A população do Rio de Janeiro sofreu com os problemas provocados pela maior chuva já ocorrida em um único dia: 288 milímetros registrados em 24 horas pela Defesa Civil Municipal, no dia 6 de abril de 2010. Foram mais de 200 mortes e cerca de 14 mil desabrigados, devido a deslizamentos de terra e enchentes, segundo informações divulgadas pelas autoridades municipais. A grande questão colocada por mais essa tragédia é como evitá-las ou minimizá-las ao máximo. Isto porque, não só o Rio de Janeiro, mas a maioria das cidades brasileiras se ressente da falta de planejamento e de ações que impeçam sua repetição na proporção frequentemente observada em nosso país, especialmente nas áreas de risco.
A engenharia brasileira especializada em projetos e obras de saneamento detém conhecimentos técnicos suficientes para propor soluções para evitar ou minimizar tragédias do gênero. É necessário, porém, que os administradores públicos – municipais, estaduais e federais – ligados a essa área desenvolvam um planejamento sério para a execução de ações preventivas, que incluem estudos e levantamentos sobre as áreas de risco e as destinadas a evitar enchentes, a elaboração de projetos de qualidade e abrangentes para embasar a realização de obras eficazes e duradouras.
Evidentemente, seria leviano e irresponsável apontar os atuais administradores públicos nas três esferas como os únicos responsáveis pela ocorrência de tragédias como a que se abateu sobre a capital fluminense, resultantes de décadas de descaso para com essa questão. Mas também seria irresponsável postergar as ações necessárias à prevenção de enchentes e deslizamentos de terra, que sempre trazem conseqüências trágicas para as populações atingidas.
Após a ocorrência de desastres semelhantes, repetem-se os mesmos discursos das autoridades, em geral atribuindo-os a ocupações irregulares de encostas e morros, falta de colaboração da população com o saneamento e destino do lixo e demais resíduos sólidos, entre outros. Esses argumentos são verdadeiros, se olhados isoladamente, mas não justificam a passividade diante do inevitável acontecimento de novas tragédias, caso nada seja feito.
Não há acidentes desse tipo que não envolvam diversos fatores: ocupação irregular de encostas, morros e áreas de risco, próximas a córregos e rios; ausência de obras de drenagem e contenção de encostas; falta de legislação específica para armazenamento e retenção de águas pluviais em residências, condomínios, áreas públicas, calçadas, indústrias e demais edificações urbanas; ausência de política adequada de recolhimento de resíduos sólidos, tanto residencial como de outras áreas, como a construção civil, por exemplo, e de legislação e políticas de estímulo à reciclagem do lixo; entre diversas outras necessárias à prevenção de acidentes por desastres da natureza.
Os conhecimentos técnicos acumulados há décadas pela engenharia brasileira permitem o planejamento integrado das ações necessárias, precedidos pelos estudos e levantamentos requeridos; o desenvolvimento de projetos de qualidade, que observem e previnam os principais fatores de risco; e o desenvolvimento das obras de acordo com um cronograma factível e compatível com a prevenção, visando especialmente aos períodos de maior ocorrência de chuvas. É preciso ressaltar também que as mudanças climáticas do planeta provocam alterações radicais no regime de chuvas em todo o mundo, como alertam especialistas internacionais. Assim, os critérios até hoje utilizados para elaboração de projetos de manejo de águas pluviais terão de ser revistos. A maior intensidade das chuvas, com frequências cada vez maiores, exigirá projetos mais complexos.
A nova Política Nacional de Saneamento Básico (lei n° 11.445/07) preconiza que os municípios brasileiros elaborem seus planos municipais de saneamento de acordo com os preceitos técnicos recomendados pela literatura internacional, o que propiciará programas de curto, médio e longo prazo para os quatro vetores do saneamento básico: água, esgoto, manejo de águas pluviais e resíduos sólidos. É preciso correr contra o tempo e executá-los. Por que, passados mais de três anos da promulgação da lei, a maioria dos municípios brasileiros ainda não possui o seu plano? É preciso também lembrar que recentemente tivemos a aprovação da lei que dispõe sobre a política nacional de resíduos sólidos. Suas disposições também ficarão dormente s, em vez de ser implementadas?
Nada disso, porém, será levado à prática se as autoridades, em todos os níveis, não se conscientizarem de que a prevenção dessas ocorrências tem caráter metropolitano, envolve diversas pastas (planejamento, saneamento, habitação, obras, transporte, energia e meio ambiente, para citar as mais importantes), e exige planejamento e ações integradas, em todas as esferas. Requer ainda o desenvolvimento de campanhas de esclarecimento à população por intermédio dos meios de comunicação de massa (televisão, rádio e internet, fundamentalmente), sem as quais não se pode esperar a adesão dos cidadãos a essas necessárias ações. E também a alocação de verbas, de forma regular e inseridas nas previsões orçamentárias de municípios, estados e ministérios envolvidos, com definição de responsabilidades e cronogramas de forma clara para sua implementação.
Senão, estaremos condenados a mais uma vez ouvir as mesmas desculpas, atribuindo à inclemência da natureza e aos erros da população a responsabilidade por deslizamentos e enchentes e pelas trágicas perdas de importantes vidas humanas. E de moradias e bens, em geral daqueles que menos têm condições de repô-las. O Brasil dispõe de tecnologia adequada para implementar o planejamento, projeto e obras necessárias à prevenção de desastres naturais. As cerca de 18 mil empresas de arquitetura e engenharia de projetos distribuídas pelo país e representadas pelo Sinaenco, podem colaborar tecnicamente para a viabilização dessas ações, que devem começar a ser planejadas e implementadas imediatamente, em benefício da sociedade.