Mulheres começam a chegar nos canteiros de obras
Atenta aos detalhes, a mão de obra feminina é a preferida pelas construtoras para serviços pós-obra. Mas, também, ganha cada vez mais espaço em cargos técnicos e administrativos
(Imagem: Adobe Stock)
Aos poucos, as mulheres vão chegando nos canteiros de obras, ocupando funções que antes eram exclusivas dos homens. Enfrentam até mesmo o desafio de impor ordem na equipe – quando são técnicas em segurança no trabalho, por exemplo, dão ordens, exigem EPIs, impõem normas claras. Participam de curso de qualificação de mão de obra e buscam uma carreira. Em todas as áreas, técnicas e administrativas, em maior ou menor proporção, elas estão na diretoria, planejamento, suprimentos e jurídico.
Falando em nome do Comitê de Tecnologia e Qualidade do SindusCon-SP ao portal AECweb, David Fratel, professor do Instituto Mauá de Tecnologia, oferece um panorama amplo da presença e contribuição da mulher na construção civil brasileira. Para ele, já não há preconceito das equipes masculinas que atuam na produção em relação a elas. Diretor da Kallas Engenharia, Fratel jamais recebeu nos canais de compliance denúncias do tipo.
Mas há várias demandas a serem solucionadas, como a necessidade de acolhimento em creches e facilitação da amamentação para as mulheres que trabalham nos canteiros de obras. O SindusCon-SP lança, em breve, um manual de boas práticas de recursos humanos com recomendações para as empresas associadas. Confira a seguir a entrevista.
AECweb – Qual o percentual de mulheres, hoje, na construção civil?
David Fratel – A construção civil sempre foi muito deficitária em relação à base de dados, inclusive sobre o número de mulheres que atuam no setor. Mas teremos esses dados já em 2024, resultado da pesquisa da consultoria Falconi Gente com o SindusCon-SP. Passaremos a medir e informar os principais indicadores da participação das mulheres em canteiros de obras e em funções administrativas. Essa pesquisa é feita com nossos associados, que é a parcela mais representativa de construtoras do país.
AECweb – A percepção da entidade é que essa participação vem crescendo?
Fratel – Sim, observamos que tem crescido demais, tanto na produção como nos escritórios das empresas. Na área de administração de canteiros, se percebe a presença expressiva de engenheiras de obras e engenheiras residentes. Em funções de gerência e coordenação há, inclusive, uma preferência das empresas por mulheres, que também ganham espaço em cargos de diretoria e técnicos. É muito comum ver essas profissionais liderando as equipes de projetos de arquitetura e complementares. E, também, em áreas de orçamento, planejamento, controle, sustentabilidade e qualidade.
AECweb – Nos canteiros, quais as funções em que as mulheres se destacam?
Fratel – Mais habilidosas na atenção aos detalhes, as mulheres ocupam, principalmente, as atividades de acabamento, como assentamento cerâmico, pintura e arremates finais de limpeza para entrega de obras. Entendo que excluir essa mão de obra da construção civil é subutilizar o talento das mulheres.
Mais habilidosas na atenção aos detalhes, as mulheres ocupam, principalmente, as atividades de acabamento, como assentamento cerâmico, pintura e arremates finais de limpeza para entrega de obrasDavid Fratel
AECweb – É certo que mulheres que atuam no pós-obra são mais bem aceitas do que os homens pelos clientes das construtoras?
Fratel – É verdade e é histórico. Para se uma ter uma ideia, comecei na construção civil em 1983. Já naquela época, as mulheres atuavam nas atividades pós-obra. São serviços de manutenção que dependem de menor esforço físico e realizados em casas habitadas. Geralmente, quem recebe os prestadores são mulheres, que ficam mais confortáveis se o serviço for feito também por mulheres. Defendo, portanto, a presença da mulher na obra e depois da entrega, pois a atenção que elas têm com os detalhes garante uma percepção positiva do comprador do imóvel em relação à própria empresa.
AECweb – Há restrições de funções para as mulheres nos canteiros, como carregar pesos excessivos?
Fratel – Não há esse tipo de restrição, nem mesmo legais. É bom lembrar que carregar peso excessivo faz mal para homens e mulheres. Hoje, as obras já dispõem de fornecimento de materiais paletizados e distribuídos através de equipamentos mecanizados – cremalheiras e gruas, por exemplo – que contornam esse problema. Eu tenho, no Grupo Kallas, mulheres trabalhando na produção, e não há problema algum dessa ordem.
AECweb – Como o setor administra o preconceito dos homens, principalmente diante de chefias femininas?
