O que faz o profissional de assistência técnica na construção?
Da preparação do manual do proprietário, passando pela entrega da unidade e áreas comuns para os clientes até a gestão de reformas e a avaliação pós-ocupação, pessoal de pós-obra se divide em várias frentes de trabalho
Visto por alguns profissionais do setor como um departamento de custos indesejáveis, área pode ser decisiva na retroalimentação das construtoras, investigando as causas dos problemas e apontando melhorias nos processos (Foto: Shutterstock)
O profissional da área de assistência técnica em construtoras, por vezes, sofre preconceito de alguns colegas ao ser chamado de “engenheiro de obra feita” – expressão pejorativa que designa uma pessoa que critica apenas o resultado final de um determinado trabalho, sem ter colaborado em nada para que o sucesso fosse alcançado. Nada mais injusto.
Afinal, quem fica frente a frente com os clientes, peritos, advogados, síndicos e administradores prediais para atender reclamações e ações judiciais, muitas vezes derivadas de falhas de projeto ou execução? Exatamente o pessoal de pós-obra, cuja responsabilidade sobre os eventuais defeitos construtivos costuma ser nula.
Trata-se de um profissional com duas frentes principais de trabalho: manter os clientes satisfeitos e melhorar os processos executivos da companhiaEnga. Josiane Marcelino, gerente de assistência técnica e membro do Grupo de Trabalho de Pós-Obra e Assistência Técnica do SindusCon-SP
A visão sobre os profissionais de assistência técnica, aos poucos, vem se alterando, principalmente nas melhores empresas do mercado, capazes de enxergar os ganhos, por exemplo, na retroalimentação dos processos com a investigação da causa-raiz dos problemas.
“Trata-se de um profissional com duas frentes principais de trabalho: manter os clientes satisfeitos e melhorar os processos executivos da companhia”, afirma a Enga Josiane Marcelino, gerente de assistência técnica e membro do Grupo de Trabalho de Pós-Obra e Assistência Técnica do SindusCon-SP. “Geralmente, trabalha com um acervo histórico riquíssimo, com a identificação das origens e causas dos problemas. A partir daí, a construtora pode aprimorar procedimentos e reduzir custos”, completa.
A atuação da assistência técnica pode ser dividida, segundo Josiane, em diferentes etapa
- Projetos: com a compilação de dados, retroalimenta a construtora/incorporadora com informações precisas sobre os erros e acertos da concepção do produto;
- Suprimentos: também retroalimenta as áreas de compras e o jurídico quanto às contratações e garantias;
- Construção: com visitas periódicas às obras, avalia os processos de execução dos sistemas, de acordo com os dados históricos coletados;
- Transição: participa do processo de entrega da obra, garantido a conclusão efetiva dos sistemas. Promove a análise das documentações e dos manuais técnicos;
- Implantação: participa da Assembleia Geral de Instalação (AGI), com apresentação ao síndico e à administradora, buscando firmar relações. Oferece suporte ao condomínio, auxiliando na sua implantação e orientando sobre o funcionamento, uso e manutenções;
- Entrega: realiza, em conjunto com a obra, a entrega do empreendimento (comissionamento), orientando de forma efetiva o funcionamento da edificação quanto ao uso, operação, manutenção e garantias;
- Assistência técnica: atendimento ao cliente quanto às solicitações de ocorrências em unidades e áreas comuns.
Área de assistência se envolve em momentos decisivos na relação dos clientes e condomínios com as construtoras e incorporadoras (Conteúdo e ilustração: Enga. Lilian Sarrouf)
A cultura equivocada das obras pode induzir o profissional da assistência a procurar somente a solução mais rápida, cumprindo apenas o papel de ‘apagar incêndios’, sem buscar, de fato, a resolução dos problemas de projeto e/ou execuçãoEng. Alexandre Luis de Oliveira, diretor técnico e sócio da InDia®
Mas, afinal, com tantas atribuições, quais são os requisitos necessários para os profissionais que atuam na assistência das construtoras e incorporadoras?
Competências e habilidades do profissional da assistência técnica
1) Formação e rigor técnico
Graduação em engenharia civil, arquitetura ou tecnologia em construção de edifícios costuma ser pré-requisito para atuar na área de assistência técnica. A interação com as áreas de projeto, construção e suprimentos, além das funções investigativas, de solicitação de testes e acionamento de fornecedores demandam formação específica.
