A nova Lei de Zoneamento Urbano foi sancionada em 23 de março pelo prefeito da cidade de São Paulo, Fernando Haddad, após muita discussão na Câmara dos Vereadores, com inúmeras audiências públicas para garantir a participação popular. A cidade já tinha uma lei de zoneamento, mas houve necessidade de revisá-la para adequação ao Plano Diretor Estratégico promulgado em 2014.
É correto afirmar que uma lei criada para organizar o espaço urbano de uma megalópole como a capital paulista não teria aceitação unanime, especialmente pelo caráter heterogêneo da população e os múltiplos interesses dos habitantes e de quem tem atividades empresariais na cidade. Para exemplificar a magnitude da capital paulista, se São Paulo fosse um país teria um PIB maior que de Portugal, portanto, qualquer interferência na dinâmica da cidade, especialmente em seu modo de organização, como o zoneamento, traz consigo algumas resistências.
Dentre as alterações impostas pela nova lei está a consagração das Zonas de Interesse Social (Zeis), cuja instituição deu-se com o advento do Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001).
As Zeis têm por fundamento criar microrregiões para a construção de moradias populares tendo subclassificação em cinco categorias.
A Zeis 1 se caracteriza por áreas ocupadas pela população de baixa renda. Inclui favelas e loteamentos irregulares e alguns conjuntos habitacionais, construções irregulares predominantemente. A Zeis 2, por sua vez, é composta por áreas vazias e destinadas à produção de habitação de interesse social para atender a população com renda de três salários a seis salários mínimos. A terceira Zeis se forma como uma região com imóveis ociosos, deteriorados ou cortiços, em regiões com infraestrutura urbana consolidada, cujo objetivo é recuperar as moradias e fixar a população no local, aproveitando a estrutura urbanizada pré-existente na região.
A Zeis 4 forma-se por regiões vazias, em áreas de mananciais em que é permitido construir, mas com uma característica diferente, para exclusivamente reassentamento de famílias que já habitam tais localidades. E, por fim, a Zeis 5, criada no Plano Diretor Estratégico, abrange áreas destinadas que visam atender o mercado popular de construção civil. Serão entregues para a iniciativa privada explorar através de programas governamentais, para atender famílias que ganham de três a dez salários mínimos.
Essas Zeis têm por fundamento os mandamentos constitucionais ligados à garantia à habitação e condição digna de habitação. Ao instituí-las junto com a nova Lei de Zoneamento Urbano, o Estatuto da Cidade consagra estes nobres objetivos.
Todavia, verifica-se algumas inconsistências na distribuição dessas Zeis, como a criação de uma área onde deveria ser essencialmente de preservação ambiental. Tome-se por exemplo o Parque dos Búfalos, localizado no extremo Sul de São Paulo, local de nascentes de rios, fazendo parte do complexo do manancial da represa Guarapiranga, por suas características geográficas e a evidente necessidade de preservação da área, especialmente pela notória crise hídrica que tende a se agravar em São Paulo. Essa área deveria fazer ser indicada como Zona Especial de Preservação Ambiental, entretanto para espanto dos ambientalistas e urbanistas, boa parte da mesma será destinada para assentamento de famílias através do programa “Minha Casa Minha Vida”.
Outra questão objeto de polêmica e de amplos debates nas audiências públicas que antecederam a aprovação da Nova Lei de Zoneamento Urbano na Câmara dos Vereadores, foi o subtipo Zeis 5, que não fazia parte da antiga lei de zoneamento ou do Plano Diretor. Tal subtipo vem sendo objeto de resistência de moradores e associações de bairros, dentre outros.
A resistência é justificada pela distorção da inclusão social e possibilidade de conceder moradia digna a quem não teria condições financeiras. Porém, a Zeis 5 foi aprovada no seguinte formato: a iniciativa privada, especialmente os grandes incorporadores imobiliários, podem explorar áreas ou provadas, a serem desapropriadas, “subutilizadas”, obtendo incentivos fiscais para a construção de empreendimentos voltados à população com renda entre seis e dez salários mínimos, ou seja, se projeta a construção de conglomerados de edifícios para a exploração das grandes construtoras.
A crítica que se faz é que além de se descaracterizar a pretensa inclusão social das Zeis, pois quem tem renda entre R$ 4.500,00 e R$ 8.800,00 não pode se considerar habitante de baixa renda, se evidencia que tais áreas serão entregues para a especulação imobiliária.
Sob esse aspecto, nota-se que não se leva em conta o impacto que o adensamento demográfico pode causar em determinadas regiões, o aumento do trânsito, da poluição ou o aparelhamento dos bairros com equipamentos públicos, de modo a dar qualidade de vida a quem já está fixado.
A zona Sul, por exemplo, vem sofrendo com profundas intervenções em seu traçado original nos últimos anos. Cita-se a Operação Urbana Água Espraiada, que está para ser concluída neste ano, com a inauguração das pontes Laguna e Itapaiuna, além da região da Avenida João Dias e do término da extensão da Avenida Chuckri Zaidan. A despeito de todo o impacto negativo de todas essas obras viárias, como aumento do trânsito, poluição sonora, retirada de diversas árvores nativas e extinção de área permeáveis. A nova Lei de Zoneamento Urbano delimitou algumas áreas como Zeis, dentre elas o terreno público localizado na Rua Luiz Seraphico Junior, área equivalente ao tamanho de um parque ou grande praça e que será transferido para a iniciativa privada para a construção de conjunto de condomínios residenciais, impactando o já tumultuado bairro com mais pelo menos três mil famílias.
Os moradores da região se organizaram para modificar a designação desta Zeis 5. Pleitearam junto ao Poder público a criação de um parque, que atenderá a toda comunidade da região como compensação ambiental pelo advento das obras viárias, inclusive criando uma associação denominada Nosso Parque.
A Nova Lei de Zoneamento Urbano traz consigo inúmeros avanços e movimentos no sentido de incluir e proporcionar aos menos favorecidos a possibilidade de habitar nossa metrópole de forma digna. Entretanto, ‘erra a mão’ ao implantar as Zonas de Interesse Social em áreas de necessária proteção ambiental, bem como sem considerar as necessidades preliminares dos habitantes já fixados nessas regiões, sem implemento de creches, escolas, praças e parques, lançando apenas a delimitação para fixar novos moradores nestas regiões que precisam se reestruturar e conceder condições de habitabilidade para todos antes de receber grandes conglomerados.
A realidade de uma região não se modifica apenas sob a égide da letra fria da lei. Ela provoca mudanças e transformações com a participação popular e o necessário olhar da igualdade. O Poder público deve se sensibilizar com as necessidades do coletivo, as interferências na geografia e com a demografia da nossa megalópole. Deve considerar as aspirações de toda a população, uma vez que este é o caminho para uma São Paulo mais acolhedora, uma cidade verdadeiramente para todos.