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Qualidade de vida e sustentabilidade em políticas urbanas

Claudio Dulcinoti Roda, Mestre em Habitação pelo IPT

Publicado em: 16/12/2021

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

Coordenação técnica: Adriana Camargo de Brito
Comitê de revisão técnica: Adriana Camargo de Brito, Cláudio Vicente Mitidieri Filho, José Maria de Camargo Barros, Luciana Oliveira e Maria Akutsu
Apoio editorial: Cozza Comunicação

16/12/2021 | 15h20 - A conceituação de uma política urbana, entendida como uma ação de ocupação ou requalificação do território visa adaptar as cidades ou os bairros, buscando atender às demandas por ambientes urbanos, para que apresentem melhor qualidade de vida, fundamentada no desenvolvimento sustentável, atendendo as necessidades da população atual, sem prejudicar as futuras, conservando ecossistemas e espécies.

A preocupação com a qualidade de vida no meio urbano se iniciou a partir do final do século XIX, em função da primeira Revolução Industrial, que provocou acelerada e intensa concentração urbana, criando condições precárias de moradias para os operários, vindos do campo, sem adequado sistema de abastecimento, tratamento de esgoto e sem coleta de lixo.

A insalubridade, a total falta de conforto das moradias e da estrutura urbana levaram à degradação das condições de vida, a problemas sanitários e sociais, criando a necessidade de políticas públicas para solucionar tais problemas. Desta forma, surgiu a matéria multidisciplinar, voltada para estudar e planejar como ordenar o espaço construído da cidade, definida como urbanismo. Arquitetos urbanistas elaboraram propostas, algumas das quais até utópicas, para a implantação de bairros populares para os operários, apresentando qualidade espacial de habitação, com melhores condições de salubridade e infraestrutura urbana.

Entre as propostas urbanísticas mais relevantes, pode ser citada aquela de Ebenezer Howard (1850 – 1928), que buscava o equilíbrio, de forma a propiciar, à população, mais liberdade, em uma vida comunitária renovada, por meio do desenho de novas cidades que tivessem uma estreita relação com o campo, dando origem, na Inglaterra, ao movimento das Cidades-Jardim. Este conceito acabou sendo utilizado, pelo arquiteto urbanista inglês Richard Barry Parker (1.867-1947), para o planejamento dos bairros residenciais do Jardim América e do Alto da Lapa, em São Paulo, construídos pela Companhia City, na década de 1920. Estes bairros foram planejados para o uso estritamente residencial, com o traçado sinuoso das ruas, acompanhando o desnível do terreno, chamado, por isso, de caminho dos burros, bastante arborizados e com muitas praças.

Em 1923, por ocasião do Plano Regional de Nova York e seus arredores, o urbanista e sociólogo Clarence Arthur Perry (1.872-1944), na linha do urbanista Ebenezer Howard, criou o conceito de “plano da unidade de vizinhança" (UV), pelo qual as habitações e os equipamentos urbanos deveriam estar próximos, distribuídos por vias secundárias, com características locais, para preservar a vida comunitária, proporcionando maior segurança aos pedestres, principalmente para as crianças. Este conceito, a partir de 1929, influenciou o planejamento das várias cidades dos EUA e teve reflexo nos planos urbanísticos no Brasil, como da cidade de Goiânia, planejada em 1933, pelo urbanista e paisagista Atílio Corrêa Lima (1901-1943), posteriormente, completada pelo teórico Armando Augusto de Godoy (1876-1944); a cidade de Maringá, planejada por Jorge De Macedo Vieira (1894-1978), fundada em 1947 e, mais tarde, do Plano Piloto de Brasília, planejada em 1957, por Lúcio Costa (1902-1998), como cidade parque, quando foi previsto um amplo cinturão verde no seu perímetro, com estrutura de seu sistema viário hierarquizado, em superquadras, separando e valorizando o domínio do automóvel, que na época, representava o futuro e o progresso, do domínio do pedestre, diferente da rua tradicional. Ainda, em 1928, o arquiteto Clarence Samuel Stein (1882 – 1975), projetou áreas residenciais, com acesso pelas vias secundárias, com ruas em “cut sac”, separando pedestre dos automóveis, por meio dos superblocks.

