Concurso de projeto de arquitetura: vale a pena participar?
Meio democrático e justo de selecionar os melhores projetos, o concurso é um instrumento importante para a sociedade e a arquitetura, mas exige enorme dedicação dos profissionais, sem retorno garantido
O “Concurso Nacional do Plano Piloto da Nova Capital do Brasil”, realizado entre 1956 e 1957 e vencido por Lúcio Costa, é um exemplo histórico da realização de concursos de arquitetura e urbanismo no País (Foto: Shutterstock)
A eficácia dos concursos de arquitetura no Brasil costuma ser questionada por vários profissionais, desde titulares de escritórios e dirigentes de entidades, passando por professores, historiadores até os jovens que ingressam na profissão.
Se, por um lado, é considerado o instrumento mais justo e democrático de escolha do melhor projeto, de outro, apresenta problemas de ordem prática que acabam afastando potenciais interessados.
Premiações de baixos valores, não-contratação plena dos arquitetos vencedores, alto percentual de projetos não construídos e os gastos incorridos pelos participantes durante o processo são algumas das críticas.
É um caminho sofrido, exaustivo e a concorrência é muito grande. Mas se você quiser trabalhar com projetos de uma determinada escala e complexidade, os concursos serão importantes nessa trajetóriaArq. Mario Biselli
Aprimorar os concursos e torná-los mais seguros para todos os envolvidos – promotores, organizadores e participantes – são, portanto, demandas justas para valorizar a profissão do arquiteto e proporcionar melhores soluções urbanas e arquitetônicas para a sociedade.
Enquanto isso não ocorre, entretanto, várias gerações ingressam na profissão, se sentem atraídas pelos eventuais benefícios dos concursos e acabam ficando na dúvida: vale a pena?
“É um caminho sofrido, exaustivo e a concorrência é muito grande”, afirma o arquiteto Mario Biselli, sócio-diretor da Biselli Katchborian Arquitetos Associados. “Mas se você quiser trabalhar com projetos de uma determinada escala e complexidade, os concursos serão importantes nessa trajetória.”
O concurso público é uma maneira interessante de jovens arquitetos conseguirem um contrato de um projeto de maior porte e expressão. Não se conhecem os concorrentes e, portanto, não há chance de diferenciação entre um profissional de grande ou pouca experiênciaArq. Gilberto Belleza
Vencedor do concurso nacional para o Terminal Internacional de Passageiros do Aeroporto de Florianópolis, organizado pela Infraero e pelo IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil), em 2006, o escritório de Biselli só conseguiu atuar posteriormente na área por conta dessa experiência inicial. “Sem os atestados e a comprovação de currículo não conseguiríamos trabalhar em outro projeto aeroportuário”, explica o arquiteto.
“O concurso público sigiloso é uma maneira interessante de jovens arquitetos conseguirem um contrato de um projeto de maior porte e expressão”, acrescenta o Arq. Gilberto Belleza, sócio-diretor do escritório Belleza & Batalha C. do Lago Arquitetos Associados e ex-presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil. “Não se conhecem os concorrentes e, portanto, não há chance de diferenciação entre um profissional de grande ou pouca experiência”, completa.
Mas, afinal, o que os jovens profissionais de arquitetura e urbanismo devem levar em consideração ao avaliarem a possibilidade de participação em concursos? Confira 6 recomendações para ajudar na tomada de decisão.
1) DEFINA SEU OBJETIVO NESTE MOMENTO DA CARREIRA
Não existe receita de bolo para ser um arquiteto reconhecido e bem-sucedido. Há vários caminhos para se chegar lá. Não são poucos os profissionais de sucesso que jamais se inscreveram em um concurso. Outros participaram de vários no início da carreira e depois pararam ou se tornaram mais seletivos.
Como veremos nos itens a seguir, há tempo, gastos e riscos a serem calculados nesse processo. Dependendo do seu objetivo, entretanto, isso pode ser encarado como um investimento. Para exemplificar: se a ideia é trabalhar com grandes obras e projetos institucionais, como museus, centros culturais, teatros, parques etc., você deve olhar para os concursos com maior atenção.
De outro lado, se o objetivo, no momento, é batalhar por projetos de residências e edificações de pequeno porte – o que não é nada fácil hoje em dia – ou atuar em nichos específicos da arquitetura, buscando mais segurança e menos risco, talvez seja o caso de deixar passar. Pelo menos por um tempo. E reavaliar depois.
2) AVALIE AS NECESSIDADES DE TEMPO, RECURSOS E GASTOS
Esse é um ponto importante. Muitos escritórios possuem uma base de custos apertada, gastos com computadores e sistemas, aluguel, impostos e, em alguns casos, funcionários e estagiários. Participar de concursos, sem nenhuma garantia de retorno, caberia no orçamento? O investimento é viável? É preciso fazer as contar, avaliar os potenciais benefícios e tomar a decisão. Agora, se a ideia for reunir colegas mais próximos, dispostos a entrar no risco, a análise é diferente e pode ser uma saída econômica para todos. “Muitos jovens acabam se juntando e trabalhando em equipes, o que elimina a despesa com pessoal”, afirma Belleza.
