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Futuro das Edificações e Eficiência Energética

Maria Akutsu, Laboratório de Conforto Ambiental do IPT

Publicado em: 17/12/2020

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

Coordenação técnica: Adriana Camargo de Brito
Comitê de revisão técnica: Adriana Camargo de Brito, Cláudio Vicente Mitidieri Filho, José Maria de Camargo Barros, Luciana Oliveira e Maria Akutsu
Apoio editorial: Cozza Comunicação

eficência térmica
(foto: stockwerk-fotodesign/shutterstock)

17/12/2020 | 15:00 - Com o fenômeno da globalização, observa-se uma tendência mundial de construção de edifícios altos, com fachadas leves, a maior parte envidraçada, qualquer que seja a característica do clima local, tornando necessário o uso de sistemas de ar condicionado para se obter conforto térmico. Esses sistemas são responsáveis por grande parcela do consumo de energia da edificação (MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA, 2020), bem como por trazer problemas relacionados à saúde, quando a qualidade do ar for comprometida.

O que fazer para diminuir esse consumo de energia? O que fazer para tornar os ambientes mais saudáveis?

Neste momento em que convivemos com a atual pandemia pelo COVID 19, tem-se evidenciado a importância da renovação do ar e da ventilação natural dos ambientes. Isto nos leva a refletir sobre as possibilidades reais de se garantir a salubridade nos ambientes com sistemas de ar condicionado, bem como de se conseguir conforto térmico sem esses sistemas. Por um lado, são benvindos os avanços tecnológicos para aumentar a eficiência energética dos sistemas de condicionamento com ganhos também na qualidade do ar e na redução dos gases de efeito estufa que são emanados para a atmosfera. Por outro lado, é importante observar que o edifício é que define a demanda por cargas térmicas de condicionamento.

No Brasil, até o momento, predominam as condições climáticas onde o conforto térmico no interior dos ambientes deve ser equacionado para amenizar a sensação de calor, com incidência pouco significativa de condições com frio intenso. Além disso, as mudanças climáticas apontam para um aumento das temperaturas médias em todo o globo terrestre nos próximos anos, se o cenário de ocupação humana continuar com o padrão atual (ONU, 2019).

Neste sentido, o território nacional conta ainda com parcela expressiva da sua extensão onde é possível projetar e construir edificações sem a necessidade de uso de sistemas de condicionamento térmico, principalmente para habitações, desde que se observem alguns preceitos de adequação da edificação ao uso e ao clima local (AKUTSU, 1998):

• Em climas muito frios, onde a calefação é necessária, é fundamental que se garanta uma boa isolação térmica dos componentes da envoltória para que se tenha uma boa eficiência energética da edificação. Somado a isto, é exigida boa estanqueidade ao ar dos sistemas de caixilharia. E os chamados “sistemas passivos” buscam otimizar a exposição dos elementos transparentes no sentido de se maximizar os ganhos de energia solar;
• Em climas quentes, observam-se basicamente duas situações que distinguem o tipo de edificação mais adequada a cada caso: o clima quente úmido e o clima quente seco. No clima quente úmido, a amplitude de variação diária da temperatura do ar é bem menor do que no clima quente seco. Nesses dois tipos de clima, são mais adequadas edificações com inércia térmica distinta, ou seja, baixa inércia térmica para o clima quente úmido e alta inércia térmica para o clima quente seco;
• Em todos os casos, é necessário avaliar os níveis de temperatura ao longo de ciclos diários e anuais que, se supõe, repetem-se com certa regularidade. Esses níveis de temperatura permitem ao projetista prever a necessidade, ou não, do uso de sistemas de ar condicionado, tendo em vista a exigência dos usuários da edificação quanto aos limites de temperatura desejados, geralmente expresso como dentro de uma “zona de conforto térmico” (ASHRAE, 2017). Dependendo da relação entre as variações de temperatura do clima local e as exigências quanto à “zona de conforto térmico” dos usuários, observa-se a possibilidade de se prescindir do uso de sistemas de condicionamento térmico pela escolha adequada da inércia térmica da edificação;
• Mesmo que se decida por incorporar sistemas de condicionamento térmico, deve-se observar se o mesmo deverá ser permanentemente acionado, ou se é possível prescindir do seu uso pelo maior intervalo de tempo possível; também neste caso, a inércia térmica adequada da edificação poderá garantir maiores intervalos de tempo sem o acionamento dos sistemas de condicionamento, como também as melhores condições de conforto térmico (BRITO, 2015).

Qualquer que seja a condição climática, para ambientes permanentemente condicionados, quanto maior a isolação térmica e a estanqueidade ao ar dos componentes da envoltória, maior a eficiência energética da edificação; entretanto, uma edificação que apresente alta eficiência energética nestas condições, pode proporcionar condições de conforto térmico altamente insatisfatórias quando os sistemas de condicionamento térmico estiverem desativados.

A inércia térmica de um ambiente de edificação pode ser caracterizada pela relação entre a variação da temperatura do ar exterior e do ar interior ao longo de um dia: quanto menor a variação da temperatura do ar interior em relação à variação da temperatura do ar exterior, maior é a inércia térmica do ambiente.

De modo geral, a inércia térmica será maior quanto maior for a capacidade térmica dos componentes da envoltória do ambiente, que corresponde ao calor específico do material multiplicado pela sua massa. Como a maior parte dos materiais de construção tem calor específico da mesma ordem de grandeza, diz-se que paredes mais espessas proporcionam maior inércia térmica ao ambiente. É por isso que edificações típicas de regiões com clima desértico apresentam paredes espessas, aberturas reduzidas, sendo algumas semienterradas, beneficiando-se da inércia térmica do solo.

