Durante o último evento do GRI residencial, grupo que reúne boa parte dos grandes players do mercado de incorporadores brasileiros, realizado em São Paulo em junho passado, vários temas relevantes ao setor foram debatidos, do Minha Casa Minha Vida ao alto padrão, passando – como não poderia deixar de ser – pelos distratos e suas consequências.
Desde 2015 estamos praticamente monotemáticos em nossas Ademis e Sinduscons do Brasil, discorrendo sobre esse problema e tentando encontrar soluções. A crise atual nos mostrou a fragilidade dos nossos contratos de promessa de compra e venda, supostamente “irrevogáveis e irretratáveis”, bem como o desconhecimento do judiciário em relação às consequências que um distrato pode ocasionar para a saúde da incorporação, ou seja, para os demais compradores que querem seguir adiante.
O fórum que mais me marcou neste evento, chamado “Repensando o modelo de negócios frente ao novo cenário de vendas”, não tratava, no entanto, sobre distratos, mas sobre uma questão pouco falada até então: a responsabilidade das incorporadoras. Sim, somos culpados por boa parte do que estamos enfrentando.
A começar pela falta de análise (diria até conhecimento) em viabilidade de incorporação. Uma conversa que tive com um consultor de uma grande consultoria reflete bem essa questão. Dizia ele que um de seus clientes lançava, em média, dez empreendimentos por ano e que, ao “passar a régua” para verificar os custos, três davam lucros expressivos, dois davam prejuízo e cinco empatavam. Esse mesmo cliente, hoje, lança dois empreendimentos por ano. É bom que ele esteja fazendo contas para acertar.
Outra questão que também merece uma autocrítica é o produto que estamos lançando; se é adequado ao local, se há demanda e se tem diferenciais perante o que já foi feito no entorno. Sabemos que o ser humano normalmente tenta achar culpados quando erra, e no caso do atual cenário imobiliário, de baixas vendas, os corretores foram os principais escolhidos. Defendo que o modelo atual das imobiliárias também precisa de ajustes, mas jogar a culpa pela falta de vendas no corretor é equivocado e merece uma avaliação interna: eu, como incorporador, acredito no produto que estou lançando? Se há duvidas, não espere que uma terceira parte venha a acreditar por você.
Notem que durante muito tempo terceirizamos 100% da área de vendas, coisa que poucas indústrias fazem, e agora estamos tendo que aprender a olhar esse setor com mais cuidado. Não é à toa que as Houses (estrutura interna de vendas das incorporadoras) estão se multiplicando, mas nem elas irão resolver se o empreendimento for inadequado para as expectativas do mercado.
Nas épocas em que tudo o que se lançava se vendia, essas preocupações não surgiam na rotina dos empresários, mas com a crise tivemos que, dolorosamente, aprender a olhar mais a fundo o modelo atual de incorporação. E vimos que ele está bastante ultrapassado.
Minha opinião e a de muitos especialistas desse mercado é que estamos iniciando um novo ciclo, uma nova era, que tentarei resumir nesse artigo em três principais tópicos.
O primeiro é que devemos ter menos lançamentos daqui para frente. A não ser em algumas praças onde o mercado já era retraído e a instabilidade econômica pode atrair investimentos imobiliários, o que deve ser visto na maioria das cidades é uma diminuição no número de lançamentos, sendo que aqueles que forem lançados serão produtos mais certeiros, com diferenciais competitivos e fugindo do “lugar comum” para atrair os clientes.
Outro ponto será a alta disputa por clientes. As incorporadoras deverão investir muito em ações na internet de forma a melhorar seus processos de venda, seja criando suas Houses, seja fortalecendo parcerias com as imobiliárias. Tudo para dar o máximo de atenção ao cliente. O atendimento é o que vai diferenciar, pois gerar o lead (o contato interessado) é fácil; difícil é caminhar com ele até o fechamento da venda.
E por fim, observaremos construções mais enxutas. Isso quer dizer que, ou a incorporadora constrói (ou contrata) pensando em modelos de redução de desperdício de material e mão de obra, ou os custos indiretos irão corroer o lucro já apertado do empreendimento. O pensamento de que a construção é a “parte ruim” ou a “consequência” do negocio deverá acabar. Além disso, estão se multiplicando as startups, ou empresas de tecnologia inovadoras, voltadas para a construção civil (tema de meu próximo artigo), e terá sucesso aquela que melhor investir em processos integradores da área de negócios, desde a concepção do empreendimento, até a construção propriamente dita.
O mercado imobiliário passou por diversas crises no passado, e sobreviveu. Não será diferente agora. O aprendizado tem sido amargo, mas o lado bom é justamente o fato de nos forçar a mudar, a repensar, a evoluir. Vamos sair dessa, não há dúvida. Na verdade, o mercado já vem mostrando certa reação desde o passado mês de junho, o que deve se concretizar para um melhor 2017.
É o novo ciclo que se inicia, e temos que estar preparados para ele.