Como se tornar um projetista de acústica?
Requisitos da Norma de Desempenho para edificações impulsionaram a profissão nos últimos anos. Cursos específicos e estágios são indicados para quem deseja atuar na área
Acústica arquitetônica: o que antes era visto como algo indicado apenas para obras ou ambientes específicos, como estúdios, teatros e salas de concertos, passou a fazer parte do cotidiano das construtoras e incorporadoras que atuam no mercado residencial e comercial (Imagens: Shutterstock; montagem: Cozza)
A publicação da NBR 15575, conhecida como Norma de Desempenho, abriu um novo mercado para os profissionais da área acústica. Ao estabelecer critérios e requisitos objetivos para a performance das edificações, colocou o conforto ambiental em maior evidência.
O texto trata dos níveis de desempenho das paredes externas dos dormitórios, das esquadrias, vedações internas que separam unidades entre si e áreas comuns, além do conjunto de portas e pisos, entre outros elementos.
“Foi um divisor de águas para quem atua nesse mercado”, afirma a arquiteta Fabiana Curado, diretora de projetos da Síntese Acústica Arquitetônica. Construtoras e incorporadoras passaram a se preocupar mais com o assunto e procurar entender os níveis mínimo, intermediário e superior de desempenho acústico exigidos para a construção de edificações habitacionais. Caso contrário, correm o risco de enfrentar reclamações e demandas judiciais de moradores, usuários e condomínios.
A procura por projetistas e consultores na área, portanto, aumentou. O que antes era visto como algo necessário apenas para obras específicas, tais como estúdios, teatros, cinemas e salas de concertos, passou a fazer parte do cotidiano das empresas que atuam nos segmentos residencial e comercial.
“Os arquitetos costumam ter senso estético aguçado e uma visão privilegiada em relação ao espaço tridimensional. Algumas vezes, sofrem com a demanda de cálculos. Com os engenheiros, muitas vezes, se dá o contrário: dominam as fórmulas e equações, mas têm alguma dificuldade na interpretação da arquitetura”Arq. José Augusto Nepomuceno
A diversidade de nichos específicos de mercado é uma das características da área. “No Brasil, a acústica passou a ser encarada como algo pertencente ao universo da construção civil, mas há vários outros campos, como o controle de ruídos em máquinas e equipamentos, os instrumentos musicais e a bioacústica”, revela o arquiteto José Augusto Nepomuceno, diretor da Acústica & Sônica, empresa de consultoria especializada em espaços de escuta sensível, tais como teatros, auditórios e salas de música.
FORMAÇÃO E LIVROS DE REFERÊNCIA
Engenheiros acústicos, arquitetos e profissionais graduados em engenharia ou áreas correlatas, com pós-graduação na área, podem assinar projetos e laudos. No caso dos engenheiros, devem passar pela aprovação do CREA (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia) da região.
O curso pioneiro de engenharia acústica no Brasil é o da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), no Rio Grande do Sul, criado em 2009. A escola é um dos principais centros de estudo do assunto no País, junto com a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), a UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e o Coppe/UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
A formação continuada na área é muito importante, seja qual for a graduação anterior. “Os arquitetos costumam ter um senso estético aguçado e uma visão privilegiada em relação ao espaço tridimensional. Algumas vezes, sofrem com a demanda de cálculos”, afirma Nepomuceno. “Com os engenheiros, muitas vezes, se dá o contrário: dominam as fórmulas e equações, mas têm alguma dificuldade na interpretação da arquitetura.”
Confira a seguir alguns livros e publicações de referência para os profissionais interessados em atuar na área:
Bê-á-bá da acústica arquitetônica – ouvindo a Arquitetura (Editora EDUFSCAR) – Autores: Léa Cristina de Souza, Manuela de Almeida e Luís Bragança.
Acústica de Salas (Editora Blucher) – Autor: Eric Brandão
Acústica Aplicada ao Controle do Ruído (Editora Blucher) – Autor: Sylvio R. Bistafa
Acústica nos Edifícios (Publindústria) – Autor: Jorge Patrício
Fundamentos de acústica ambiental (Editora Senac São Paulo) – Autor: Eduardo Murgel
“O desempenho acústico era uma dor frequente dos moradores e usuários de imóveis e isso ficou muito mais claro com o advento da Norma de Desempenho”Arqª Fabiana Curado
SISTEMAS
“O conhecimento de determinados softwares pode ser a diferença entre contratar um ou outro profissional”, diz Nepomuceno. A afirmação do consultor, responsável por trabalhos emblemáticos como a acústica da Sala São Paulo, na capital paulista, dá uma medida da importância dos sistemas nessa área.
Evidente que nenhuma ferramenta substitui o conhecimento do profissional, mas a acústica demanda a utilização de ferramentas específicas, muitas vezes robustas. Para projetos de salas, há softwares como o Odeon e o Olive Tree Lab, por exemplo. Para edificações, existem o SONArchitect, Insul, Projetus, EASE e o Zorba, entre outros. Vale a pena pesquisar e buscar cursos e treinamentos específicos para operar tais sistemas.
NORMAS TÉCNICAS
Como já mencionado, a NBR 15575, a Norma de Desempenho, foi um marco relevante na área de acústica. E não apenas na geração de oportunidades para consultores e projetistas. “Os testes e ensaios passaram a fazer parte do cotidiano da atividade e materiais sem a qualidade necessária ficaram expostos no mercado”, afirma Nepomuceno. “O desempenho acústico era uma dor frequente dos moradores e usuários de imóveis e isso ficou muito mais claro com o advento da norma”, complementa Fabiana.