Contudo, cabe observar que é possível aumentar a inércia térmica de um ambiente acrescentando isolação térmica nos seus componentes, desde que não se prejudique a ação da capacidade térmica efetiva do mesmo. Neste caso, o posicionamento do material isolante térmico tem importância fundamental, e deve ser analisado caso a caso (BRITO, 2015; OROSA E OLIVEIRA, 2012; DI PERNA ET AL., 2011; ROSSI E ROCCO, 2011). Além disso, a inércia térmica de um ambiente pode sofrer a influência do sombreamento das aberturas e da ventilação.

Nas regiões com clima quente úmido, ao contrário, observam-se edificações com baixa inércia térmica. Neste caso, de modo geral, além de elementos leves, devem ser garantidos o sombreamento das aberturas ou mesmo das paredes, caso a isolação térmica seja baixa, e a ventilação dos ambientes. Em locais onde se faz necessário o uso de sistemas de ar condicionado, a isolação térmica ocupa papel de destaque, sem a preocupação com o posicionamento do isolante térmico que estará associado a elementos de baixa inércia térmica.

Assim, o equacionamento correto entre as propriedades de isolação térmica e de capacidade térmica dos componentes, somado a um projeto que considere as melhores estratégias de exposição e de sombreamento das aberturas, de ventilação dos ambientes e de uso dos recursos de condicionamento térmico dos ambientes conforme as condições climáticas do local, é que vai garantir as melhores condições de conforto e bem estar dos ocupantes, com maior eficiência energética das edificações.

Espera-se que, em um futuro próximo, as pesquisas em andamento para o desenvolvimento de novos materiais e sistemas para a construção civil cheguem a soluções viáveis, com redução de custos e de danos ao meio ambiente, seja na fase de produção como no período de uso, sem esquecer o destino a ser dado após a sua vida útil.

Seguindo a tendência atual de redução de massa das edificações, para se conseguir maior inércia térmica com pouca massa, serão adequados os materiais de mudança de fase e os sistemas que integram componentes com superfícies de baixa emissividade para se conseguir maior isolação térmica dos componentes. Destaca-se também a evolução dos vidros eletrocrômicos e com propriedades fotovoltaicas e de mudança de fase, bem como de sistemas de ar condicionado com alta eficiência energética e baixa poluição ambiental, incluindo a poluição sonora.

Para que isso se concretize, espera-se sobretudo uma maior conscientização por parte dos empreendedores, dos projetistas, dos pesquisadores, dos legisladores e do usuário final das edificações quanto às possibilidades de se usufruir de um bom conforto térmico e bem estar nos ambientes construídos em harmonia com o meio ambiente. Assim como os legisladores podem criar condições favoráveis à pesquisa, desenvolvimento e produção de materiais e produtos inovadores dentro deste contexto, os usuários finais conscientes também podem influir no mercado, impulsionando práticas de construção de edifícios cada vez melhores e mais saudáveis para todos, tanto no nível individual como no planetário.

Em termos de normalização neste setor, destacam-se a norma brasileira de desempenho, NBR 15755 (ABNT, 2013), cuja a parte referente ao desempenho térmico das edificações está em fase de revisão, e o Selo Casa Azul (CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, 2020), que trata das questões de sustentabilidade.

Referências

AKUTSU, M. Método para avaliação do desempenho térmico de edificações no Brasil. 1998.

150 p. Tese (doutorado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.

AMERICAN SOCIETY OF HEATING, REFRIGERATING AND AIR-CONDITIONING ENGINEERS. Standard 55: Thermal Environmental Conditions for Human Occupancy. Atlanta, 2013b.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15575: Edifícios Habitacionais – Desempenho. Rio de Janeiro, 2013.

BRITO, Adriana Camargo de. Contribuição da inércia térmica na eficiência energética de edifícios de escritórios na cidade de São Paulo. 2015. 241p. Tese (Doutorado) – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Departamento de Engenharia Mecânica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, Selo Casa Azul (2020).

DI PERNA, C.; STAZI, F.;CASALENA, A. U.; D’ORAZIO, M. Influence of the internal thermal inertia of the building envelope on summertime comfort in buildings with high internal loads. Energy and Buildings Journal. 43, 200-206, 2011.

MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA. Ações para promoção da eficiência energética nas edificações brasileiras: no caminho da transição energética. Nota técnica EPE/ DEA / SEE / 07 / 20202- Agosto de 2020. Brasil.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Cientistas alertam que mudanças climáticas estão acontecendo ‘antes e pior’ do que o previsto. Notícia – Março de 2019.

OROSA, J. A.; OLIVEIRA, A. C. A field study on building inertia and its effects on indoor thermal environment. Journal of Renewable Energy. 37, 2012. 89-96.

ROSSI, M.; ROCCO. V. M. Massive and Lightweight Building Envelope Design for a High Level Summertime Performance. Journal of Science; Tecnology, 200-207, 2011.

Colaboração técnica

Maria Akutsu – é formada em Física pelo IFUSP, tem Mestrado pela EPUSP e Doutorado pela FAUUSP. Atua na área de Conforto Ambiental desde 1975 no IPT, desenvolvendo trabalhos de pesquisa e desenvolvimento, bem como de prestação de serviços tecnológicos e como docente no curso de Mestrado Profissional. Foi docente também em várias instituições de ensino e é colaboradora no desenvolvimento de Normas Técnicas na área de Desempenho das Edificações e na avaliação de Projetos de Pesquisa junto aos diversos órgãos de fomento do país.