Quais são os erros mais comuns em orçamentos de obras?
Desconhecimento de critérios de medição e remuneração, falta de vivência de obras e uso indiscriminado de tabelas de referência são algumas das causas de problemas na estimativa de custos dos empreendimentos
Em tempos de alta inflação setorial e problemas com o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, evitar erros na preparação de orçamentos de obras torna-se ainda mais estratégico. BIM pode auxiliar no levantamento de quantidades (Foto: Shutterstock)
A tarefa de preparar orçamentos de obras não se resume ao mero manuseio de uma planilha pré-formatada ou à operação de um software desenvolvido para estimar os custos de um empreendimento. Demanda formação técnica, vivência de canteiro e conhecimentos de legislação profissional, fiscal e, no caso de obras públicas, de diferentes modalidades de licitações.
Quem ignora tal realidade fica mais sujeito a erros na preparação dos orçamentos de obras que, posteriormente, vão se refletir em maiores desvios entre o previsto/realizado, com prováveis prejuízos para incorporadores, construtores ou contratantes. Conflitos, desgastes e, em alguns casos, processos judiciais acabam por acontecer.
Para falar um pouco sobre esses erros e saber como evitá-los, AEC Responde conversou com a Rosângela Castanheira, sócia da TRÍADE Engenharia de Custos e especialista em orçamentos de obras.
AEC Responde – Quais são os erros mais comuns na preparação de orçamentos de obras e por que ocorrem? Como podemos evitá-los?
Rosângela Castanheira – O que, normalmente, percebemos são erros nos quantitativos e nos preços unitários. Temos, então, duas questões complicadas. Falando dos quantitativos: existem regras para que se quantifiquem esses serviços. E isso está registrado nos critérios de medição e remuneração, que nem sempre são observados pelo profissional. Isso é pré-requisito. Costuma-se dizer que calcular área e volume todo mundo sabe fazer. Sim, mas determinados serviços possuem algumas particularidades que estão expressas nesse documento, como se fosse um contrato. Além disso, por desconhecimento da prática de obra, o profissional, às vezes ainda jovem, que não teve muito muito contato com as obras, acaba cometendo alguns erros que não ficam claros em um primeiro momento. Vou te dar um exemplo: a tubulação de instalação elétrica, o conduíte. Numa planta do projeto elétrico, você vê o caminhamento desse conduíte, certo? O que faz o profissional? Pega a escala dele ou abre no Autocad e põe lá no ponto de origem – vamos supor que seja o ponto de luz que está na laje – até o ponto que está apontado na parede como um interruptor. Esse é um trecho. Só que essa fiação está saindo desse ponto para chegar nessa tomada, que não está na altura da laje, então ele precisa descer a diferença de cota, do teto da laje até a altura onde está alocada esse interruptor.
Acham que o levantamento de quantitativo é uma atividade menor. Não é verdade. Requer uma experiência em obra. Para orçar e quantificar, você precisa saber como é que se executa. Você está simulando essa situaçãoRosângela Castanheira, sócia da TRÍADE Engenharia de Custos e especialista em orçamentos de obras
AEC Responde – E essa diferença de cota o CAD não está mostrando para ele...
Rosângela – Não está mostrando, então ele tem que contar com o próprio conhecimento. Antes de tudo, o profissional tem que saber como executar a obra. Eu costumo brincar que o primeiro 3D que apareceu no mundo foi na cabeça do orçamentista, porque devemos ter esse modelo em mente para quantificar. Na língua do orçamento, o projeto passa a ser uma planilha orçamentária, que é uma outra representação. E o quantitativo vem da experiência do profissional, que está fazendo o levantamento, que está lendo esse quantitativo no projeto. São duas coisas: a representação gráfica e o conhecimento desse profissional, que precisa ter uma experiência em obra. E, às vezes, isso não é observado. Acham que o levantamento de quantitativo é uma atividade menor. Não é verdade. Requer uma experiência em obra. Para orçar e quantificar, você precisa saber como é que se executa. Você está simulando essa situação, na sua cabeça, para gerar esses quantitativos.
AEC Responde – Estamos vivendo tempos de inflação setorial elevada, como não verificávamos há muitos anos. As consequências de eventuais erros são maiores nesse ambiente?
