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Como evitar atrasos nos cronogramas das obras?

Colocar foco no projeto e no planejamento, ao invés de tentar resolver problemas no canteiro, é o primeiro passo. Investir em engenharia, melhorar o produto e escolher o sistema construtivo adequado também minimizam a chance de estourar os prazos

Publicado em: 07/03/2024

Texto: Eric Cozza

Diagrama demonstrando uma obra atrasadaPlanejamento deve ser feito com os pés no chão e não com base em desejos improváveis. É preciso trabalhar com dados e indicadores realistas, levando em consideração as características do canteiro, as dificuldades de acesso, as questões logísticas e climáticas. Um cronograma muito agressivo tem maior chance de insucesso (Imagem: montagem Cozza Comunicação)


Evitar atrasos nos cronogramas das obras constitui uma das principais missões de engenheiros e gestores de empreendimentos. Multas contratuais, aumento dos custos indiretos e insatisfação dos clientes são apenas algumas das consequências desse tipo de problema.

Claro que existem imprevistos alheios ao controle dos gerenciadores, como é o caso, por exemplo, de fatores climáticos e meteorológicos.

Muitas vezes, entretanto, as razões estão ligadas a falhas de gestão, baixa produtividade, dificuldades logísticas e problemas de comunicação. E, nesses casos, a responsabilidade acaba recaindo sobre a empresa e os profissionais responsáveis pelo gerenciamento do empreendimento.

Como evitar, então, atrasos no cronograma da obra? Para responder tal questão, convidamos para o Podcast AEC Responde o engenheiro civil André Choma, profissional com mais de 23 anos de experiência em projetos na construção civil, principalmente na área industrial. Também é autor do livro “Como Gerenciar Contratos com Empreiteiros”.

Ouça o áudio e/ou leia entrevista, a seguir:

AECweb – Como evitar atrasos nos cronogramas das obras?

André Choma – Infelizmente, é um problema recorrente em projetos dos mais diversos portes. O desempenho, tanto em relação ao prazo quanto ao custo, acaba ficando muito aquém do esperado. Mas falando especificamente de atrasos no cronograma, os principais fatores, aqueles que mais geram problemas na execução e impactos negativos nos resultados, têm origem muito antes dos empreiteiros entrarem no canteiro. São falhas de planejamento. Mas como atacamos esse tipo de problema? Os projetos precisam estar muito bem estruturados, desde o princípio. Devem estar prontos antes do início da execução. Caso contrário, estamos adiantando uma etapa ainda incompleta, colocando profissionais no canteiro antes da hora, o que vai gerar uma dificuldade bem maior para atingir a produtividade esperada. Ou seja, mobilizo para o campo, mas não tenho condições de fornecer projeto, insumos e equipamentos. E são essas indefinições em nosso dia a dia na obra que vão acabar se transformando em atraso e, depois, em conflitos, pleitos etc. Precisamos preparar muito bem o projeto desde o início, para que, quando formos para a etapa mais cara, quando já estou mobilizado em campo, possamos ter um uso mais eficiente desses recursos.

O escopo do projeto tem que estar muito claro, traduzido em documentos de arquitetura e engenharia, em um nível executivo, compatibilizado, para evitar transtornos adicionais no canteiro, ou seja, problemas de projeto que poderiam ser identificados durante a fase de desenvolvimento
André Choma

AECweb – Tudo começa, então...

Choma – Com a definição do que vai ser feito. O escopo do projeto tem que estar muito claro, traduzido em documentos de arquitetura e engenharia, em um nível executivo, compatibilizado, para evitar transtornos adicionais no canteiro, ou seja, problemas de projetos que poderiam ser identificados durante a fase de desenvolvimento. Com isso resolvido, posso ter um planejamento mais assertivo e transformar esse escopo em um cronograma. E não basta apenas ter a habilidade de preparar um cronograma exequível, mas trazer para o planejamento aprendizados de obras anteriores. De nada adianta, por exemplo, devido a uma exigência de prazo muito agressiva, colocar indicadores ou índices de produtividade que serão difíceis de serem atingidos. Devemos trabalhar com dados realistas, levando em considerações as características daquele canteiro, as dificuldades de acesso, as questões logísticas e climáticas. Assim, reunimos condições muito mais previsíveis para preparar o planejamento, inclusive com algumas válvulas de escape para recuperar atrasos pontuais. Se você já parte do projeto considerando que terá um cronograma com trabalho em três turnos, incluindo sábados, domingos e feriados, esqueça! Qualquer eventual atraso não terá espaço para ser recuperado. O planejamento deve ser feito com os pés no chão.

AECweb – A falta de valorização da etapa de projeto e a ausência de uma cultura forte de planejamento no Brasil como um todo – não apenas especificamente na construção civil – contribui para agravar o problema?

Choma – Contribui, com certeza. Costumamos dar muito mais valor à execução em campo do que ao planejamento e às definições de projeto. Essa é uma visão arcaica, de décadas passadas, quando a construção era relativamente barata e o desperdício de mão de obra e materiais, causado pela ineficiência no canteiro, não era tão relevante para o resultado. Mesmo sendo mais ineficiente, ainda assim era possível construir de maneira econômica. Isso justificava o “fazejamento”, ou seja, apenas com os projetos preliminares em mãos, as equipes iam direto para o campo, resolver os problemas por lá. Essa realidade vem, gradualmente, mudando. Ano após ano. E não é de hoje que temos um cenário diferente em relação aos custos. Não há mais margem para absorver ineficiências. Se eu quero que a minha empresa prospere, tenha resultado, preciso garantir que vá para o campo com os principais problemas resolvidos e aí, sim, consiga atingir o máximo de eficiência com os recursos à disposição. E aí temos um outro ponto que vem junto com a falta de planejamento: o que a maioria das empresas faz quando o projeto começa a atrasar? Aumenta a quantidade de pessoas e o número de turnos. Ou seja, enche o canteiro de gente.

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AECweb – Além de atrasada, a obra fica mais cara.

Choma – Os custos escalam a uma velocidade absurda para perseguir uma data que simplesmente não é mais factível. Ou seja, esse custo já não compensa mais. A empresa precisará de um milagre no final para acelerar a produção, que não vai acontecer até pelas restrições físicas de um canteiro. Sem falar na criação de um ambiente altamente inseguro. Precisamos, portanto, mudar o foco mais para o planejamento do que para a obra. Se for necessário correr durante a execução, todo o processo precisa estar preparado e planejado nesse sentido.

O fato de boa parte dos projetos já nascerem em BIM nos proporciona condições de trabalhar, discutir e resolver questões construtivas muito antes do que conseguíamos anteriormente. E isso facilita demais a comunicação dentro do próprio time, na etapa de planejamento
André Choma

AECweb – Estamos vivendo um cenário de falta de mão de obra na construção civil brasileira, o que pode acarretar dificuldades no cumprimento dos prazos estabelecidos. Na sua visão, como minimizar problemas dessa natureza?

Choma – É uma questão muito séria, muito grave. Temos acompanhado isso no mercado. Problema de mão de obra na construção civil sempre existiu, só que agora, de fato, percebemos que outros setores conseguem atrair mais os profissionais. Para minimizar esse entrave, devemos trabalhar em camadas. A primeira tem um impacto mais rápido e está ligada ao que eu já disse aqui antes: deixar o projeto mais eficiente em termos de execução, com um planejamento bem-feito. Assim, seja o escopo qual for, consigo demandar menos mão de obra e em um período mais curto. Com isso resolvido, posso também melhorar o produto, investir mais na engenharia para que o processo construtivo demande menos mão de obra. Ou seja, vou subindo de patamar. Uma outra coisa importante, na qual vejo cada vez mais investimentos, é a construção offsite, na qual ‘migramos’ a mão de obra do canteiro para uma fábrica, onde o trabalho é mais atrativo, seguro, eficiente e de alta qualidade. Claro que isso não se aplica a qualquer tipo de escopo. Muita coisa vai continuar sendo feita in loco. Mas as empresas precisam começar a buscar o que já está disponível no mercado e adequar o produto para reduzir a quantidade de pessoas em campo. Existem outros avanços que, para nós, no Brasil, infelizmente, ainda estão um pouco mais longe, mas começam a ganhar corpo em alguns países. É o caso do uso da robótica na construção. Nos Estados Unidos, já existem estudos e testes com operação remota de equipamentos, por exemplo, de demolição, com excelentes resultados.

AECweb – Na sua visão, a disseminação da metodologia BIM e a maior digitalização das ferramentas de controle do setor podem contribuir de forma positiva para mitigar os atrasos nas obras?

Choma – Muito. O fato de boa parte dos projetos já nascerem em BIM nos proporciona condições de trabalhar, discutir e resolver questões construtivas muito antes do que conseguíamos anteriormente. E isso facilita demais a comunicação dentro do próprio time, na etapa de planejamento. Nos clientes onde atuamos, fazendo o planejamento de projetos, principalmente na área industrial, utilizamos o modelo ao máximo para identificar as dificuldades construtivas e logísticas, pois temos um ambiente perfeito para simulação, que não custa nada a mais do que aquilo que já foi pago pelo projeto. Com a possibilidade adicional de fazer análises de cenários de cronograma e planejamento. Ou seja, conectar o cronograma com a modelagem, para que tenhamos, etapa por etapa, a visão do projeto sendo construído ali, na nossa frente, com a possibilidade de identificar facilmente as restrições no campo.

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AECweb – E isso não custa, necessariamente, mais caro.

Choma – Um problema que enfrentamos no setor é a maneira como contratamos projetos, planejamento e fornecedores: com base no menor preço. E aí perdemos a oportunidade de desenvolver parceiros em todas essas etapas do empreendimento. Aí fica difícil. Quero que a mão de obra esteja disponível, mas não invisto nada no empreiteiro. Pelo contrário, vou rodando de um para o outro, esmagando os subcontratados. Na minha visão, trata-se de um movimento que deve começar pelo contratante. Se quero projetos melhores, devo pagar mais. Se preciso de uma obra rodando sem tantos sobressaltos, devo investir tempo e recursos no planejamento. Não adianta ter uma equipe de gestão super enxuta, que cuida de 10 projetos ao mesmo tempo. Simplesmente, não fará o gerenciamento necessário. Tudo isso faz parte da cadeia de produção. E se eu quiser fazer o melhor uso dessas ferramentas, preciso ter um mínimo de gestão.

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Colaboração técnica

André Choma – EMBA, PMP, PMI-RMP – Engenheiro civil (UFPR), com pós-graduação em gerenciamento de obras (UTFPR) e executive MBA (IE Business School, Espanha). Profissional com mais de 23 anos de experiência com projetos de construção civil, a maior parte em projetos industriais, é apresentador do Capital Projects Podcast, voltado aos desafios da gestão dos projetos de engenharia e construção. É autor do livro “Como Gerenciar Contratos com Empreiteiros”. Já atuou como consultor na fase de planejamento de diversos projetos industriais, incluindo megaprojetos, no Brasil e no Exterior e é especialista na metodologia FEL.