Quais são os cuidados no projeto estrutural em parede de concreto?

É fundamental realizar reuniões para avaliar o projeto arquitetônico durante a fase de concepção. Um checklist inicial ajuda a identificar ajustes necessários, criando um alinhamento entre estrutura, instalações e arquitetura. É importante evitar retrabalhos porque, no sistema de parede de concreto, não é possível abrir cortes ou improvisar posteriormente (Imagem: Forsa Brasil)

O sistema construtivo de parede de concreto começou a mostrar força e escala no Brasil a partir de 2009, com o lançamento do programa Minha Casa Minha Vida. Ganhou mercado no segmento econômico e hoje disputa, tanto técnica quanto economicamente, projetos de segmentos de padrão mais elevado, incluindo edifícios altos.

A NBR 16055 – Parede de concreto moldada no local para a construção de edificações – Requisitos e procedimentos foi revisada em 2022 exatamente para atender às novas demandas de projetistas, construtores, consultores e diferentes profissionais do meio técnico.

Mas quais são os principais cuidados em um projeto estrutural no sistema de parede de concreto? E a compatibilização dos projetos? Sobre patologias, o construtor deve ficar preocupado com a possibilidade de fissuras?

Para falar sobre tais assuntos, convidamos para o Podcast AEC Responde o engenheiro civil e projetista de estruturas, sócio-diretor da Geotest Projetos e Consultoria, Marcelo Rios, que coordenou a revisão da norma NBR 16055.

Ouça o áudio na íntegra e/ou leia entrevista, a seguir.

AECweb – Quais são os principais cuidados em um projeto estrutural em parede de concreto?

Marcelo Rios – Os projetistas habituados a trabalhar com pilares e vigas precisam entender que o sistema de parede de concreto é completamente diferente. Isso inclui o uso de softwares adequados, pois aqueles voltados para estruturas convencionais não são apropriados. O comportamento das paredes de concreto, assim como na alvenaria estrutural, conta com o espraiamento de cargas: não se pode utilizar os softwares de estrutura aporticada sem fazer ajustes na modelagem. Outro cuidado fundamental é perceber que estamos projetando, inicialmente, o equipamento fôrma, que será produzido por uma indústria especializada. A fôrma deve ser projetada de maneira precisa, considerando folgas de portas, janelas e espessuras de revestimento, porque, no sistema de parede de concreto, não há margem para improvisos ou ‘jeitinho’ na obra. Tudo tem que ser muito bem planejado.

AECweb – O senhor teve uma participação importante no processo de revisão da NBR 16055 – Parede de concreto moldada no local para a construção de edificações – Requisitos e Procedimentos. Quais são os principais pontos que o destacaria nesse novo texto?

Rios – Houve grandes avanços. O sistema de parede de concreto deixou de ser associado exclusivamente ao programa Minha Casa Minha Vida e começou a ser usado em projetos de incorporação, incluindo edifícios mais altos localizados em áreas centrais. Isso exigiu melhorias no padrão de qualidade e superação de antigas limitações. A norma agora detalha responsabilidades do projetista estrutural e do tecnologista de concreto, algo que antes não era claro. Incluímos definições mais precisas para o conceito de edifício simplificado e o uso de fibras no concreto. As microfibras, por exemplo, agora têm especificações claras sobre diâmetro, comprimento e quantidade para controle da retração inicial. Também flexibilizamos regras, como a exigência de tela dupla exclusivamente para paredes acima de 18 cm – antes era 15 cm –, o que aumenta a produtividade de execução em edifícios mais altos. Outro ponto importante foi a inclusão da Análise Técnica de Projeto (ATP), obrigatória apenas para edifícios não simplificados.

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Como tratar trincas e fissuras em paredes?

AECweb – Quais são as principais considerações que os projetistas devem adotar para garantir eficiência, qualidade e economia em obras que utilizam o sistema de parede de concreto, especialmente em relação à compatibilização entre projetos arquitetônico, estrutural e de instalações elétricas e hidrossanitárias?

Rios – Nas obras de parede de concreto, o projeto tem que ser muito bem pensado. Afinal, é uma concretagem por dia. Algo que pode representar, caso não seja feito um bom trabalho, um passivo por dia. Hoje, não há mais aquela possibilidade de desenvolver o projeto estrutural e, somente depois, solicitar o projeto de instalações, por exemplo. É praticamente mandatório que sejam simultâneos. Também é fundamental realizar reuniões iniciais para avaliar o projeto arquitetônico, especialmente porque nem todos os arquitetos conhecem os detalhes do sistema. Um checklist inicial ajuda a identificar ajustes necessários, criando um alinhamento entre estrutura, instalações e arquitetura. É vital evitar retrabalhos, porque, no sistema de parede de concreto, não se pode abrir cortes ou improvisar depois.

AECweb – As fissuras costumam ser um dos grandes temores dos construtores. Gostaria que o senhor avaliasse a importância da cura adequada do concreto para evitar esse tipo de patologia.

Rios – A maioria das fissuras em paredes de concreto ocorre devido à retração. Não é a retração em si que causa fissuras, mas o impedimento à sua movimentação. Diferente das estruturas convencionais, onde armaduras combatem a retração, no sistema de parede de concreto é inviável economicamente projetar com uma taxa de armadura muito elevada. A cura, sem dúvida, é muito importante para reduzir a retração, mas existem outros cuidados. O traço adequado tem se mostrado fundamental. Tanto que a norma coloca como obrigatória a especificação do índice limite de retração. Por isso, o ensaio de retração, para comprovação deste limite, se torna obrigatório. A solução para minimizar os problemas, portanto, está em empregar, além da cura, traços de concreto adequados, juntas de trabalho e microfibras.

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Colaboração técnica

Marcelo Rios – Diretor na Geotest Projetos e Consultoria. Membro da Academia de Engenharia da Bahia. Cerca de 40 anos de experiência em projetos de estruturas de concreto armado, com mestrado em edifícios altos pela Universidade de São Paulo. Mais de 200 empreendimentos projetados em paredes de concreto, principalmente para o programa habitacional Minha Casa Minha Vida, atingindo mais de 60 mil unidades habitacionais e quase 1 milhão de m³ projetados com esse sistema construtivo. Hoje, desenvolve diversos projetos de edifícios mais altos – 15 a 36 pavimentos. Coordenou a revisão da norma NBR 16.055 e participou da revisão da NBR 6118. Atualmente coordena a revisão da NBR 17.071 – Parede de concreto celular. Foi professor na área de estruturas e coordenador de curso de engenharia civil por quase 15 anos.