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Agrihood é empreendimento com qualidade de vida

Conhecido também como fazenda urbana, o segmento cresce em todo o mundo. No Brasil, há dois em desenvolvimento

Publicado em: 28/11/2017Atualizado em: 06/02/2018

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

Fazenda urbana é um conceito abrangente que vai desde o plantio em áreas ociosas ou em coberturas de edificações até a concepção de empreendimentos imobiliários aliados à cultura de alimentos. “Internacionalmente, temos visto as terminologias agrihood e urban farm denominando projetos imobiliários tanto rurais quanto nas cidades, com forte influência dos conceitos do Novo Urbanismo”, diz a arquiteta e mestre Marcia Mikai, diretora do escritório Pentagrama Projetos. Ela se refere ao movimento surgido no início da década de 1980, em que novas comunidades e políticas públicas passaram a considerar a escala do pedestre, da vizinhança, de espaços públicos de qualidade e uso misto para gerar vitalidade comunitária.

A qualidade de vida está no centro da criação das fazendas urbanas. “Os quesitos de sustentabilidade tomaram corpo nas últimas décadas e, mais recentemente, vimos o aumento de certificações ambientais de empreendimentos no mercado imobiliário tradicional”, lembra a arquiteta. Inicialmente conquistadas por construções isoladas, essas certificações hoje alcançam projetos de bairros e condomínios multifamiliares.


As fazendas urbanas podem estar presentes no topo de prédios (Alison Hancock/ Shutterstock.com)

“Também vimos crescer a percepção de indicadores de qualidade de vida nas cidades. Ou seja, os seus moradores passaram a perceber a importância da apropriação dos espaços públicos e de áreas verdes, bem como da mobilidade urbana, com a inclusão da opção de ciclovias como alternativa de transporte e opções compartilhadas, além dos aplicativos de carona”, acrescenta.

O Novo Urbanismo deu um salto e, mais recentemente, os empreendimentos do tipo agrihood começaram a incorporar agricultura local, no conceito farm to table, seja como produção para a comunidade local ou como excedente para venda externa. “Tais propostas podem estar fora das cidades constituídas e entram no conceito de cidade distribuída que, diferentemente da criação de subúrbios do passado, podem funcionar sem a dependência de deslocamentos diários ao trabalho, em função da conectividade digital”, diz a arquiteta.

Essa independência vai além: as fazendas urbanas podem ser autossustentáveis em abastecimento de água e energia local, bem como saneamento próprio. Seu perfil contempla uso misto, diversidade de moradores – inclusive considerando aspectos do nomadismo contemporâneo –, e, ainda, ações efetivas em ecologia profunda. Mikai destaca que essas iniciativas diferem das ecovilas – comunidades criadas na década de 1930 por grupos de pessoas orientadas por características sociais, espirituais ou de serviços.

LÁ FORA E AQUI

Um ícone das fazendas urbanas é o The Cannery, em Davis, Califórnia, lançado em 2014, que conquistou, entre outros prêmios, o Master Planned Community of the Year 2017 e o Residential Community of the Year-Master Plan 2016. Só nos EUA, os empreendimentos do tipo saltaram de 12, em 2014, para 200 (prontos e em construção), em 2016. O modelo conquista espaço no Canadá e em alguns países da Europa. No Brasil, o primeiro agrihood é o Vilaverde Turmalina, em Pernambuco, já em implantação. O próximo projeto está sendo desenhado pela arquiteta e será implementado no interior de São Paulo.

Marcia Mikai conta que o empreendimento pernambucano, onde atuou como consultora, nasceu da iniciativa de um grupo ligado à escola Waldorf, de Recife. “Inicialmente, a ideia era encontrar espaço físico para a expansão da escola, quando surgiu a ideia de as pessoas envolvidas adquirirem um terreno maior para criar um condomínio residencial em conjunto. Foi adquirida, então, uma fazenda em região de expansão urbana, a 40 km da capital, no município de Paudalho”, relata.