Fratel – Independentemente da função da mulher numa construtora, da direção à produção e venda dos imóveis, não identificamos esse problema na nossa construtora. Temos um canal interno de compliance, onde são feitas várias denúncias. Jamais tivemos registro de mulher ter sofrido preconceito de subordinados, por ela ser mulher. Entendo que os homens já aceitam a presença feminina. O respeito é diretamente proporcional às habilidades técnicas e comportamentais da liderança, ou seja, na capacidade profissional seja do homem ou da mulher.
AECweb – Até que ponto a cultura das construtoras determina a aceitação das mulheres pelas equipes?
Fratel – Falando em nome das empresas que fazem parte do Comitê de Tecnologia e Qualidade (CTQ), do SindusCon-SP, há uma necessidade de estabelecer relações de respeito e confiança independentemente de gênero. Tanto para quem é chefiado como para quem chefia. Esse tipo de atitude para nossas empresas é crucial, porque cultiva a política de governança na sua cultura. O respeito nas relações não depende de determinações explícitas.
AECweb – Como o SindusCon-SP avalia a necessidade de os canteiros providenciarem creche para os filhos das funcionárias?
Fratel – O ambiente de canteiro é muito inseguro, com acidentes, poeira e ruído, portanto, impróprio para crianças. Algumas grandes construtoras do setor já possuem acolhimento na forma de creche ou de facilitação para mulheres dos escritórios que amamentam. Ação que ainda não chegou aos canteiros de obras. Com esse objetivo, o SindusCon-SP vai lançar um book de boas práticas de recursos humanos, com recomendações aos associados desse tipo de prática também para os canteiros. Ou seja, para que as mulheres que amamentam tenham horários flexíveis e creches sejam providenciadas nas proximidades, de forma regionalizada, em parceria com instituições locais ou com o Seconci-SP que mantém programas desse tipo.
AECweb – O que mais falta para que a mulher tenha maior presença na construção civil?
Fratel – Percebo que falta interesse das mulheres para atuar na produção, o que pode ser revertido com o setor se tornando mais industrializado. Ao empregar sistemas pré-fabricados, estaremos nos aproximando do que é a indústria automobilística, onde as mulheres fazem trabalhos similares aos dos homens. A industrialização da construção civil – quando vier e já está vindo –, vai trazer uma redução das atividades físicas na produção e com maior segurança para todos. A mulher terá maior relevância num ambiente de produção industrializado nas atividades técnicas e maior conforto no local de trabalho. Elas terão mais oportunidades nas funções de liderança e gestão, como mestre de obras, que exigem empatia e habilidade intelectual, o que a mulher naturalmente tem.
Percebo que falta interesse das mulheres para atuar na produção, o que pode ser revertido com o setor se tornando mais industrializadoDavid Fratel
AECweb – Há funções mais desafiadoras no canteiro para as mulheres?
Fratel – Veja que a função de técnico em segurança no trabalho é bem complexa, porque afronta o homem trabalhando, manda parar para colocar os EPIs, mudar o procedimento. Na Kallas, metade é constituída por mulheres. Além disso, o canteiro traz a perspectiva de crescimento profissional, em carreiras bem remuneradas, começando como servente, passando para carpinteira, encarregada até chegar a mestre de obras. Isso dá à mulher independência financeira e realização profissional.
AECweb – As construtoras promovem ou fazem parceiras de cursos de qualificação para mulheres?
Fratel – A Universidade Corporativa SindusCon-SP promove cursos gratuitos de qualificação de mão de obra, como assentamento de drywall e de cerâmica, carpintaria, funções ligadas a acabamento, instalações elétricas e hidráulicas. O Sintracon, sindicato dos trabalhadores do setor, já formou mais de três mil operários, sendo parte deles mulheres. No ano passado, contratei dos cursos do sindicato, dez azulejistas, sendo quatro mulheres. Elas já fazem esses cursos.
Leia também:
Cresce a presença feminina na construção civil
Colaboração técnica
- David Fratel – É graduado em Engenharia Civil, com pós-graduação, especialização e mestrado. Atualmente, ocupa o cargo de diretor executivo da Kallas Engenharia. É coordenador e professor dos cursos de pós-graduação do Instituto Mauá de Tecnologia; membro do Comitê de Tecnologia e Qualidade do SindusCon-SP; coordenador do Grupo de Trabalho de Recursos Humanos do SindusCon-SP; árbitro do Centro de Estudo da Paz e Resolução de Conflitos (GLIP - USP / Universidade de São Paulo); conselheiro da CORT /FIESP; conselheiro suplente do SindusCon-SP; coordenador do Fórum Permanente de Negociação SindusCon-SP – Sintracon-SP.