Rosângela – Com certeza. Então, essa é uma segunda possibilidade de erros: a questão do preço unitário, que compõe a segunda grandeza do nosso orçamento. Uma questão que impacta é a origem do cálculo desse preço unitário, que é a composição unitária. A receita de bolo pode não ser adequada para aquele serviço ou para a realidade da minha obra. Precisamos observar e estudar a composição que está sendo usada. Não devemos pegar uma composição e, simplesmente, sair usando.
As pessoas também perguntam: Como se tornar um bom orçamentista?
AEC Responde – A senhora está falando em pegar composições de custo padronizadas, tabelas de referência, e adotá-las sem analisar antes...
Rosângela – Pegar uma tabela e usar. Não faça isso. Veja se aqueles índices, se aquela situação representa a sua maneira de construir, a sua construtora. Se estão ali a sua impressão digital, as produtividades e os consumos. Não estou aqui falando mal dos bancos de dados que existem no mercado, mas eles precisam ser analisados, porque representam uma situação média, orientativa, de referência. Nós precisamos adaptar para as questões específicas das nossas empresas. Nós estamos em uma roda viva que, há muito tempo, nós não tínhamos, de instabilidades e incertezas nos preços dos materiais. Isso gera uma questão de fluxo de caixa muito complicada, porque você faz a cotação de um material hoje e, daqui a uma semana, toma um susto. Você cria uma incerteza da validade do orçamento. Voltamos para um tempo que nós já vivemos, mas há muitos anos, onde os preços eram voláteis. Onde era tudo indexado. Por isso, temos que trabalhar com bons fornecedores, homologados, parceiros. Daí a importância da engenharia de suprimentos, de termos um bom departamento de suprimentos, especializado e profissionalizado. Em contrapartida, precisamos deixar algumas gorduras. Já me perguntaram se não poderíamos deixar um delta, mas o problema aí é a perda de competitividade. Você pode perder uma licitação, por exemplo. Vivemos uma situação peculiar, que há muito tempo não tínhamos e isso demanda muita atenção. E parceria com os fornecedores.
A metodologia BIM é para projetos. A novidade para os orçamentos veio na extração de quantitativos do modelo: a automatização de um processo manual. Agora, isso só vai nos ajudar se o modelo cumprir os requisitos adequados para esse usoRosângela Castanheira, sócia da TRÍADE Engenharia de Custos e especialista em orçamentos de obras
AEC Responde – O uso da metodologia BIM nos projetos, no planejamento e na orçamentação das obras pode ajudar a contribuir para diminuir um pouco esses erros dos quais falamos?
Rosângela – Sem dúvida, há uma melhoria no sentido de extração de quantitativos. No processo orçamentário, em si, não muda nada. A metodologia BIM é para projetos. A novidade veio na extração de quantitativos do modelo: a automatização de um processo manual. Agora, isso só vai nos ajudar se o modelo cumprir os requisitos adequados para esse uso. Isso significa incluir no fluxo de trabalho um engenheiro orçamentista proficiente em BIM para dizer aos modeladores quais requisitos os modelos precisarão cumprir para que essas informações consigam ser extraídas. Porque, diferentemente da leitura direta que o orçamentista fazia da planta, agora ele consome uma informação que está dentro do objeto, que está dentro do modelo. Uma informação que foi inserida lá dentro por um projetista, ou seja, alguém que não é proficiente em orçamento. Eu não tenho como tirar essa informação se ela não estiver lá dentro da maneira que eu preciso. Então, este modelo vai nos ajudar, mas se cumprir requisitos para essa finalidade. Não existe processo automático, nem rápido e nem exato. Tudo depende da qualidade do modelo e, principalmente, da forma como as informações estão contidas nesse modelo, para que possam ser extraídas, consumidas pelo orçamentista proficiente em BIM. Mas, sem dúvida, é uma grande ajuda.
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Colaboração técnica
- Rosângela Castanheira – Graduada pela Fatec-SP em tecnologia de construção civil, possui MBA em gestão estratégica de custos pelo IBEC/INPG. Sócia-diretora da TRÍADE Engenharia de Custos, recebeu certificação por “Notório Saber em Engenharia de Custos”, creditada pelo International Cost Engineering Council (ICEC). É docente em cursos de pós-graduação, graduação e atualização profissional em várias instituições de ensino, tais como FACENS, Inbec e IPOS.