Inicialmente, a ideia era encontrar espaço físico para a expansão da escola [Waldorf], quando surgiu a ideia de as pessoas envolvidas adquirirem um terreno maior para criar um condomínio residencial em conjunto
Marcia Mikai Junqueira de Oliveira

O Vilaverde Turmalina será implantado numa área de 93,5 ha, dividida em 316 lotes residenciais e 120 apartamentos para locação, parte reservada à terceira idade. Serão duas escolas de Pedagogia Waldorf (uma terapêutica) e centro de formação; polos clínico/médico e de comércio e serviços; acomodações temporárias (albergues/pousada); produção de alimentos própria, priorizando práticas orgânicas e biodinâmicas. “Tudo isso para atender cerca de 2.500 pessoas, entre residentes e público rotativo”, adianta.

Segundo ela, o projeto teve grande adesão, sendo que um terço dos lotes já foi comercializado – a maioria foi vendida antes da elaboração do projeto, sem nenhuma divulgação pelos canais de mídia tradicionais. Foram estruturadas várias parcerias com empresas e instituições, inclusive estrangeiras, sem entrar na lógica do real state tradicional. O projeto urbanístico foi aprovado na prefeitura pernambucana e o empreendimento entrou na segunda fase de implantação, com a demarcação dos lotes e início das obras de infraestrutura. A escola Waldorf já construiu na área suas novas salas com técnicas de bioconstrução como hiperadobe e alvenaria com tijolos de solo-cimento.

AGRIHOOD PAULISTA

Das pesquisas realizadas, há anos, por Marcia Mikai sobre comunidades brasileiras e internacionais mais sustentáveis, começa a nascer seu próprio empreendimento de fazenda urbana. “Estamos formatando o projeto com parceiros do construbusiness tradicional, dentro de procedimentos voltados aos padrões de sustentabilidade, porém atentos às necessidades de novas segmentações de público-alvo. Temos utilizado estratégias para engajamento de stakeholders já na fase preliminar e trabalhado numa plataforma colaborativa e de co-criação, atraindo inteligências diferenciadas para o processo”, conta, acrescentando que o primeiro agrihood paulista tem gerado grande interesse de investidores e público.

O projeto prevê a preservação de áreas verdes acima do limite para sua legalização e, na fase de ocupação, serão conjugadas técnicas de plantio orgânico com agroflorestas. Voltado a diversas faixas de renda e perfis familiares, o empreendimento reunirá edificações de uso misto – residências, comércio, serviços e hospitalidade – com destaque para centro clínico e terapêutico, escola, centro de terceira idade assistida e espaços culturais. “O diferencial será de adensamento da ocupação, priorizando pedestres, espaços públicos e segurança, sem necessariamente criar sistemas de monitoramento e cercamento exacerbados como conhecemos em condomínios padrão. Serão adotadas técnicas construtivas racionalizadas, que atendam a quesitos de desempenho e velocidade construtiva”, explica.

Inspiração

A arquiteta visitou e estudou a cidade de Auroville, no sul da Índia, onde vivem cerca de 2 mil pessoas de mais de 45 países, inclusive do Brasil. “Em 1968, era uma região totalmente erodida e desertificada. Doada por Indira Gandhi, foi recomposta pela população local e por técnicos de vários países para resgatar o bioma original (floresta tropical seca). Construíram represas e diques, criaram bancos de sementes de espécies nativas, plantaram árvores de crescimento rápido para o sombreamento necessário ao desenvolvimento das sementes, ergueram residências, comércio, serviços, indústrias e fazendas de orgânicos”, relata. O sucesso da recomposição do ecossistema é tal que o corpo técnico de Auroville tem recebido convites por parte de órgãos governamentais para recompor outras microbacias no continente.

 

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Colaboração técnica

Marcia Mikai Junqueira de Oliveira – Arquiteta pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo (1986), com MBA em Gestão e Tecnologias Ambientais na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP); certificação AQUA Fundação Vanzolini (2009); curso de Extensão NCI Charrette System Training e NCI Charrette Management and Facilitation Training National Charrette Institute – Portland, USA (2014); mestrado pelo Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP. Desenvolvimento de mais de 300 projetos nas áreas de arquitetura residencial, corporativa, industrial, comercial e urbanismo; consultoria de sustentabilidade para empresas, escritórios de arquitetura e empreendimentos imobiliários; palestrante e docente em cursos de pós-graduação voltados à sustentabilidade na construção civil; membro curador e conselheira fiscal no Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS); membro do Grupo de Sustentabilidade da Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura (AsBEA).