Não foi a primeira vez e não será a última. Um amigo, que cresceu e constituiu família em uma metrópole brasileira, desabafou comigo. Jurou que vai fazer as malas para a Europa. Não suporta mais sua vida caótica: trânsito, sujeira, falta de respeito, violência... Ele viveu algum tempo em uma capital europeia e lá conseguia ser uma pessoa mais ativa e menos ansiosa. Acha que uma nova rotina fará bem à sua saúde, mas não acredita que a cidade em que vive possa também “mudar de ares”. Será?
Em uma palestra recente, o renomado arquiteto polonês Daniel Libeskind, responsável pelo projeto de reconstrução da área onde caíram as antigas torres do World Trade Center, em Nova York, comparou as cidades em que trabalhou a “corpos vivos”, com alma e variações de humor. Vendo dessa maneira, não há dúvidas de que os grandes municípios brasileiros estão doentes, abatidos e resignados a uma condição que não lhes é confortável. A boa notícia é que algo, lentamente, está mudando, mesmo com um gigantesco atraso.
Cidades mal planejadas não é uma exclusividade brasileira. Londres, Roma e Chicago, por exemplo, conviveram com períodos de crescimento populacional desenfreado que refletiram na ocupação desorganizada e a consequente degradação de áreas urbanas importantes, sobretudo nos centros históricos. O crescimento econômico gerou decadência social, à medida que foram subtraídas áreas verdes, opções de lazer e espaços para pedestres. Morar em bairros valorizados, a princípio uma opção de comodidade para se aproximar de serviços e empregos, ao longo do tempo se transformou em um castigo.
Foram necessárias décadas de intervenções para que esses lugares ganhassem nova vida. Projetos do poder público e da iniciativa privada provaram que é possível revitalizar metrópoles seguindo alguns preceitos fundamentais: reconhecer os problemas urbanos, valorizar o espaço público, negociar contratos imobiliários e pensar em longo prazo. Todas as missões são igualmente difíceis, mas não impossíveis.
Pode parecer um discurso romântico, porém, acredite, é técnico e sensato. Conhecemos casos bem-sucedidos do tipo no Brasil, como a revitalização do Vale do Anhangabaú, em São Paulo, e a construção do Corredor Central, no Rio de Janeiro. Realizados na década de 80, ambos os projetos tiveram êxito em requalificar áreas decadentes de suas regiões, com soluções urbanísticas que restauraram prédios históricos e criaram áreas simbólicas para a população, utilizadas até hoje em grandes eventos públicos, como a Virada Cultural paulistana.
Em alguns momentos podemos questionar o estado de conservação atual dessas obras, mas é notório que elas são “oásis” de convívio em meio a entornos problemáticos. Os benefícios de um espaço reabilitado são permanentes e é com grande entusiasmo que observamos projetos do tipo se espalhando pelo Brasil.
Exemplos não faltam: no Rio de Janeiro, as obras para os Jogos Olímpicos buscam inspiração na experiência de Barcelona-1992 para revitalizar a zona portuária. Em São Paulo, o plano diretor recentemente aprovado prioriza a diminuição da densidade habitacional, com a urgência de se amenizar os sérios problemas de mobilidade. Projetos como a construção do Parque Temático de Entretenimento Educacional Cidade da Criança, em Fortaleza, preveem recuperação das áreas públicas existentes, com proposição de novas áreas verdes. Também merecem destaque as propostas de requalificação da orla do Guaíba e do Cais Mauá, em Porto Alegre, que buscam incentivar o convívio entre os moradores e aproximá-los da natureza.
Essas são apenas algumas iniciativas interessantes, dentre várias em execução pelo país. A tendência é que duvidemos da nossa capacidade de promover modificações desse porte, é até natural, pois conhecemos tantas histórias de obras que nunca saíram do papel... Isso é o que diria o meu amigo, que deve mesmo partir sem ver nenhuma mudança acontecer. Mas aos que ficarem por aqui, vale acreditar: com o interesse de todos, nossas cidades podem sim ganhar nova cara e autoestima – e isso se refletirá em moradores também mais saudáveis e felizes.