Também, com base nos conceitos da cidade-jardim, em 1973, em Davis, nos Estados Unidos, o arquiteto ambientalista Michael Corbett, planejou o condomínio Village Homes, com princípios ambientais, como os de conservação de energia, coleta seletiva de lixo, aproveitamento da compostagem, reaproveitamento das águas de chuva, por meio de canais e canaletas de infiltração, utilização de farta arborização, para amenizar a temperatura, a poluição sonora e dos veículos, reduzindo o uso dos mesmos por meio de uma trama de caminhos exclusivos para pedestres e ciclovias, integrados à cidade.

No Brasil, o processo de urbanização, de forma geral, tem permitido a especulação imobiliária, concentrando infraestrutura e equipamentos em áreas mais privilegiadas e mais valorizadas, tolerando a expansão periférica, sem nenhum tipo de controle, pela população economicamente menos privilegiada, gerando um alto custo socioeconômico e ambiental. Muitas vezes, as áreas periféricas são invadidas e transformadas, abusivamente, em loteamentos clandestinos. São áreas ocupadas em locais inadequados ou sem possibilidade para serem destinados aos lotes.

Em alguns casos, são ocupadas áreas de preservação ambiental, sem considerar o relevo existente, os cursos d’águas, as nascentes e a drenagem natural, que se dá em função da declividade e perfil natural do terreno. Também, são erguidas construções, sem respeitar as restrições urbanísticas da lei de zoneamento, ou são edificadas em áreas inadequadas, como encostas e morros, com alta declividade, com o solo de constituição granulométrica e nível de coesão inadequados, onde, pela ação da água de chuva, favorece o deslizamento.

Além disso, em várias regiões há problemas na rede de galerias para o escoamento das águas pluviais, de rede pública coletora de esgoto, assim como, a falta do adequado tratamento dos resíduos, das águas servidas, sendo, às vezes, lançados na sarjeta ou, indevidamente, nos corpos d’água, agredindo o meio ambiente. No fim, tanto os loteamentos clandestinos, que vão se tornando bairros, assim como, as construções clandestinas ou irregulares, acabam, por pressão e interesse político, por serem regularizadas pelo poder público. Estas regularizações se dão, na maioria dos casos, pelo fato de que os bairros vêm sendo delimitados por critérios político-administrativos, existindo o interesse da representação política, para manter o colégio eleitoral, agindo, principalmente, sob demandas de interesses particulares, o que garante poder e influência. Também, o interesse do mercado imobiliário tem interferido no planejamento urbano, nas tendências de valorização de determinadas áreas, proporcionando modificações nos eixos de crescimento, redesenhando os bairros. Desta forma, as áreas acabam sendo ocupadas por tipos construtivos e relativo uso com diferentes níveis de infraestrutura e socioeconômicos.

Com a finalidade básica e essencial de ordenar o espaço urbano destinado à habitação, com qualidade e salubridade, o parcelamento do solo era tratado pelo Decreto-Lei n. 58/37. A seguir, foi promulgada uma legislação mais específica, a Lei Federal n° 6.766-79 - Parcelamento do solo urbano no registro imobiliário - alterada pela Lei n° 9.785/99. Também, foi criada a Lei n° 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação e o Estatuto das Cidades, em 2001. A legislação, ao dispor sobre loteamentos, impõe ao loteador a declaração das restrições urbanísticas, para preservar a harmonia, a salubridade, o bem-estar e o conforto, resguardando a qualidade do loteamento, por meio do padrão das construções.

As restrições urbanísticas, conforme referida Lei, devem ser expostas no Registro de Imóveis e constar no contrato padrão para o conhecimento e interesse de todos. Desta forma, todos os compradores estarão cientes das características e padrão do loteamento, no qual estarão comprando o lote, e que, este padrão será mantido nestas condições por parte de todos, devendo ser respeitadas por todos os sucessores. Outra imposição importante consta no Art. n°4 da mesma lei, o qual dispõe que “as áreas destinadas a sistema de circulação, a implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público, serão proporcionais à densidade de ocupação prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem”.

