as tecnologias para obtermos um melhor resultado. Caso contrário, se o projeto não conversa com a tecnologia, você acaba não tirando proveito dela.
AECweb – Como projetistas, construtores, administradores prediais e consumidores conseguem se assegurar sobre o desempenho e a economia real geradas por tais tecnologias?
Hachich – É possível ter uma medida absolutamente clara quando se trata de um retrofit. Porque havia um padrão de consumo anterior e passa a existir um outro. Fica fácil de medir e comparar. Existem até empresas de projeto e execução dessas tecnologias que são remuneradas com base na economia gerada para o proprietário e/ou usuário da edificação.
AECweb – O mesmo princípio da energia elétrica com os painéis fotovoltaicos.
Hachich – Exatamente. Agora, quando se trata de um edifício novo, a alternativa é comparar dois empreendimentos de perfil parecido para, então, confrontar esses desempenhos.
AECweb – E o reúso de água não potável? Como enxerga essa alternativa?
Hachich – O projeto tem que ser extremamente cauteloso para não permitir, de forma alguma, que a água de reúso tenha qualquer tipo de contato com a potável. É necessário ter um sistema totalmente separado. No caso de qualquer intercâmbio, o risco é enorme. Esse é um ponto relevante no projeto. E a operação também tem que ser técnica. Mesmo numa lavagem de piso de lavagem de garagem, por exemplo, devemos considerar a hipótese de a água estar contaminada. Ou seja, devemos proteger o profissional, o ser humano que está ali lá lavando. Essa água não pode ser operada por qualquer pessoa. Devemos ter dispositivos, cores diferentes dessa tubulação, uma gestão condominial que defina o responsável pela operação, com equipamentos adequados, luva, bota, para evitar o risco de contaminação com uma água que não é potável. Com uma boa gestão, é possível fazer um ótimo uso dessa água. Caso contrário, o risco não compensa.
As pessoas também perguntam:
Como construir uma cisterna?
AECweb – Na sua opinião, qual é a importância das certificações ambientais, selos verdes e programas setoriais para estimular a especificação de tecnologias para a redução do consumo de água?
Hachich – Agregam transparência e segurança para o usuário, com uma informação fidedigna. Infelizmente, há muita propaganda enganosa em relação aos equipamentos que interferem no consumo de água. Mensagens que não refletem o desempenho real daquele produto. É importante que as pessoas saibam que os programas setoriais da qualidade são ferramentas que disponibilizam, de forma pública e gratuita, uma relação daqueles produtos e empresas que atendem aquilo que se propõem. Considerando a norma brasileira, mas também a licença ambiental. A empresa pode estar em conformidade com as normas técnicas, mas joga resíduos de galvanoplastia na rede pública. Temos que enxergar sempre essas coisas. Olhar sempre de uma forma sistêmica. Esta é a função dos programas setoriais da qualidade. Uma outra coisa importante é que além do desempenho, ou seja, além do funcionamento adequado em conformidade à norma, você precisa de uma vida útil adequada. Se houver problemas de corrosão ou relaxação mecânica, por exemplo, será necessária uma substituição do produto. Ora, se houver a troca, você está gerando resíduo sólido para o meio ambiente...
AECweb – E gastando matéria-prima de novo...
Hachich – Exato. Então, é fundamental trabalhar com produtos conformes de empresas qualificadas. E pensar na vida útil desse produto. As certificações ambientais e os selos contribuem para estimular a aplicação adequada das tecnologias que já são aprovadas dentro dos programas setoriais da qualidade. Também analisam a questão do projeto que, como já mencionamos aqui, é a base do uso dessas tecnologias.
AEC Responde
Envie sua dúvida técnica sobre construção, engenharia civil e arquitetura
Colaboração técnica
- Vera Hachich – Graduada em engenharia civil, mestre e doutora pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, foi pesquisadora da Divisão de Engenharia Civil, no Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT). Atuou também na Tero Engenharia e Tecnologia e na Sondotécnica Engenharia de Solos. Hoje é sócia na Tesis Tecnologia de Sistemas em Engenharia e coordenadora do Comitê de Materiais do Conselho Brasileiro da Construção Sustentável (CBCS).