Edifícios de Energia Zero são apostas para o futuro no Brasil
Edificações autossustentáveis em energia gerada por fontes renováveis e limpas têm custo de implantação maior, porém bom retorno do investimento
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
Utilização on-site de energia oriunda de fonte renovável (Dancestrokes/shutterstock.com)
Edifícios de Energia Zero, do inglês Zero Energy Building (ZEB), são aqueles que produzem mais energia do que consomem ao longo de um ano, tornando-se altamente eficientes do ponto de vista energético. Essas edificações usam energia oriunda de fontes renováveis, produzida on-site ou off-site.
Segundo o consultor Marcelo Sousa, da empresa Geração Renovável, nem sempre os ZEBs – ou NET ZEBs, como também são designados – são qualificados como sustentáveis, pois a autoprodução de energia é apenas metade do caminho. O restante abrange disciplinas como a gestão da água e de resíduos e a acessibilidade.
O conceito se divide em dois subgrupos: Net Zero Site Energy e Net Zero Source Energy. A diferença entre eles é que, no primeiro, a edificação é autossuficiente; já o outro não consegue gerar tudo o que consome, mas cobre o déficit adquirindo energia de fontes renováveis externas.
A regulação brasileira atual não prevê venda, para a rede pública, de excedentes de geração por fonte renovável on-site. Mas destina um crédito de energia, que poderá ser utilizado em 36 meses, e que foi ampliado para 60 meses a partir de 1º de março de 2016Marcelo Sousa
Aspecto interessante é que um ZEB não deve ser meramente energético. A produção de energia deve vir de fontes renováveis e limpas, como solar, eólica e geotermia. Além disso, a edificação não pode simplesmente produzir energia para sistemas ineficientes. A criação de um Zero Energy Building começa pela chamada inteligência arquitetônica e arquitetura bioclimática, afinal, é através do projeto de arquitetura que se pode reduzir ao mínimo possível a iluminação artificial e sistemas de climatização, sendo extremamente importante um equilíbrio entre estas duas disciplinas. "Temos de ter iluminação natural suficiente, que economize energia e gere conforto aos ocupantes, mas que não sobrecarregue os sistemas de climatização”, ensina o consultor.
É possível vender excedentes de energia?“A regulação brasileira atual não prevê venda, para a rede pública, de excedentes de geração por fonte renovável on-site. Mas destina um crédito de energia, que poderá ser utilizado em 36 meses, e que foi ampliado para 60 meses a partir de 1º de março de 2016", comenta Sousa. Para ele uma empresa até poderia instalar um sistema com o intuito de ter excedente e vendê-lo, mas economicamente ainda não é viável. "Os órgãos reguladores analisam um modelo com a possibilidade de revenda de eventuais excedentes. Como o mercado de energia renovável está muito dinâmico, podemos ter novidades nesse sentido ainda este ano”, adianta.
MATERIAIS E TECNOLOGIAS PARA A CONSTRUÇÃO DE UM ZEB
Novos materiais de construção estão ajudando as empresas de engenharia e construção a alcançar novos padrões de edificações. São vidros que permitem passagem de luz, mas retêm uma parte do calor; tintas, revestimentos e isolamentos que reduzem a transmissão de calor; materiais que retêm o calor externo durante o dia e liberam para o ambiente à noite, entre outros. Sousa elenca, ainda, algumas das soluções e tecnologias mais utilizadas internacionalmente e que são economicamente viáveis para construção de um ZEB:
- Controle de iluminação por zona e aplicação
- Controle automático de persianas para aproveitamento da iluminação natural e redução do calor, com redução do consumo do sistema de iluminação artificial e/ou de climatização
- Proteção exterior de sombreamento das áreas envidraçadas para redução da entrada de calor. Aqui, cabe reforçar o equilíbrio entre o uso de luz natural e o bloqueio do calor
- Uso da inércia térmica das paredes para redução do ganho de calor
- Orientação da edificação e posicionamento das aberturas para fazer uso da ventilação natural
- Controle do sistema de renovação de ar externo com base no número de ocupantes na edificação, reduzindo o consumo de climatização
- Isolamento térmico das paredes e divisões dos ambientes condicionados, para minimizar a carga térmica a ser retirada pelo sistema de climatização
- Sistema de gerenciamento do consumo dos diversos usos finais e medição da energia consumida e gerada na edificação
- Geração de energia elétrica através de células fotovoltaicas ou turbinas eólicas (em locais com bons índices de vento)
- Geração de água quente através de coletores solares.
