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Tintas Naturais para Edificações

Claudio D. Rodá, Mestre em Habitação, Tecnologia em Construções de Edifícios pelo IPT

Publicado em: 24/09/2021

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

Coordenação técnica: Adriana Camargo de Brito
Comitê de revisão técnica: Adriana Camargo de Brito, Cláudio Vicente Mitidieri Filho, José Maria de Camargo Barros, Luciana Oliveira e Maria Akutsu
Apoio editorial: Cozza Comunicação

Tintas Naturais para Edificações
(Foto: Claudio D. Rodá/IPT)

24/09/2021 | 17h10 - Nos últimos anos, a preocupação com a saúde e o meio ambiente tem levado a um maior interesse na utilização de produtos ecológicos. Nesse sentido, as tintas naturais tendem a ganhar espaço novamente na construção civil.

As tintas naturais são compostas por matéria primas, sem a inclusão de substâncias originadas de processos derivados da petroquímica ou de transformação da indústria química. Para que a tinta natural seja adequada ao meio ambiente, são observados critérios específicos que visam a redução de impactos nocivos ao meio ambiente, durante o todo o seu ciclo de vida.

Dentre os critérios “ecológicos” mais importantes, podem ser citados: a utilização de matéria prima renovável; a redução de riscos ambientais, como a formação dos compostos orgânicos voláteis (VOC) e dos hidrocarbonetos aromáticos voláteis (HAV), materiais pesados, substâncias perigosas ou tóxicas; a minimização dos resíduos, dentre outros.

Tintas Naturais para Edificações
Produção de tinta natural no IPT (Foto: Claudio D. Rodá/IPT)

As tintas naturais mais utilizadas, até os anos 60, por exemplo, eram feitas à base de cal, têmperas, à óleo, lacas, ceras, aplicadas em vários tipos de superfícies, tanto em áreas internas como externas.

1. Pinturas à base de Cal

Talvez, a mais tradicional e conhecida. É uma mistura de cal hidratada com pigmentos e outros produtos que colaboram nas suas características e qualidade.

Pode ser aplicada em superfícies internas e externas, com substrato preparado à base de cal, pedras ou cimento, ou que foram tratadas precedentemente com tintas à base de cal. Não pode ser aplicada sobre superfície com pintura a base de água como látex PVA (Acetato de Polivinila), acrílica, ou resina epóxi, que formam películas.

Na preparação da tinta é preciso considerar os itens a seguir:

• A qualidade da cal (a melhor é de origem calcítica, por ter baixa concentração de óxido de magnésio e obtida por meio de temperaturas entre 850°C e 900°C);

• Proporção e preparação da mistura com diluição na água (relação de 2 partes de água e uma parte de cal) com a temperatura da água entre 20°C e 30°C;

• Os pigmentos devem ser estáveis à luz, resistentes à ação cáustica da cal (os mais indicados são de origem mineral), com no máximo 10% do peso da cal e devem ser diluídos no leite da cal ou em pouca água, antes de serem misturados à mesma;

• Deve-se aplicar 2 demãos, no mínimo, com intervalo, de 24h entre elas;

• As duas camadas de tinta devem ser aplicadas de forma cruzada . Para evitar variações de tonalidades e de cobertura, é preciso manter constantemente a tinta em suspensão, no recipiente, mexendo a mesma antes de molhar o pincel;

• Logo após a aplicação, sua superfície se apresenta pulverulenta, sendo que o endurecimento (processo de carbonatação), que se dá pela presença do ar (anidrido carbônico), é lento, acontecendo primeiramente nas partículas externas para chegar às internas;

• Por ser considerada da família das tintas “difusivas”, pelo efeito definido “têmpera”, na medida que escurece, vai clareando e aumentando seu poder de cobertura;

• Após sua aplicação, a tonalidade da cor diminui entre 30% a 50%, sendo importante fazer um teste da tinta antes de usá-la;

• Apresenta a vantagem de não formar película, ser “transpirante” (difusiva) e bactericida, além de apresentar elevada luminosidade e o envelhecimento com aspecto “antigo”;

• Para melhorar as características da tinta à base de cal, podem ser adicionados outros produtos, sempre mantendo a proporção máxima de 10%; Exemplo de produtos fixativos utilizados são: leite, queijos, gema e claras de ovos, colas animais e óleos vegetais secativos;

• A cal é cáustica, sendo importante proteger mãos e olhos durante a sua utilização.

2. Tintas à base de têmpera ou à base de colas 

São as tintas naturais que têm uma variedade de efeitos cromáticos. Não são adequadas para a pintura de área externas, por serem mais facilmente deterioradas por umidade e proliferação de mofo; são usadas para criação de efeitos estéticos de decoração, pois permitem retoques com certa facilidade.

