De uns anos para cá, a atividade da construção civil, seguramente, passou por um período de grande evolução. Não bastassem o grande número de edifícios novos e o boom do mercado imobiliário, é certo que o próprio Governo Federal tem estimulado o setor, posto que, além das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), também a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos de 2016 podem ser considerados importantes fatores para o incremento daquela atividade.
Como consequência do grande número de obras de engenharia civil – públicas ou privadas, tanto faz –, o número de vagas e oportunidades de trabalho também têm tido um aumento considerável. Todavia, faz-se necessário mencionar que a construção civil é, por excelência, uma atividade extremamente perigosa.
Com efeito, segundo o último levantamento feito pela Previdência Social (em 2011), a construção civil é o segundo setor com o maior número de mortes em acidentes do trabalho no País (o “campeão” é o setor de transporte rodoviário de cargas).
É evidente que essa estatística não é motivo de orgulho. Muito pelo contrário, trata-se de causa de grande preocupação. Daí, então, é que as autoridades encarregadas de zelar pela segurança no trabalho têm buscado soluções e formas para diminuir aqueles números.
Nesse sentido, cabe ao Poder Público tornar mais eficiente a fiscalização dos canteiros de obras, independentemente do valor das multas a serem aplicadas. Contudo, é evidente que o empresário do setor também pode ajudar a diminuir nossas tristes estatísticas, sendo certo que, para tanto, basta seguir à risca as normas técnicas a respeito e, ainda, não só fomentar a contratação de engenheiros especializados em segurança do trabalho como também promover a realização de cursos e palestras sobre o tema aos seus funcionários.
De toda forma, é bom deixar claro que, como regra, um acidente grave — sobretudo quando houver uma vítima fatal — ocorrido em um canteiro de obras faz surgir, no mínimo, duas consequências jurídicas relevantes:
a) a primeira é o comparecimento, no local, de um auditor fiscal do Trabalho (cargo ligado ao Ministério do Trabalho e Emprego), cuja função, basicamente, é verificar o cumprimento, por parte das empresas, da legislação de proteção ao trabalhador. Além de vistoriar a obra, poderá também o fiscal determinar a paralisação dos trabalhos e, eventualmente, multar a empresa no caso de descumprimento de alguma norma técnica inerente à legislação de proteção ao trabalhador.
b) a segunda, por sua vez, é a apuração do fato tanto pelo Órgão de Fiscalização do Trabalho, como também, e principalmente, pela polícia.
No que toca à apuração da polícia, a medida inicial a ser adotada será a instauração de um inquérito policial. A partir daí, a polícia civil passará a investigar o fato. Ao longo das investigações serão examinados diversos fatores, tudo para se tentar buscar a dinâmica e as causas do acidente.
No curso do inquérito policial, as oitivas de funcionários, engenheiros e outras pessoas relevantes à investigação podem se revelar provas importantes na apuração dos fatos. Entretanto, o laudo pericial do local, ou seja, o estudo e a análise do sítio dos fatos, de forma a tentar recuperar a dinâmica dos fatos e entender as razões do ocorrido é, sem dúvida, um dos elementos mais importantes da investigação.
Contudo, para que a perícia seja eficaz e atinja seus resultados, faz-se necessário que a Polícia Militar, assim que comunicada após o acidente, compareça à obra e lá permaneça para preservar a área e assim evitar que possíveis vestígios do fato sejam alterados. Importante mencionar que a alteração (dolosa) do local dos fatos pode, dependendo da hipótese, caracterizar o crime de fraude processual, previsto no artigo 347, do Código Penal, cujas penas variam de três meses a dois anos de detenção, podendo ser dobradas “se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal”.
Em suma, o que a Polícia Civil busca apurar é se o fato foi culposo, doloso ou se tudo não passou mesmo de um lamentável acidente, fruto do acaso ou de culpa exclusiva da vítima.
Pois bem, limitando a análise apenas aos casos de acidentes fatais ocorridos em um canteiro de obras, é certo que, basicamente, dois são os delitos que podem surgir ao final das investigações, quais sejam: homicídio doloso ou homicídio culposo.
Mas, em casos que tais, quem, ao cabo de contas, seria o responsável sob a ótica do Direito Penal? Inicialmente, insta ressaltar que a responsabilidade criminal é pessoal e intransferível, ou seja, não é a “empresa de engenharia” (pessoa jurídica) que responde criminalmente por eventuais acidentes de trabalho, mas sim seus funcionários e/ou diretores.
Partindo desse princípio, é bom deixar claro que, em casos que tais, a responsabilidade criminal recai, inicialmente, nos ombros da pessoa diretamente responsável pela segurança de trabalho. Provavelmente, será ela a primeira a ser convocada pela Autoridade Policial para prestar seus esclarecimentos.
Tal se justifica porque, salvo raras exceções, os acidentes (fatais ou não) na construção civil decorrem de algum descuido quanto à observância das regras de segurança do trabalho.
Contudo, é evidente que a responsabilidade penal também pode alcançar tanto o mestre de obras quanto o engenheiro responsável. Independentemente de quem seja o responsável, é inegável que, em grande parte dos acidentes fatais ocorridos na construção civil, as causas estão ligadas ou a alguma falha no projeto ou então à ausência ou ao uso incorreto dos Equipamentos de Proteção Individual – EPIs.
