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Despoluição dos rios é muito mais do que apenas retirar a sujeira

A conscientização de órgãos públicos, privados e da população é fundamental para a limpeza e manutenção dos corpos d’água. Conheça as causas do problema e possíveis soluções

Publicado em: 30/10/2017Atualizado em: 09/11/2017

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

Texto: Pedro Miranda

A despoluição de rios é um processo delicado, complexo e que exige empenho. Mais importante do que despoluir o rio, é identificar e evitar as causas da poluição. Engana-se quem pensa que apenas o esgoto é responsável por prejudicar a qualidade das águas. Conforme explica Luciano Zanella, pesquisador do Laboratório de Instalações Prediais e Saneamento do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), todo tipo de atividade humana gera impactos sobre o ciclo hidrológico. “A presença de uma cidade às margens de um rio já colabora para a degradação da qualidade das águas”, comenta.

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Além de limpar os rios, é essencial identificar as causas da poluição (Whiteaster/ Shuterstock.com)

Entretanto, a quantidade de fontes de poluição não impede que o rio seja recuperado. Porém, o processo requer responsabilidade e boa vontade não só das empresas e do governo, como também da população. Não podemos observar a qualidade da água do rio apenas sob o viés do uso humano. “A poluição é um impacto direto das atividades humanas degradando o recurso existente, berço de funções múltiplas. Um rio despoluído é habitat de diversas espécies da fauna silvestre e da flora e um ponto-chave para o equilíbrio ambiental”, completa Zanella.

O RIO E A POPULAÇÃO

Um rio poluído causa repulsa a quem passa por perto. O forte odor ocasionado pelo acúmulo de lixo e a presença de insetos tendem a afastar o convívio de pessoas no seu entorno. Sem falar no impacto ambiental e na possibilidade de transmissão de diversas doenças. “As águas dos rios, poluídos ou não, são utilizadas para a irrigação de culturas alimentares e, muitas vezes, servem como fonte para a produção de água de abastecimento”, explica Zanella.

Para a despoluição, é necessária a criação de um vínculo de apropriação entre a população e o rio. Quando existe esse sentimento, sua manutenção passa a ser parte do cotidiano. Luciano Zanella ainda destaca que corpos d’água límpidos têm potencial para se tornar pontos turísticos e de convívio, além dos benefícios econômicos com a valorização de áreas ao seu redor e até mesmo o desenvolvimento de atividades como a pesca – seja recreativa ou para subsistência.

É necessário entender que a despoluição não é um projeto e sim um processo. O projeto tem um fim, uma hora termina. O processo é algo contínuo, que não termina
Veronesi

CAUSAS

Além da falta de tratamento do esgoto, uma das principais causas da degradação dos rios é a chamada carga difusa de poluição. “Ela pode vir através do despejo incorreto de lixo tanto na rua quanto na beira de córregos e até mesmo de acidentes de carro que geram detritos, como uma lanterna quebrada. Tudo isso contribui para a poluição de rios, especialmente no meio urbano”, explica Gustavo Veronesi, coordenador do projeto Observando os Rios da SOS Mata Atlântica.

Além dos motivos já citados, entram na lista: falta de proteção da mata ciliar que beira os rios; a impermeabilização do solo em ambientes urbanos; o uso extensivo de agrotóxicos (amplamente utilizados em todo o território nacional); e os compostos fabricados por indústrias que comumente têm seu ciclo encerrado em corpos d’água.

SOLUÇÕES

A despoluição deve começar a partir da coleta adequada do esgoto. É essencial que ele seja previamente tratado antes de ser despejado diretamente no rio. É necessário, ainda, o direcionamento para estações de tratamento de efluentes (ETE), que são responsáveis pela “qualidade” do esgoto bruto para que atendam aos padrões de lançamento legalmente estabelecidos.

As ETEs não despoluem os rios sozinhas porque são apenas uma parte do sistema. Para a despoluição completa, é necessário um pacto entre sociedade, empresas e governo para a eliminação dos agentes poluentes. “A despoluição dos rios engloba um processo muito mais amplo de educação dos cidadãos, de mudança de hábitos e percepção das fontes de poluição do que simplesmente a construção de estações de tratamento de esgoto (ETEs)”, afirma Zanella.

Existem projetos que auxiliam no processo de despoluição dos rios, como o “Se Liga na Rede”, do Governo do Estado de São Paulo, que custeia as obras de ligação do esgoto doméstico a rede da Sabesp para famílias de baixa renda. Os resultados não aparecerão do dia para a noite, mas é preciso dar o primeiro passo. “É necessário entender que a despoluição não é um projeto e sim um processo. O projeto tem um fim, uma hora termina. O processo é algo contínuo, que não termina”, afirma Veronesi.

A despoluição dos rios engloba um processo muito mais amplo de educação dos cidadãos, de mudança de hábitos e percepção das fontes de poluição do que simplesmente a construção de estações de tratamento de esgoto (ETEs)
Zanella

EXEMPLOS DE DESPOLUIÇÃO

Um dos casos mais famosos de despoluição é o do rio Tâmisa, na Inglaterra. Apelidado de ‘Grande Fedor’ na metade do século XX, ele começou a ser recuperado por volta de 1960, com a construção de diversas estações de tratamento. Porém, os resultados foram aparecer cerca de 10 anos depois, quando o mau cheiro havia desaparecido e começaram a surgir os primeiros peixes.

Outro exemplo de sucesso foi o rio Sena, na França. No início da operação, também em 1960, existiam 11 estações de tratamento em funcionamento – atualmente esse número já passa de 2 mil. O governo francês ainda atua na prevenção de outra maneira, multando fábricas e empresas que poluírem o curso d’água e adotando medidas que incentivam agricultores a não poluírem.

Em São Paulo existem exemplos de córregos que foram revitalizados: o Pirarungáua, no bairro do Ipiranga, ficou debaixo de concreto durante aproximadamente 70 anos, quando foi revitalizado e reaberto ao público em 2008, no Jardim Botânico. O córrego do Sapé, na região do Butantã, foi revitalizado com a participação da comunidade do entorno.

Tietê

A despoluição do rio Tietê teve início no começo da década de 1990 e já está entrando em sua quarta fase. O processo vem evoluindo, porém em uma velocidade menor do que a imaginada pela população. Em 1993, a mancha de poluição – trecho considerado morto – do rio era de aproximadamente 530 km, tendo chegado a 70 km em 2014. No entanto, após desaceleramento nas obras, a mancha voltou a crescer. Atualmente, está em torno de 130 km, segundo dados do SOS Mata Atlântica.

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Colaboração técnica

Luciano Zanella – Engenheiro civil pela UNESP de Guaratinguetá, e mestre e doutor em Engenharia Civil na área de Saneamento e Ambiente pela FEC-UNICAMP. Pesquisador do Laboratório de Instalações Prediais e Saneamento do IPT e professor dos programas de Mestrado em Habitação e em Processos Industriais do IPT.
Gustavo Veronesi – Geógrafo, educador e ambientalista, há mais de 15 anos atua em comunidades e em organizações do terceiro setor, sempre desenvolvendo e aplicando práticas de educação ambiental. Coordenou projetos no Instituto de Projetos e Pesquisas Socioambientais – IPESA, desenvolve e atua na formação de professores e educadores sociais para temas ligados à sustentabilidade. Desde 2003 atua na coordenação de grupos de monitoramento da qualidade da água na bacia hidrográfica do Alto Tietê e atualmente coordena o Projeto Observando os Rios, desenvolvido pela SOS Mata Atlântica.