Para a sua utilização, é importante a preparação da base, quase sempre da cor branca, podendo ser obtidas basicamente de três formas:

• Misturando o pigmento (mineral ou vegetal) com água e com aglutinante (método mais antigo);

• Misturando o pigmento com água, pintando a parede e, uma vez seca, fixar o pigmento por meio da aplicação de aglomerantes à base de cola vegetal (alguns autores aconselham preparar o substrato com uma demão de leite);

• Misturando o pigmento com cola vegetal e, no momento de pintar, misturar com água;

Os pigmentos são dissolvidos em diversos tipos de soluções, que podem ser caseína, leite, vários tipos de colas (que contêm proteínas ou amidos), óleos e ácido salicílico, ou acético (vinagre), ajudando no bloqueio da fermentação.

Neste tipo de tinta, é aconselhável preparar o substrato com leite ou cola de amido (misturando 125 g de amido a 1 litro de água fria e depois ferver por 5 minutos), ou sabão de coco (150 g de sabão dissolvido em 1 litro de água). É importante evitar várias demãos, para não ocorrer o efeito de “craquelamento” da superfície.

Entre as receitas de têmperas antigas, as mais utilizadas eram:

2.1 Tinta de leite

Pode ser preparada com leite ou com a caseína (para melhorar a impermeabilidade), sendo ideal misturar com pequenas doses de ácido salicílico.

Esta tinta pode ser utilizada para áreas internas ou externas e produz um efeito final em tons delicados e transparentes.

Para diminuir a rigidez da tinta, alguns autores (Forti, 2002) sugerem a inclusão de pequenas quantidades de óleo ou cera.

O substrato ideal deve ser à base de cal e areia, devendo estar bem seco, sendo aplicada com pincel em duas demãos, com intervalo de 24 horas.

O leite pode ser usado frio, sendo que, neste caso, preserva todas as suas qualidades de adesão mas, em função da gordura, ao reagir com o oxigênio, altera a tonalidade da cor. Pode ser usado após ter sido fervido, por várias vezes, sendo que, neste caso, perde qualidade com relação à aderência, mas preserva a tonalidade das cores.

Para preservar o composto contra a agressão de fungos ou bactérias, pode ser usado o ácido salicílico.

2.2 Tinta de cerveja 

A tinta é preparada pela mistura do pigmento minerais ou corantes vegetais com cerveja e pode ser aplicada tanto em paredes com substrato de argamassa ou sobre madeira. Como tem características permeáveis, após sua secagem, deve-se passar um impermeabilizante na superfície, do tipo laca, cera, ou clara de ovo.

2.3 Tinta de massa de farinha (cola de tanoeiro) 

Só pode ser utilizada para paredes que não apresentem sinais de umidade e bolor. O aglomerante é feito a partir de uma quantidade adequada de farinha (a proporção recomendada é de 1 parte de farinha para 25 partes de água), dissolvida em água fria, até se conseguir formar uma pasta livre de grumos. Durante a mistura, acrescenta-se água quente até se produzir uma cola de farinha parecida com geleia, sem grumos. Essa cola é misturada com o pigmento dissolvido em água, até se transformar numa pasta espessa, na qual se acrescenta água ou cola, até que a tinta tenha um poder de cobertura adequado e que seja fácil de aplicar sem descascar.

2.4 Têmpera de ovo e óleo

É uma tinta resistente e impermeável que exige uma base resistente químico-física e mecânica, capaz de resistir contra choques, agentes agressivos e absorver deformações. Pode ser utilizada para áreas internas e externas, sendo ideal para aplicação em superfícies de madeira.

Os ingredientes são: uma parte de ovo (completo com clara e gema); uma parte de óleo de linhaça fervido (verniz de linhaça), na função de ligantes, a 1 parte de água; uma parte de vinagre, ou substância que contenha álcool para obter ação bactericida.

No preparo, inicialmente, batem-se os ovos muito bem com a mesma quantidade de óleo de linhaça. Depois acrescenta-se a água, aos poucos, continuando a misturar, de forma que a água e o óleo de linhaça formem uma mistura visualmente homogênea.

Os pigmentos minerais ou vegetais, devem ser muito bem misturados com o ligante para formar uma massa espessa. A secagem desta tinta se dá, aproximadamente, em 2 horas.

2.5 Tinta à base de silicatos

Por solidarizar-se com a camada do substrato, não forma película e acompanha melhor a deformação do mesmo, sendo, portanto, difusiva e mais resistente que a cal.

Apresenta alta resistência aos ambientes corrosivos, é bactericida, ajuda na impermeabilização da superfície, mantém a tonalidade de cor brilhante e constante, sem amarelar, nem esfarelar e é resistente contra o fogo. A mais utilizada, atualmente, é à base de silicato de potássio.

No Brasil, se apresenta sob forma de bicomponente, sendo necessária a utilização de catalisador.

2.6 Pintura à óleo

Nesta técnica, os pigmentos ou corantes são misturados a óleos de origem vegetal, que têm a propriedade de secagem rápida e, por isso, são chamados de secativos.