Nesse contexto, para se proporcionar melhores condições de qualidade de vida e redução de impactos negativos ao meio ambiente, o conceito de ecobairro propõe uma vasta série de questões, a partir do planejamento, por meio do manejo dos recursos econômicos, físicos e energéticos. Uma das questões centrais tem sido a mobilidade urbana, pela qual a ONU (organizações das Nações unidas), em 2013 lançou o plano ”Planning and Design for Sustainable Urban Mobility”, para a redução dos agentes poluentes, privilegiando o ser humano, integrado ao meio ambiente, tendo como prioridade o pedestre. Neste plano são colocados em prática, entre outros, os preceitos do “traffic calming".

Outra questão apontada é importância da vegetação no espaço urbano, visto que é capaz de criar um microclima e que, em relação à atmosfera, tem ação purificadora, por fixação de poeiras, depuração de microrganismos, reciclagem de gases, amenização da temperatura, luminosidade, umidade e controle da velocidade dos ventos. Também, a vegetação proporciona a umidade e a preservação das propriedades do solo, abrigo e alimentação para a fauna do local e o amortecimento do ruído.

Não basta, porém, apenas aplicar conceitos ambientais para requalificar o território. É de fundamental importância a conscientização dos usuários na educação ambiental, os quais devem estabelecer um vínculo de identidade, em relação ao ambiente em que vivem e que, em defesa da manutenção de qualidade do bairro e por consequência de vida, devem buscar os próprios direitos. Para isso, é preciso, além da qualidade do projeto arquitetônico e do desenho urbano, a educação ambiental, por meio do acesso a informações sobre o funcionamento do ecobairro, a participação nas decisões e a atuação, tanto pessoal como comunitária, desde o projeto arquitetônico da própria residência, de forma sustentável, incluindo a calçada ecológica, plantio de árvores, reciclagem de materiais, coleta seletiva e optando sempre por produtos ecologicamente corretos.

Para orientar e medir, por meio de uma série de indicadores, o desempenho da qualidade de vida relacionada ao desenvolvimento sustentável, em comunidades urbanas, existe a Norma Técnica da ABNT, NBR 7120/2017 – Desenvolvimento sustentável de comunidades — Indicadores para serviços urbanos e qualidade de vida, que é uma tradução da ISO 37120/2014 - Sustainable development of communities - Indicators for city services and quality of life.

Há também as certificações ambientais, como do LEED ND (Leadership in Energy Environmental Design for Neighborhood Development), dos Estados Unidos, a AQUA BAIRROS, da Fundação Vanzolini, que se reporta ao processo desenvolvido pelo órgão francês de certificação de empreendimentos habitacionais, Démarche HQE, voltado para novos empreendimentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O bairro pode ser considerado uma unidade territorial de uma cidade e a sua população, que apresenta um vínculo de identidade com ele, ao ser educada e esclarecida, pode agir para que o território se torne uma área funcional do ponto de vista ecológico, colaborando, desta forma, na definição e gestão de políticas urbanas mais eficientes, do ponto de vista ambiental. Importante é que se entenda que as ações não sejam tomadas, exclusivamente, de forma a visar a valorização dos imóveis ou a elitização do bairro.

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Colaboração técnica

 
Claudio Dulcinoti Roda — Diplomado Geometra (Italia), Arquiteto e Urbanista pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo – Pós graduação – LATU SENSU – Especialização em Segurança e Higiene do Trabalho – CENAP – FAAP (Faculdade Alvares Penteado) – Patologia e Terapia das Construções – FUPAM – FAUUSP – São Paulo-SP. Master em Europrogettazione –Centro Studi R&S Europei – Pós graduado em Direito Imobiliário – CEA – FMU (Faculdade Metropolitanas Unidas). Mestrado Profissional na área da Habitação – IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo).