Por meio de leilões, fontes renováveis conquistam mais espaço no Brasil
A queda nos preços da geração de energia eólica e solar foi a grande surpresa dos eventos realizados pelo governo federal em dezembro, após dois anos de ‘jejum’. Leia mais a seguir
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
Último leilão de contratação havia ocorrido em 2015 ( zhangyang13576997233 / Shutterstock.com)
Depois de quase dois anos, em dezembro de 2017 o governo federal, através da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), voltou a realizar leilões de contratação de novos empreendimentos de geração de energia. Foram dois eventos, que registraram um deságio de 54,65% em relação aos limites estabelecidos para a concorrência.
No Leilão de Energia Nova A-4, no dia 18, as usinas solares fotovoltaicas responderam por 574 megawatts em potência, cerca de 85% do total contratado. Foram seguidas pelas fontes eólica, com 64 MWs; biomassa, com 25 MW; e pequenas hidrelétricas, com 11,5 MW. O início do fornecimento está previsto para 1º de janeiro de 2021. Dois dias depois, foi a vez do Leilão A-6, que contratou 63 projetos de usinas eólica, hídrica, biomassa e gás, a serem entregues a partir de 2023.
Os fatores de capacidade das usinas eólicas brasileiras atuais são altíssimos, muito melhores do que os esperados originalmente. Consequentemente, o custo de geração caiu bastanteRicardo Ruther
Segundo o professor doutor Ricardo Ruther, da Universidade Federal de Santa Catarina, a defasagem de dois anos sem leilões foi ancorada na expectativa de que, com a retração econômica no país, haveria energia sobrando. “O que não aconteceu”, comenta.
Nesse período, as empresas vencedoras do leilão de 2014 pressionaram o governo federal para a descontratação das usinas solares. A compra da energia que essas empresas deveriam gerar, a partir de 2017, se deu quando o dólar era cotado a R$ 2,20. Com a alta da moeda americana, os projetos se inviabilizaram.
“O governo cedeu e ainda cancelou os dois leilões programados. Agora, as mesmas empresas participaram e tiveram suas usinas contratadas no leilão de dezembro. Porém, os preços do MWh tiveram queda recorde”, relata.
EÓLICA
A geração eólica também sai fortalecida desse processo, de maneira a manter a produção de geradores, estimulada a partir do Proinfa – programa do governo federal de incentivo às fontes renováveis de energia, criado em 2002. No Leilão A-6, o MWH de eólica foi contratado por R$ 98,62, ainda menor do que os R$ 108 do A-4.
“É a fonte que está contratando energia com menor custo no Brasil, atualmente. É, ainda, a que mais cresce, já ultrapassando a térmica e a nuclear e aproximando-se da geração por biomassa. São mais de 500 parques eólicos em operação, registrando 12,64 GW de capacidade instalada”, destaca.
Desde os primeiros leilões de energia eólica, iniciados em dezembro de 2009, a tecnologia passou por significativa evolução. O porte das turbinas aumentou, dobrando sua altura de 50 m para até 120 m. Com isso, elas conseguiram aproveitar melhor o vento. “Os fatores de capacidade das usinas eólicas brasileiras atuais são altíssimos, muito melhores do que os esperados originalmente. Consequentemente, o custo de geração caiu bastante”, explica.
FOTOVOLTAICA
A queda no preço de contratação da fonte solar foi destaque no leilão A-4, ficando em R$ 145 MWh, praticamente a metade do valor negociado no anterior. As principais razões são a contínua queda dos preços dos equipamentos que compõem o sistema fotovoltaico e a experiência acumulada do setor nesse período.
“Até o final de 2017, as empresas que participaram dos dois primeiros leilões, em 2014 e 2015, já instalaram cerca de 1 gigawatts. Com isso, passaram a dominar melhor os custos do processo”, ensina.
MATRIZ ENERGÉTICA
Apesar do crescimento fantástico das fontes renováveis, estamos partindo de uma base ainda muito pequenaRicardo Ruther
Ruther avalia que o crescimento da participação das fontes renováveis na matriz energética brasileira mostra que não há mais razão para a construção de hidrelétricas de grande porte. Até mesmo as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) contratam, hoje, com valores superiores aos das usinas eólicas e solares. “Porém, apesar do crescimento fantástico das fontes renováveis, estamos partindo de uma base ainda muito pequena”, afirma.
Somando todas as fontes de energia, o Brasil tem cerca de 150 GW de capacidade instalada. Os leilões registram frações pequenas de contratação de eólica e solar. “Considerando que a capacidade de geração do país precisa crescer entre 4 e 6% ao ano, o equivalente a algo entre 6 e 8 GW novos por ano, é previsível que ambas as fontes devam ocupar um lugar de destaque, inclusive por seus custos em queda”, comenta.
TELHADOS FOTOVOLTAICOS
O professor traduz em números as opções políticas feitas pelo Brasil e a Austrália para geração de energia elétrica. Em 2011, enquanto o Brasil iniciava a construção de suas três mega-hidrelétricas nos rios amazônicos, a Austrália criava um programa de estímulo aos telhados fotovoltaicos, principalmente residenciais, através de mecanismos de financiamento.