Estes óleos são constituídos de alta porcentagem de ácidos grassos insaturados e sua secagem (oxidação) se dá na presença do ar e muita luz, pela reação com o oxigênio atmosférico.

As tintas devem ser aplicadas sobre a superfície, sempre no mesmo sentido e direção, por demãos muito finas (2 ou 3 no máximo), contendo óleo de linhaça em proporção de 1 litro para, no máximo, ½ kg de pigmento.

Esta tinta, aplicada em acabamento à base de cimento, apresenta a tendência de amarelamento.

2.7 Tinta de óleo de peixe 

Os ingredientes (cabeças, peles, cartilagens vísceras e barbatanas) devem ser fervidos em água, para obter-se o óleo (rico em ácido graxos) e, então, adiciona-se o pigmento, mexendo continuamente a mistura. A tinta é gelatinosa, formando uma superfície e aparência irregulares e apresenta-se impermeável e brilhante.

2.8 Tinta à base de cera

Usada desde a antiguidade, é uma das tintas mais impermeáveis e duráveis, com a capacidade de acompanhar eventuais movimentações do substrato, portanto flexível.

Na prática, a utilização da cera como ligante pode ser considerada um tipo de têmpera e apresenta as seguintes características:

• Não é atacada pelos ácidos;
• Não se oxida com oxigênio;
• Não é inflamável;
• Não se torna amarela;
• Pode apresentar brilho intenso quando lustrada;
• Possibilita a utilização de corantes

A cera pode ser utilizada tanto a frio quanto a quente, sendo esta última chamada de “Encausto”, termo usado pelos antigos gregos, que significa queimar. Esta técnica ficou no esquecimento e até hoje é desconhecida, mesmo com muitas tentativas para reproduzir seus efeitos.

Uma das receitas mais recentes e utilizadas é de Frazzoni, com os seguintes ingredientes: uma parte de cera de abelhas, cortadas em pequenos pedaços; para aumentar resistência e brilho, pode-se misturar a cera de carnaúba e três partes de óleo essencial ou resina damar (Vitrúvio fala em óleo secativo).

No preparo, deve ser aquecida em banho-maria para que o óleo evapore e, a seguir, devem ser adicionados os pigmentos em pó. A mistura é aplicada na superfície com uma espátula. A seguir, passa-se o ferro quente e é lustrada com pano ou luva de lã.

A cera do tipo goma-laca pode ser utilizada como verniz puro, para madeiras e metais. Existe no mercado, já pronta, mistura de ceras naturais de abelha, carnaúba e de candelila, que é bastante dura e tem a propriedade de aumentar a proteção da superfície contra a umidade.

Considerações Finais

O Brasil apresenta grande riqueza natural e biodiversidade sendo, portanto, propício para desenvolver tintas naturais, não convencionais e com qualidade adequada. A tinta com produtos naturais, além de ser composta por elementos que não causam danos ambientais, geralmente não provocam problemas alérgicos, respiratórios ou cancerígenos.

Em função do custo mais baixo da matéria prima, as tintas naturais podem resultar na redução dos valores finais da produção das moradias. Por ter sido utilizada com sucesso durante milhares de anos, retomando-se as técnicas antigamente utilizadas, é perfeitamente possível obter produtos de qualidade adequada, com grande variedade de acabamento, textura e cores.

Na comparação dos custos dos produtos de tinta para uso imobiliário derivados da petroquímica em relação àqueles derivados da natureza, deve-se considerar que o custo total da tinta não é somente aquele relativo ao produto final da compra, na loja, e de sua aplicação, mas também aquele necessário para eventual ressarcimento dos danos causados à saúde, ao meio ambiente e ao reparo de patologias que possam ocorrer na edificação.

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RATTAZZI, A. Conosci il grassello di calce, Monfalcone: Edicom, 2007

RIFFAULT, TOUSSAINT, VERGNAUD et MALEPEYERE (par), Nouveau Manuel Complet du peintre en bâtiments, vernisseur, vitrier et colleurde papiers de tenture, Encyclopédie Roret, Paris 1924.

RODÁ, D. C. Tintas naturais para edificações: componentes e técnicas de aplicação, 2006. 244 f. Dissertação de Mestrado, IPT (Instituto de Pesquisa Teconológicas de São Paulo, Tenologia em Construções de Edifícios. São Paulo, 2006.

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VITRUVIO, M.P. De architectura. LibriX. Traduzido por Bossalino Franca; Nazzi Vilma. Roma:Kappa, 2002.

Colaboração técnica

 
Claudio D. Rodá — É arquiteto pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo, Mestre em Habitação, Tecnologia em Construções de Edifícios pelo IPT, com especialização em Engenharia de Segurança e Higiene do Trabalho, pós-graduado em patologia das edificações.