A vivência em obras também é bem avaliada, mas algumas empresas até preferem jovens recém-formados sem experiência de campo, para ter a chance de moldá-los de acordo com a cultura da empresa e evitar eventuais ‘vícios’ que podem ser adquiridos nos canteiros.
“Infelizmente, observamos no mercado o que eu chamo de vício de fazer errado”, afirma o Eng. Alexandre Luis de Oliveira, diretor técnico e sócio da InDia®. “A cultura equivocada das obras pode induzir o profissional da assistência a procurar somente a solução mais rápida, cumprindo apenas o papel de apagar incêndios, sem buscar, de fato, a resolução dos problemas de projeto e/ou execução”, dispara Oliveira.
2) Empatia com o cliente, paciência e resiliência
Para trabalhar na área de assistência técnica, entender as razões e as dores dos clientes com paciência e atenção é fundamental. Muitas vezes, eles já estão irritados com a empresa e, independentemente de quem está com a razão, a abertura para o diálogo é muito importante. “O desafio é transformar uma situação incômoda em uma satisfação de atendimento”, afirma Oliveira. A pressão psicológica é inevitável. “Por isso, o entusiasmo e a resiliência são fundamentais”, complementa Josiane.
3) Capacidade de planejamento
Com tantas atribuições em diferentes frentes de trabalho (veja ilustração com os “10 momentos da verdade da assistência técnica”), o profissional de pós-obra deve planejar muito bem as atividades e tarefas, sob risco de passar o tempo todo correndo, resolvendo somente os problemas de última hora. “Não é fácil lidar com várias etapas ao mesmo tempo, equipes multidisciplinares e ainda ter que se encaixar na agenda do cliente e nas normas do condomínio, por exemplo”, destaca Oliveira.
4) Ter noções da legislação específica
Engenheiros civis, arquitetos e técnicos nem sempre apreciam a leitura de leis e textos jurídicos. Se, por vezes, há dificuldade de ler até normas técnicas indispensáveis à profissão, o que dizer do Código Civil ou de Defesa do Consumidor? Pois, nessa área, não só a parceria com o jurídico da construtora é fundamental, como também é importante ter noções da legislação para se relacionar com os clientes, condomínios, peritos etc. “O conhecimento básico é desejável. Não dá, por exemplo, para dizer ao cliente que algo está fora da garantia, sem ter certeza absoluta disso”, afirma Oliveira.
As pessoas também perguntam: A não-conformidade de materiais de construção é crime?
5) Ser colaborativo e pró-ativo
Entender a urgência do prazo de atendimento das reclamações e saber que a imagem da empresa depende da qualidade de tais tratativas é fundamental para o profissional de assistência técnica. E mesmo cercado por várias regras e códigos, há sempre a hora de pensar um pouco fora da caixa. É possível, por exemplo, tornar a área rentável para a empresa, como já fez a indústria automobilística? Para Oliveira, a resposta é sim. “Imagine vender um imóvel como se fosse um elevador, já com o contrato de prestação de serviços de assistência técnica e manutenção preventiva?”, indaga o engenheiro. Ações nessa linha, sem dúvida, podem contribuir para valorizar ainda mais a área.
Colaboração técnica
- Alexandre Luis de Oliveira – Diretor técnico e sócio proprietário da InDia®, foi fundador da DMO Engenharia, atuando hoje no conselho da empresa. Ex-presidente do Conselho Consultivo do Sinduscon-SP, é membro do Comitê de Tecnologia e Qualidade da entidade e coordenador do Grupo de Trabalho de Pós Obra e Assistência Técnica. Cursou também o MBA da Construção pela Fundação Getúlio Vargas. Atuou como Coordenador da Comissão de Estudos que elaborou a norma ABNT NBR 16747 – Inspeção Predial.
- Josiane Marcelino – Engenheira civil pela Universidade Paulista, foi gerente de assistência técnica e desenvolvimento de novas tecnologias em empresas como a Adolpho Lindenberg, Sinco e Hubert Administração de Imóveis. É membro do Grupo de Trabalho de Pós Obra e Assistência Técnica do SindusCon-SP, onde participou da elaboração do “Manual de Uso, Operação e Manutenção do imóvel, das Áreas Comuns e do Proprietário” e da cartilha “Boas Práticas para Entrega do Empreendimento desde a sua Concepção”. É coordenadora do Curso de Capacitação para formação de Gestores de Assistência Técnica do SindusCon-SP.