Veja o que lhe interessa e vá com tudo. O resultado você entrega para a providência divina, mas tem que fazer a sua parte e se jogar com paixão e muita energia. Abraçar o risco mesmo!Arq. Mario Biselli
3) SELECIONE UM PROGRAMA COM O QUAL SE IDENTIFICA
“O jovem deve olhar para os temas que mais o atraem”, recomenda Biselli. Se o atendimento do projeto ao programa proposto pelo concurso é um elemento essencial para aumentar as chances de sucesso, o ideal é que haja uma identificação dos arquitetos com o assunto. Lembrando que o concurso também servirá como aprendizado para o profissional. “Um dos meus mestres na profissão, o arquiteto Héctor Vigliecca, diz que os concursos funcionam como uma escola, que nos ensina a sermos mais concentrados, sintéticos, objetivos e impactantes”, revela o sócio da Biselli Katchborian Arquitetos Associados.
4) DECIDIU CONCORRER? HORA DE SE ATIRAR
Essa é a parte divertida da história. Mesmo que seja cansativo e arriscado, participar de um concurso de projeto de arquitetura, a despeito do profissionalismo envolvido, pode ser também uma boa aventura – no melhor sentido da palavra. “Veja o que lhe interessa e vá com tudo. O resultado você entrega para a providência divina, mas tem que fazer a sua parte e se jogar com paixão e muita energia. Abraçar o risco mesmo!”, afirma Biselli.
Belleza também participou de concursos, principalmente quando era mais jovem e se lembra da correria e das ‘viradas de noite’ para atender aos prazos exíguos. “Um aspecto interessante no passado, hoje mais raro com as entregas online, era correr com a pranchas debaixo do braço, muitas vezes até viajar para entregá-las pessoalmente”, recorda o arquiteto.
Uma dica óbvia, mas importante, para ter sucesso nos concursos: caprichar na apresentação. De nada adiantará se o projeto não tiver um diferencial, as soluções não forem boas ou não atenderem ao programa, mas o cuidado com a forma e a aparência ajudam a chamar a atenção dos jurados.
Importante verificar, por exemplo, se a obrigatoriedade da contratação do vencedor consta das regras. Infelizmente, temos visto casos de concursos serem promovidos, o vencedor ser declarado e, simplesmente, a contratação não ocorrerArq. Gilberto Belleza
5) ESTUDE O REGULAMENTO A FUNDO
Conhecer bem as regras não ajuda apenas a ter sucesso nos concursos e evitar eventuais desclassificações. Auxilia a identificar também ‘roubadas’, ou seja, iniciativas sem credibilidade ou, o que é pior, de caráter meramente arrecadatório. “Cientes de que os concursos atraem muito os jovens arquitetos, algumas empresas têm promovido iniciativas de olho apenas na taxa de inscrição” alerta Belleza.
O arquiteto chama a atenção também para concursos ruins, sem entidade organizadora, muitas vezes até direcionados e com regras irregulares. “Importante verificar, por exemplo, se a obrigatoriedade da contratação do vencedor consta das regras. Infelizmente, temos visto muitos casos de serem promovidos concursos, o vencedor ser declarado e, simplesmente, a contratação não ocorrer”, conclui Belleza.
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6) A HORA DE SER MAIS SELETIVO
Assim como é importante tomar a decisão de começar, ou não, a participar, também é recomendável saber o momento de ser mais seletivo nos concursos ou, se for o caso, até parar. É a hora de avaliar se os objetivos iniciais foram alcançados e se há algo mais a ser atingido. “Tem uma época certa na vida para aceitar esse tipo de risco”, afirma Biselli. “Chega um momento no qual você tem que selecionar bem o concurso que pretende participar, sob o risco de ficar a vida inteira ganhando menções honrosas, segundo ou terceiro lugar e nunca fazer um projeto grande. Os arquitetos têm que conhecer e avaliar esse risco”, conclui o arquiteto.
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Colaboração técnica
- Gilberto Belleza –Arquiteto e urbanista, mestre e doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie, é sócio-diretor do escritório Belleza & Batalha C. do Lago Arquitetos Associados. Foi membro de júri de arquitetura de vários concursos realizados no Brasil. Ex-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento de São Paulo e do Instituto de Arquitetos do Brasil – Direção Nacional. Ex-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (CAUSP) e atual coordenador da Comissão do Centenário do IAB.
- Mario Biselli – Arquiteto e urbanista, mestre e doutor pela Universidade Mackenzie. Sócio-diretor da Biselli Katchborian Arquitetos Associados, é professor do departamento de projeto da Universidade Mackenzie e do Unicentro Belas Artes de São Paulo. O escritório de Mario Biselli e Artur Katchborian recebeu da Associação Paulista dos Críticos de Artes o Prêmio APCA 2010, com a Melhor Obra construída em São Paulo (CEU Pimentas). No mesmo ano, recebeu do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB/SP) o Prêmio Rino Levi na categoria Melhor Obra Construída do Ano (CEU Pimentas).