Cimento, areia, ferro e muita mão de obra. Esse tem sido o coração do setor de construção civil há anos. Embora já tenha sentido os efeitos da engenharia financeira nas últimas duas décadas, a indústria ainda não fincou os pés na nova fronteira do conhecimento global: a tecnologia.
Estudo feito pela consultoria McKinsey, em 2015, deu o tom. A indústria da construção civil é a segunda pior quando o assunto é solução digital. Ou seja: se as companhias sabem – como poucos – otimizar canteiros de obras, incorporar financiamentos engenhosos e atrair os clientes com plantas flexíveis, o mesmo não se pode dizer na hora de conectar a tecnologia ao centro do negócio.
Mas nem tudo está perdido. Muito pelo contrário. As ConstruTechs chegaram e cada vez mais começam a tomar corpo no setor. São novas empresas, muitas vezes ligadas a tradicionais grupos da construção civil, mas que estão preocupadas com o desenvolvimento de novos materiais, serviços e soluções, com um olhar até de urbanização em direção ao entorno onde está localizado o empreendimento. Enfim, é um novo jeito de encarar um negócio que é responsável por dar força às economias de qualquer país.
Em 2015 tive a oportunidade de acompanhar de perto um projeto com um cliente de uma empresa sediada em Belém (PA) para pensar e desenhar a inovação voltada para o setor da construção civil. Esse trabalho de consultoria de inovação entregou resultados desde o mapeamento do ecossistema da empresa, passando pela criação de laboratórios de inovação internos para, finalmente, implantar processos inovativos que desencadearam dois serviços que ofertam inteligência, gestão de obras e produtividade. O case comprova que é possível transformar velhos modelos com benefícios de alta capilaridade.
No entanto, enfrentamos barreiras ainda muito solidificadas no setor que é muito tradicionalista mundialmente. Podemos elencar características como: cadeia produtiva altamente fragmentada (que inibe a liderança transformadora); baixo nível de treinamento (somado à escassez de soft skills necessárias na execução de papéis e funções estratégicas); baixa colaboração entre construtores e fornecedores (que reduz o potencial de ganhos múltiplos); e investimento insatisfatório em processos e gestão. No Brasil, especificamente, não podemos esquecer da baixa qualidade dos projetos, excesso de regulamentações e altíssima carga tributária.
A inovação está disponível, mas o setor – que ocupa espaço relevante na economia nacional – resiste a incorporar processos novos de produção para finalmente entrar e deslanchar no século 21. De acordo com a pesquisa realizada pela PwC Brasil, a inovação foi considerada uma força de transformação, enquanto os investimentos em tecnologia praticamente dobraram nos últimos anos. Porém, o setor ainda é muito relutante ao aplicá-los.
Tecnologias como Machine Learning, Impressão 3D, robótica, Realidade Virtual, IoT, BIM e tantas outras estão cada vez mais presentes nos canteiros de obras pelo mundo.
Em artigo publicado no Diário de Pernambuco, Daniel Almeida, que atua na plataforma de geração de startups do CESAR, o histórico de baixos investimentos em inovação é agravado pela falta de políticas adequadas de desenvolvimento tecnológico e por cortes na área de pesquisa.
Ele afirma que a resistência à adoção de novas tecnologia também está relacionada ao alto investimento e ao ciclo produtivo longo. No pior cenário avaliado – quando uma obra pode levar até 10 anos para ser concluída –, os custos de implementação de novas tecnologias e o desconhecimento sobre os seus resultados econômicos e operacionais são inibidores de inovação digital.
Felizmente, a transformação digital se faz mandatória – muito acelerada pela crise mundial em decorrência da pandemia da Covid-19 – e já enxergamos um movimento de grandes empresas, construtoras tradicionais (e também de incorporadoras) em direção à construção 4.0.
Algumas iniciativas são o MitHub – lançado pela Cyrela em 2018 e destinada a fomentar o empreendedorismo no mercado imobiliário e na construção civil – e, mais recentemente, o NextFloor, plataforma de inovação que estabelece canal direto com empreendedores e startups.
Além disso, os programas de inovação aberta estão impulsionando o caldeirão de soluções para a construção civil, tais como o Vetor AG, da Andrade Gutierrez, e os Labs e hubs de inovação criados a partir de parcerias (como o OKARA Hub da Engeform, o HousinPact da ArcelorMittal e o LAB da MARV também em Minas Gerais). Todas essas iniciativas reforçam o objetivo de fomentar a inovação e o empreendedorismo no setor, unindo empresas, organizações, empreendedores e centros de conhecimento e tecnologia.
Temos um amplo mercado e muito espaço para desenvolver projetos inovadores para o setor e com alta demanda em regiões como Norte e Nordeste. Com movimentos identificados que começam a ser percebidos pelo mercado, acendem o alerta de investidores e articuladores de parcerias e ativação do ecossistema de inovação voltado à construção civil para, finalmente, romper as barreiras culturais e aproximar de fato as construtoras das soluções e tecnologias disponíveis.
As parcerias e oportunidades já existem e queremos apoiar o mercado de construção civil em seu processo de transformação real – ainda que digitalmente.