Mercado imobiliário surpreende em ano de cenário econômico adverso
Entrevista com Rodrigo Luna, presidente do Secovi-SP
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

(Foto: Shutterstock)
Assim que assumiu a presidência do Secovi-SP, sindicado do setor imobiliário, Rodrigo Luna previu que 2022 seria um ano difícil. Nesta entrevista ao Portal AECweb, ele confirma que os desafios estão aí, com a elevação da inflação e dos juros. Porém, o mercado imobiliário continua saudável, registrando crescimento de 12% nos lançamentos e de 15% no volume de vendas de imóveis, na comparação com igual período do ano passado.
AECweb – No início de 2022, sua previsão era de que o setor teria um ano desafiador. Isso vem se confirmando?
Rodrigo Luna – No final do ano passado, nossa previsão era que teríamos que trabalhar muito para superar as questões impostas pela pandemia. Naquele momento, já sentíamos o descompasso entre a oferta e a demanda, enquanto os juros começavam a subir para tentar conter o aumento da inflação. O cenário era esse e ainda não havia se iniciado a guerra na Ucrânia. Portanto, o ano está sendo tão desafiador quanto prevíamos.
AECweb – Qual o balanço que o Secovi-SP faz do primeiro semestre?
Luna – Apesar de todas essas dificuldades, a resiliência do mercado tem surpreendido. Desde o primeiro ano da pandemia, todos nós passamos a olhar para as nossas casas de maneira diferente, com muito mais cuidado. E quem não tinha, passou a sonhar com a casa própria. De janeiro a maio deste ano, registramos crescimento em todos os segmentos imobiliários na cidade de São Paulo. O número de lançamentos cresceu em torno de 12%, e o de vendas em torno de 15% em relação ao mesmo período do ano passado. Como consequência do aumento de preços, houve crescimento de 18% nos valores das unidades vendidas.
Apesar de todas essas dificuldades, a resiliência do mercado tem surpreendido. Desde o primeiro ano da pandemia, todos nós passamos a olhar para as nossas casas de maneira diferente, com muito mais cuidadoRodrigo Luna
AECweb – Esse crescimento está concentrado nos bairros nobres da cidade?
Luna – Ao contrário, os lançamentos e vendas se espalham pela cidade inteira. Claro que quanto mais próxima ao centro expandido, a oferta de áreas é menor e, portanto, os preços dos imóveis são maiores. Tudo isso tem que ser discutido no âmbito do Plano Diretor para os próximos anos, na busca de um caminho saudável para o desenvolvimento urbano.
AECweb – A verticalização em bairros do centro expandido se faz à custa de casas e sobrados demolidos, portanto, de parte da história da cidade.
Luna – Faz parte das reflexões do setor identificar que tipo de cidade e qual qualidade de vida queremos para os cidadãos. Esse patrimônio construído ao longo da história precisa estar harmonizado com a necessidade de as pessoas morarem. Se houver impedimento em verticalizar em determinadas áreas, as pessoas vão morar em outro canto, provavelmente mais distante, pagando o ônus de ir e vir.
AECweb – Como caminha a requalificação do centro da capital paulista?
Luna – Esse fenômeno pode ser visto em quase todas as grandes cidades do Planeta, onde as regiões centrais passaram a se degradar e a sociedade, por atos de legislação urbanística, incentivou a reconstrução dessas áreas. São Paulo tem tentado, mas, na prática, isso não aconteceu. Por enquanto, o poder público não conseguiu atrair investimento para a construção de moradia no centro, o que reverteria esse cenário. É essencial uma política pública que incentive a ocupação do centro da cidade, onde temos centenas de imóveis belíssimos, porém abandonados. Nós ainda não encontramos um formato que atenda a todos os atores da sociedade.
AECweb – Os investidores continuam apostando em imóveis, apesar de os juros altos tornarem o mercado financeiro novamente atrativo?
Luna – O imóvel sempre foi excelente opção de investimento. Nós, brasileiros, adoramos o tijolo, é sinônimo de valorização e estabilidade, se comparado ao mercado financeiro. Hoje, estamos muito mais em nossas casas, trabalhando parcial ou totalmente em home office. A despeito da mudança de patamar de juros, as taxas do crédito imobiliário subiram muito menos do que a Selic. Portanto, permanece o interesse.
AECweb – Apesar da desaceleração do crédito imobiliário neste ano, qual a faixa de renda que mais lança mão do financiamento?
Luna – Neste ano, os segmentos de renda médio e alto foram os que registraram maior crescimento na obtenção de financiamento imobiliário. A faixa de renda de 5 a 10 salários responde por 17% do crédito, seguida pela faixa entre 10 e 20 salários com 13% - percentual que se repete no segmento de 3 a 5 salários. Já a faixa de menor renda, a de 1 a 2 salários, representa 15% dos financiamentos. Está bem distribuído, não existe uma concentração.