“As usinas de Santo Antonio e Jirau geram um total de 7 GW de energia. É a mesma potência instalada, no período, em 1,8 milhões de telhados australianos, país com 25 milhões de habitantes. Ou seja, uma a cada quatro casas produz a energia que consome”, conta Ruther. Enquanto isso, o Brasil comemorou, no final de 2017, a existência de 20 mil telhados fotovoltaicos. Em um mês, a Austrália instala a mesma quantidade que o Brasil o faz o ano todo.
Essa escala resultou na redução de custos dos equipamentos, a ponto de serem a metade dos praticados aqui. Além disso, ao gerar créditos de carbono, a medida colabora para que a Austrália mantenha seu compromisso internacional de redução de emissão de gases de efeito estufa. “O que falta, no Brasil, é política pública e disseminação da informação”, ressalta.
TRANSMISSÃO
Os primeiros leilões de usinas eólicas, a partir de 2009, foram acompanhados da contratação de linhas de transmissão da energia elétrica dessas plantas. Como foram arrematados pelo sistema Eletrobras, o que envolvia investimentos públicos, a implantação das linhas sofreu atraso.
“Tanto que os contratos de eólica eram do tipo take or pay, que previam o pagamento aos operadores pela geração, mesmo que essa energia não pudesse ser distribuída. Por mais de um ano, a energia gerada foi paga, sem que fosse transmitida. O problema poderá ocorrer novamente, caso não sejam feitos investimentos em transmissão, de acordo com a expansão da fonte eólica”, explica Ruther.
As usinas eólicas e solares, principalmente no nordeste e centro-oeste do país, compartilham o mesmo terreno e a mesma infraestrutura, reduzindo custos. São áreas agrestes, com solo onde seria impossível o cultivo.
“Só tem areia, não há o que fazer ali além de colher vento e sol. No entanto, com o argumento de que as usinas utilizam áreas que poderiam ser usadas para plantio, o deputado Heráclito Fortes (PSB), do Piauí, apresentou projeto de emenda constitucional de cobrança de royalties do vento – e ele quer estender para a energia solar”, alerta Ruther.
ARMAZENAMENTO
Por outro lado, evoluem no Brasil e no mundo os sistemas de armazenamento. A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) lançou recentemente uma chamada estratégica de projetos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) em armazenamento de energia. O objetivo é estocar energia dessas fontes intermitentes – vento e sol – em gigantescos bancos de bateria.
Na região das usinas eólicas off shore, na Inglaterra, o vento sopra mais forte à noite, quando o consumo é menor. Essas usinas despejam no vazio 20% da energia gerada por ano. Por isso, o governo inglês fez um forte programa de incentivo a projetos de armazenamento. Essa busca corre em paralelo ao desenvolvimento dos automóveis elétricos.
“No futuro, a bateria do carro elétrico poderá ser carregada à noite, em casa, quando o consumo é baixo. No dia seguinte, no seu local de trabalho, o dono do carro terá a opção de carregar de novo com a energia do sol. Ao chegar à noite na sua garagem, a energia da bateria – que é um pouco de eólica e um pouco de solar – vai alimentar a casa, no exato horário em que a energia custa mais caro. Aí, a pessoa poderá dizer que ensacou o vento e o sol na bateria do seu carro”, conclui Ruther.
Leia também: Placas fotovoltaicas flutuantes são alternativa para geração de energia em PCHs
Colaboração técnica
- Ricardo Ruther – Professor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com graduação em Engenharia Metalúrgica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS-1988), mestrado em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS-1991), doutorado em Electrical and Electronic Engineering - The University of Western Australia (UWA-1995) e pós-doutorado em Sistemas Solares Fotovoltaicos realizado no Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems na Alemanha (Fraunhofer ISE-1996) e na The University of Western Australia (UWA-2011). Atualmente é coordenador do Laboratório FOTOVOLTAICA/UFSC (Grupo de Pesquisa Estratégica em Energia Solar da Universidade Federal de Santa Catarina, cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq). Foi coordenador da CE 82-1 da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas (Comissão de Estudos Sistemas de Conversão Fotovoltaica de Energia Solar) no período 2000-2010; é diretor Técnico do Instituto para o Desenvolvimento das Energias Alternativas na América Latina (IDEAL). Foi fundador e primeiro presidente da ISES do Brasil (Seção Brasileira da International Solar Energy Society), especialista - Elsevier Editorial Services, especialista - International Solar Energy Society e especialista - Australian Solar Energy Society. Faz parte do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Energias Renováveis e Eficiência Energética na Amazônia (INCT-EREEA). Tem experiência na área de Engenharia de Materiais e Metalúrgica, com ênfase em Materiais Semi Condutores, atuando principalmente nos seguintes temas: energia solar fotovoltaica, célula solar fotovoltaica, geração descentralizada, geração solar e módulos solares fotovoltaicos, veículos elétricos e armazenamento de energia. Membro do Comitê Assessor em Fontes Renováveis de Energia do CNPq (CA-EN) no período 2014-2017.