Na prática, é bom que se diga que as causas mais constantes estão relacionadas, de fato, à falta ou ao uso inadequado dos EPIs. Com efeito, a prática revela que, por vezes, é o trabalhador que se recusa a utilizá-lo, apesar de a empresa ter fornecido tudo o que era preciso para um trabalho seguro. Já em outras oportunidades, é a empresa que não fornece ou, então, fornece EPIs vencidos, desgastados ou impróprios.
Aliás, no caso específico em que a obra é tocada sem o devido e necessário fornecimento dos EPIs aos funcionários, vale mencionar que a responsabilização criminal do agente pode ocorrer mesmo sem qualquer acidente na obra. É que, ao menos em tese, o engenheiro responsável que assim atua pode vir a praticar o crime previsto no art. 132, do C.P. (expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente – Pena: detenção de 3 meses a 1 ano, se o fato não constitui crime mais grave). Entretanto, se e quando houver um resultado mais grave (lesão ou morte), o crime do artigo 132 deixará de ser aplicado para que, em seu lugar, surja o chamado “crime de dano” que, no caso, será ou o homicídio (doloso ou culposo) ou o delito de lesão corporal (doloso ou culposo).
Vale frisar, por relevante, que, como regra, a responsabilização criminal pelos acidentes fatais ocorridos na construção civil se dá na modalidade culposa. De fato, nesses casos (acidentes que resultem em morte), o homicídio seria tipificado como crime culposo (art. 121, § 3º - Pena: detenção de 01 a 03 anos), e, ainda, seria analisada a aplicação da causa de aumento de pena prevista na primeira parte do § 4º, do artigo 121, do C.P. (“no homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício...”).
Positivamente, o crime doloso, dentro desse contexto é verdadeira exceção, posto que, como regra, o responsável direto pela obra, mesmo nas vezes em que não fornece os EPIs, não deseja que o acidente ocorra e nem, muito menos, que sobrevenha o resultado mais grave (óbito).
Porém, caso surja alguma situação que denote alta probabilidade de dano, vale dizer, algo tão intenso que permita afirmar que o acidente é quase certo e que, por isso, houve verdadeira assunção de risco por parte do responsável, a hipótese pode descambar para o dolo eventual (ex: o engenheiro determina a um funcionário que trabalhe na laje do 20º andar de um prédio em construção, próximo da beirada, sem o uso do cinto trava-quedas); o que justificaria a punição, caso reconhecido o crime pelo Júri popular, ou com esteio no caput do artigo 121 (homicídio doloso, cuja pena é de 06 a 20 anos de reclusão), ou, então, a depender da situação fática, com base no §2º do artigo 121 (homicídio qualificado, cujas penas variam entre 12 e 30 anos de reclusão).
Em restando caraterizado o crime, seja ele culposo ou doloso, muito embora a pessoa jurídica não possa ser responsabilizada na seara penal, certo é que, na esfera trabalhista, a história é bem diversa. De efeito, havendo provas claras de que a negligência ou descaso do responsável foi uma das causas do acidente, a empresa ficará sujeita ao pagamento de pesada indenização à família da vítima. Mas, para que fique bem claro, não é porque um acidente fatal ocorreu no canteiro de obras que, necessariamente, haverá alguém a ser punido.
Ora, se, ao final das investigações ficar demonstrado que não houve desídia de quem quer que fosse e nem, muito menos, imprudência, negligência ou imperícia de qualquer responsável técnico ou engenheiro, mas sim, e apenas, ato impensado ou equivocado que tenha sido praticado pelo próprio acidentado ou, então, que tudo não passou de um triste acidente, o inquérito policial, fatalmente, será arquivado a pedido do Ministério Público.
Se as investigações apontarem, ao final, que não há como se atribuir “culpa” a qualquer funcionário, é forçoso reconhecer que tal entendimento transcende para a esfera trabalhista. Sendo assim, ou a empresa ficará livre de qualquer responsabilidade ou, pelo menos, terá sua culpa “atenuada”, o que acarretará uma sensível redução no valor da indenização a ser paga.
Portanto, as provas produzidas no curso de um inquérito policial podem repercutir na esfera trabalhista, ou a favor ou contra o empresário.
Por derradeiro, cumpre ressaltar que o acidente de trabalho, por óbvio, pode e deve ser evitado. Entretanto, é evidente que reduzir os casos a zero é algo utópico, verdadeiramente impossível, já que o ser humano comete erros. Porém, se a empresa e os seus engenheiros adotarem regras padrões já existentes para evitar os acidentes, sempre com a efetiva fiscalização, bons resultados serão colhidos e o número de acidentados, certamente, irá diminuir. Dentro desse contexto, tanto o fornecimento dos EPIs a todos os funcionários quanto a conscientização de que a segurança no trabalho depende, principalmente, do uso correto daqueles equipamentos, são medidas que podem salvar muitas vidas na construção civil e assim reduzir as tristes estatísticas do setor.