AECweb – O programa Casa Verde Amarela vem acompanhando em volumes o antigo Minha Casa, Minha Vida?
Luna – São momentos muito distintos. O programa, reconhecido internacionalmente como o maior do mundo, depende muito da equação preço x renda familiar. Ele está inteiramente baseado nas regras de crédito imobiliário e de enquadramento, a depender do momento econômico. Nos últimos dois anos, em decorrência da pandemia, o programa sofreu um pouco e é preciso fazer os ajustes necessários, de maneira a não o colocar em risco em longo prazo. Hoje temos um déficit habitacional de cerca de 7 milhões de unidades no país. Esse programa já produziu algo em torno de 8 milhões. Imagine o que seria esse déficit se não o tivéssemos desde 2008. O que explica a consciência existente na sociedade de que esse deve ser um programa de Estado e não de governo.
AECweb – Em 2022, o número de distratos registrados está em equilíbrio em relação ao volume de imóveis vendidos no período?
Luna - Diante de todo o cenário econômico atual e até por conta da nova lei dos distratos, promulgada em dezembro de 2018, verificamos um equilíbrio nessa relação, com patamares muito estáveis. A nossa média móvel de distratos é de 8,7% e, hoje, estamos abaixo disso com cerca de 8,5%. Atingimos em anos recentes picos de 23,5%. O patamar mais baixo foi de 2,5%, em 2008.
AECweb – O número de imóveis compactos, entre 30 e 45 m², já representa 50,8% dos lançamentos em São Paulo, este ano. Há mercado comprador para esse segmento?
Luna – O setor imobiliário não produz aquilo que a sociedade não consome. A produção de imóveis compactos se dá por alguns motivos. Começa com o encarecimento dos imóveis que, no entanto, precisam caber no bolso das pessoas. O segundo aspecto é que parte dessa produção está voltada para o programa Casa Verde Amarela, com áreas menores. Além disso, existe uma legislação que vem do Plano Diretor de São Paulo, que induz a produção desse tipo de unidade em muitas regiões da cidade.
AECweb – Outra parte desses empreendimentos entra na faixa de imóveis de alto padrão.
Luna – Sim, lembrando que aqueles imóveis próximos a estações de metrô têm mais aceitação. Já os que estão precificados mais caros e que não têm o atrativo da mobilidade, podem sofrer um pouco mais. Como a produção imobiliária é de médio e longo prazo, quando determinados mercados começam a mostrar que já estão ofertados de maneira descompassada com a demanda, pode ocorrer de ter, por alguns períodos, uma oferta maior e, portanto, menos liquidez. Insisto que esse é um dos aspectos que deve ser discutido na revisão do Plano Diretor de São Paulo.
AECweb – Quais as expectativas do setor para este segundo semestre diante da realização das Eleições e Copa do Mundo?
Luna – Eleições têm mais impacto do que Copa do Mundo, e o investimento em imóvel tem relação direta com a segurança do que vai acontecer mais à frente. Precisamos ter a consciência de que, neste segundo semestre, o arrefecimento da inflação e, mais para o final do ano, um movimento de redução da taxa de juros podem trazer boas notícias para a atividade imobiliária.
Precisamos ter a consciência de que, neste segundo semestre, o arrefecimento da inflação e, mais para o final do ano, um movimento de redução da taxa de juros podem trazer boas notícias para a atividade imobiliáriaRodrigo Luna
AECweb – Já é possível traçar algum panorama para 2023 ou tudo depende do resultado da eleição presidencial?
Luna – Seja qual for o caminho que a sociedade decidir, nós temos condições estruturais para continuar tendo uma expansão econômica e dos mercados. Observamos que se projetava um PIB zero para 2022, agora os bancos já começam a falar em 2% de crescimento. No final do segundo semestre, tendo passado as discussões eleitorais e já com novo governo podendo conduzir o Brasil com tudo o que se tem de arcabouço, vejo que o pior ficou para trás. A pandemia estará superada, assim como provavelmente a guerra na Ucrânia, e o mundo estará mais calmo. Poderemos nos surpreender positivamente com 2023 – digo isso como um misto de torcida com expectativa.
Colaboração técnica
- Rodrigo Luna – Engenheiro civil pela Universidade Mackenzie e sócio fundador da empresa Plano & Plano. Foi diretor da Comissão Consultiva de Produtos Financeiros Imobiliários do Secovi-SP, vice-presidente de Habitação Econômica do Secovi-SP e presidente da Fiabci-Brasil. Eleito presidente do Secovi-SP para a gestão 2022/2024.