O que faz um profissional da qualidade na construção civil?
Função ganhou espaço nas construtoras, principalmente com o impulso da obrigatoriedade de programas setoriais. Conhecimento técnico, atenção à legislação, visão ampla da empresa e boa gestão de pessoas são atributos valorizados pelos contratantes
Não há qualidade desvinculada de projetos bem elaborados, da segurança e saúde do trabalho, da preocupação com o meio ambiente e de uma boa governança corporativa. Profissional da área deve ter senso crítico e um olhar amplo sobre as atividades da empresa. (Foto: Shutterstock)
A certificação no Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade no Habitat (PBQP-H) é exigida pela maioria dos bancos para a concessão de financiamentos à produção das obras.
O programa contempla, além das exigências da ISO 9001, outros quesitos que se referem, por exemplo, à Norma de Desempenho (NBR 15575) e à legislação ambiental e de saúde e segurança no trabalho (SST).
ATRIBUIÇÕES
No ecossistema do PBQP-H, há o Sistema de Avaliação da Conformidade de Empresas de Serviços e Obras da Construção Civil, o SiAC, regimento específico para construtoras.
O profissional da qualidade é o guardião desse assunto nas construtoras e incorporadoras. Na prática, muitas vezes, também acaba funcionando como uma espécie de ‘coringa’ nas empresas, atuando em diferentes funções ou até acumulando algumas.
Isso porque o profissional acaba por conviver, ao longo do tempo, com diferentes departamentos e processos da construtora, além de possuir uma relação muito próxima das áreas de assistência técnica, meio ambiente, produção, segurança e saúde do trabalho.
Tente imaginar alguém que deve conhecer tanto os detalhes da nova NR-18 (Norma Regulamentadora nº 18 do Ministério do Trabalho e Previdência), que entrou em vigor neste ano, quanto da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, nº 13.709). São assuntos de natureza completamente distintas. Esse é o cotidiano do profissional da qualidade na construção civil.
“Na prática, ele precisa a ajudar a resolver problemas, sem maquiar nada, e ainda remediar os conflitos gerados, procurando alinhar expectativas e revisitar os processos”, afirma o Eng. Marco Guerra, diretor da MGUERRA Engenharia e consultor especializado na área. “Isso exige organização e disciplina, mas também empatia com as pessoas”, completa.
PLATAFORMAS
Os sistemas devem permitir inspeções automatizadas de serviços e materiais (FVS e FVM), de acordo com as determinações do SiAC / PBQP-H. O profissional da qualidade pode registrar, fotografar e fazer marcações de não conformidades com um tablet ou smartphone. O gestor poderá, assim, categorizar os defeitos e ocorrências e gerar dados e relatórios personalizados. A experiência no uso dessas ferramentas costuma ser valorizada pelos contratantes.
“As obras possuem linguagem e dinâmica particulares, muitas vezes até com hierarquias não escritas que o profissional deve compreender para poder interagir de forma mais efetiva com as equipes”Eng. Marco Guerra
Mas quais são, afinal, os principais requisitos exigidos desse profissional? Confira 5 habilidades e competências necessárias para a função.
1) FORMAÇÃO TÉCNICA E VIVÊNCIA DE OBRAS
O conhecimento básico adquirido em curso técnico ou superior de engenharia civil, arquitetura ou tecnologia é fundamental para quem atua na área da qualidade. Trata-se, porém, apenas do primeiro passo. “A capacitação nessa área é evolutiva e demanda uma formação continuada constante”, recomenda Guerra.
Há uma boa oferta no mercado, tanto em pós-graduações e MBA quanto em cursos livres mais específicos. “Gerenciamento de projetos, por exemplo, é um conteúdo que poderá auxiliaros profissionais no cotidiano”, indica o engenheiro.
A experiência prática em canteiros também é muito valorizada. “As obras possuem linguagem e dinâmica particulares, muitas vezes até com hierarquias não escritas que o profissional deve compreender para poder interagir de forma mais efetiva com as equipes”, revela Guerra.
2) ATENÇÃO ÀS MUDANÇAS DE LEGISLAÇÃO E NORMAS
A quantidade de leis, regras, portarias e normas relacionadas às atividades da construção é imensa. Um bom profissional da qualidade precisa estar atento, pois o desconhecimento pode permitir que não conformidades passem desapercebidas, com eventuais prejuízos para as empresas. E, mais do que conhecer tudo de cor, o profissional deve saber distinguir o que, de fato, é mandatório ou relevante para a atividade. E acompanhar as mudanças de perto. Isso será fundamental, por exemplo, para a elaboração do Plano de Qualidade da Obra (PQO) e do Plano de Controle Tecnológico (PCT).
“Ter empatia, reconhecer as dificuldades envolvidas, saber ouvir e se colocar no lugar de quem está na produção são pontos fundamentais. Assim será possível propor soluções e atuar, de fato, em prol de melhorias nos processos”Eng. Marco Guerra
3) PREPARAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E PLANEJAMENTO
O consultor Marco Guerra costuma chamar de ‘mentalidade de auditor’ a atitude de profissionais da área que fazem a lição de casa, ou seja, estudam aquilo que vão inspecionar, dominam o processo de gerenciamento de auditoria, sabem o que investigar, onde buscar as evidências e qual o melhor momento de obtê-las. Para chegar nesse nível, não basta apenas a experiência. São necessárias preparação, análise de risco, planejamento, realização, conclusão e retroalimentação. Tudo de forma organizada, com planos A e B para diferentes situações.
4) VISÃO ABRANGENTE DA EMPRESA
Se o profissional da qualidade acredita que o seu trabalho se resume ao preenchimento burocrático de fichas de verificação ou deve se restringir à execução de tarefas fiscalizatórias, o caminho está errado. Não há qualidade desvinculada de bons projetos, de segurança e saúde do trabalho, da preocupação com o meio ambiente ou de uma boa governança corporativa. Por isso, a visão nunca deve ser isolada ou fragmentada. O profissional da qualidade precisa desenvolver senso crítico e um olhar apurado sobre todas as atividades da empresa. Tal conceito possui um nome e até uma sigla: sistema de gestão integrada (SGI).
As pessoas também perguntam:
O que são as FVS na construção civil?
5) BOM RELACIONAMENTO INTERPESSOAL
Já imaginou ser rotulado por seus próprios colegas como “auditor cara-crachá” ou alguém que “foca na formiga enquanto o elefante está passando”? Esse tipo de situação, infelizmente, pode ocorrer. Claro que isso depende do trabalho que está sendo desenvolvido pelo profissional, mas um bom relacionamento com as equipes pode ajudar a evitar conflitos. “Ter empatia, reconhecer as dificuldades envolvidas, saber ouvir e se colocar no lugar de quem está na produção são pontos fundamentais”, afirma Guerra. “Assim será possível propor soluções e atuar, de fato, em prol de melhorias nos processos”, conclui o consultor.
Colaboração técnica
- Marco Guerra – Engenheiro civil, é diretor da MGUERRA Engenharia e auditor para as normas ISO 9001, PBQP-H, Qualihab, ISO 14.001, OHSAS 18001 e ISO 45001. Professor convidado nos cursos de mestrado profissional do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo) e de pós-graduação da Universidade Mackenzie, é autor do livro “Sistema de Gestão Integrada em Construtoras de Edifícios.”