Há, ainda, soluções em busca de economicidade ou espaço para aplicação. Destacam-se os sistemas de resfriamento do ar com rejeito de calor via geotermia, para o solo próximo à edificação; uso de sistema de climatização por absorção, utilizando coletores solares e geração de calor com biomassa; e geração de energia elétrica por meio de células a combustível.
Temos de ter iluminação natural suficiente, que economize energia e gere conforto aos ocupantes, mas que não sobrecarregue os sistemas de climatizaçãoMarcelo Sousa
A operação de tantas e tão diversas tecnologias exige sistema de automação e gerenciamento predial, fundamental quando se trata de integrar as diversas soluções de um ZEB. “Não adianta, por exemplo, abrir uma persiana apenas com base no aproveitamento da luz natural. Pode haver um aumento significativo de carga térmica no mesmo instante, por incidência direta do sol", ressalta. Algum sistema deverá monitorar o patamar de iluminação, assim como as temperaturas e, com base em um algoritmo, tomar a decisão que leve em consideração os níveis de conforto dos ocupantes da edificação. "Somente um sistema de automação pode gerenciar tal operação”, defende Sousa.
RETORNO DO INVESTIMENTO
Apesar da relevância do conceito de ZEB, ainda não há cases no Brasil, exceto os de caráter demonstrativo, em que determinada empresa decide implementar em prédio próprio para expor as tecnologias que fornece. O entrave principal ainda é econômico-financeiro, associado à visão de curto prazo por parte dos empreendedores. Soma-se a isso a reduzida oferta de financiamento específico, principalmente em momentos de dificuldades econômicas.
O custo de implantação do sistema, de fato, chega a ser 5 a 10% superior quando comparado às instalações de um prédio convencional, mas, segundo Sousa, o retorno do investimento costuma aparecer.
“A questão cultural está sendo vencida à força por um medo maior: o elevado custo de operação dos edifícios (incluindo água e energia) e pressões contínuas sobre potenciais racionamentos. O brasileiro está cada vez mais preocupado com sua conta de luz. Esses fatores reduzem o ganho de escala, que tornaria as soluções e o ZEB muito mais econômicos”, opina.
PRÉDIOS ANTIGOS
A maioria das edificações existentes tem limitações para alcançar o off-site de energia, pois sua arquitetura nem sempre é favorável. O ponto de partida para uma edificação mais antiga é sua modernização. “Algumas ferramentas, como os critérios para a certificação LEED, fornecem parâmetros interessantes, através da análise e atualização dos sistemas de climatização, iluminação e quaisquer outros consumidores de energia na edificação, com mudança na forma de controle e gerenciamento”, diz.
Em alguns casos, pode-se fazer o retrofit da fachada, mudando a envoltória da edificação. Mas não é possível mexer na posição da edificação ou fazer grandes mudanças em termos de aproveitamento de luz natural, sem comprometer o sistema de climatização, por exemplo. Do que sobra, normalmente não há espaço para gerar, on-site, a energia consumida anualmente. “Esse é um típico caso de Net Zero Source Building, em que a energia renovável necessária seria comprada no mercado”, conclui Sousa.
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Colaboração técnica
- Marcelo Sousa – Formado em Engenharia Mecânica e Eletrotécnica, pós-graduado em Inteligência Empresarial pela COPPE – UFRJ. Especialista em sistemas de climatização e automação, diagnóstico energético, energia solar fotovoltaica e geotérmica. Consultor para certificação de Net Zero Energy Building. Membro da ASHRAE e do Green Building Council Brasil.