Existem também normas específicas, como a NBR 10151 – Acústica – Medição e avaliação de níveis de pressão sonora em áreas habitadas – Aplicação de uso geral; a NBR 10152 – Níveis de pressão sonora em ambientes internos a edificações; e a NBR 12179 – Tratamento acústico em recintos fechados. São textos relevantes, que precisam ser conhecidos pelos jovens profissionais interessados em ingressar na área.
Fabiana recomenda também atenção às normas internacionais, como a ISO 12354 – Building Acoustics (acústica do edifício, em português) e a ISO 3382 – Acoustics — Measurement of room acoustic parameters, já traduzida e transformada em NBR, com o nome Medição de parâmetros de acústica de salas.
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ESTÁGIO E NETWORKING
Assim como ocorre em outras disciplinas ligadas à construção, o estágio é fundamental para a inserção de jovens profissionais no mercado de acústica. Complementa o conhecimento acadêmico e aproxima o iniciante do exercício profissional na prática, que passa por questões pouco abordadas no ambiente universitário como, por exemplo, as severas exigências de prazos, que chegam a incluir multas contratuais no caso de atrasos.
“É uma oportunidade de ter alguém ao lado transmitindo conhecimento. Sem isso, a profissão simplesmente deixa de se renovar e corre o risco de desaparecer”, aponta Nepomuceno.
Fabiana destaca também a questão do networking que, para ela, começa ainda no curso de graduação. “Os colegas de sala de aula, muitas vezes, estarão ao seu lado no mercado. Manter uma postura e levar o conhecimento a sério é importante desde o início”, afirma a projetista. “O estagiário, por exemplo, é um profissional assim como os outros. A única diferença é que ainda está na fase inicial de formação”, conclui.
O contato com outros colegas é fundamental. Exatamente por se tratar de uma área bastante específica, é importante conhecer a programação e frequentar os eventos e atividades de associações, como a Sociedade Brasileira de Acústica (Sobrac) e a ProAcústica (Associação Brasileira para a Qualidade Acústica), que disponibiliza gratuitamente uma série de publicações técnicas. São títulos como, por exemplo, o Manual ProAcústica de Acústica Básica e o Manual ProAcústica sobre a Norma de Desempenho ABNT NBR 15575:2021 Acústica.
PERFIL DO PROJETISTA DE ACÚSTICA
Mas quais são, afinal, os principais requisitos exigidos desse profissional? Confira cinco habilidades e competências necessárias para a função.
1) Identificação com a área: o gosto pela música e pelas artes, muitas vezes, influencia alguns jovens estudantes. Isso pode ser bastante positivo, quase mandatório se a ideia for trabalhar, por exemplo, com acústica de salas especiais. No caso de edificações, também é preciso conhecer e se interessar pela arquitetura. Uma recomendação dos profissionais mais experientes: o jovem deve se informar e não ingressar na área com uma ideia estereotipada da profissão. “Você não será músico e nem vai projetar violinos”, comenta Nepomuceno.
2) Curiosidade e aprendizado contínuo: o conhecimento na área acústica progrediu e se sofisticou com a informatização. E segue em franca evolução. Quem acreditar que já sabe o suficiente está se enganando ou, na melhor das hipóteses, limitando o próprio campo de atuação. “Trata-se de uma disciplina relativamente nova, com pouco mais de 100 anos. Há muita coisa ainda a ser desenvolvida”, afirma Fabiana.
3) Habilidades com cálculo: logaritmos e equações fazem parte do dia a dia do profissional de acústica. No caso de desenvolvimento de produtos, são empregados também cálculos integrais e diferenciais. Muitas fórmulas estão previstas nas normas técnicas e inseridas em softwares e planilhas pré-formatadas, mas o profissional deve conhecê-las para ter consciência do que está fazendo. Gostar de física e matemática, portanto, ajuda bastante.
4) Trabalho em equipe: a interação da acústica com as demais disciplinas é intensa: arquitetura, estrutura, vedações, elétrica, hidráulica, ar-condicionado, automação predial etc. É necessário paciência pois, muitas vezes, o consultor fica parado por um bom tempo, aguardando especificações dos colegas para poder, de fato, trabalhar. Saber dialogar com empatia e humildade com outros profissionais e, ao mesmo tempo, atuar de forma didática e propositiva, é muito importante.
5) Sensibilidade estética e arquitetônica: muitos elementos de acústica estarão visíveis para os usuários. E se, por um lado, deve-se garantir um bom desempenho no que se refere ao conforto acústico, existem outras demandas das pessoas, inclusive estéticas. Ignorar ou tentar passar por cima delas não vai contribuir para um bom resultado.
Colaboração técnica
- Fabiana Curado – Formada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, com pós-graduação em engenharia acústica de edificações e ambiental pela FDTE-USP. É tesoureira da regional Centro Oeste da Sociedade Brasileira de Acústica e membro do Grupo de Acompanhamento de Normas Técnicas e da Comissão de Materiais, Tecnologia, Qualidade e Produtividade da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção). É diretora de projetos da Síntese Acústica Arquitetônica.
- José Augusto Nepomuceno – Arquiteto, atua na área acústica desde 1978. Há cerca de 15 anos, se divide entre a direção da Acústica & Sônica, em São Paulo, e as atividades na Akustiks, nos Estados Unidos. Coordenador do Comitê de Salas Especiais da ProAcústica, foi consultor de acústica da premiada Sala São Paulo, projetada na década de 1990 pelo arquiteto Nelson Dupré. Trabalhou também no Gran Teatro Nacional de Lima, no Peru, no Museu de Arte de Cleveland, nos Estados Unidos, e no Teatro de San Luis Potosi, no México. No Brasil, atuou na Praça das Artes, em São Paulo, na Sala Minas Gerais de Concertos, em Belo Horizonte, e na Sala Cecília Meireles, no Rio de Janeiro.