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Afinal, o que é construção sustentável?

Fernanda Belizario Silva, Luciana Alves de Oliveira, Laboratório de Componentes e Sistemas Construtivos do IPT

Publicado em: 25/11/2020

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

Coordenação técnica: Adriana Camargo de Brito
Comitê de revisão técnica: Adriana Camargo de Brito, Cláudio Vicente Mitidieri Filho, José Maria de Camargo Barros, Luciana Oliveira e Maria Akutsu
Apoio editorial: Cozza Comunicação

25/11/2020 | 12h30 - A preocupação com sustentabilidade afeta cada vez mais o nosso dia a dia. Se estende desde ações simples, como o uso de sacolas reutilizáveis em substituição às sacolinhas plásticas do supermercado, até mudanças mais drásticas, como trocar o carro pela bicicleta ou mesmo pessoas que se tornam vegetarianas para ajudar a limitar o aquecimento global. Fato é que há cada vez mais pessoas se esforçando para adotar um estilo de vida mais “sustentável”. Mas tem um assunto que nem sempre aparece nessas discussões públicas sobre sustentabilidade: a construção civil.

Para entender o papel da construção na sustentabilidade, é preciso olhar para os números. Você sabia que:

• Em média, cada ser humano consome 11,9 toneladas de material por ano 1, e que metade disso são materiais de construção: areia, brita, argila e calcário 2,3 (Figura 1)?
• Que a quantidade de resíduos de construção e demolição gerados anualmente (315 kg/habitante) é quase igual à quantidade anual de resíduos domésticos e públicos (343 kg/habitante)4, isso considerando apenas os números oficiais no Brasil?
• Que a produção dos materiais de construção representa 11% das emissões globais de dióxido de carbono (CO2), o principal gás de efeito estufa, que contribui para o aquecimento global 5 (Figura 2)?
• Que o uso dos edifícios representa 30% do consumo de energia global e está associado a 28% das emissões globais de CO2 5 (Figura 2)?

Figura 1 – Estimativa de extração de minerais de construção no mundo entre os anos de 1970 e 2010, em milhões de toneladas. Adaptado de Miatto et al. (2017) 3.

Figura 2 – Distribuição do consumo de energia e das emissões de CO2 globais por setor. Observa-se que o setor da construção, incluindo a fabricação dos materiais de construção e os edifícios, representa 36% do consumo de energia e 39% das emissões de CO2. Adaptado de GlobalABC, IEA e UNEP (2019) 5. 

Ou seja, o setor da construção tem um papel fundamental no desenvolvimento sustentável. No entanto, o termo “construção sustentável” usualmente é associado a edifícios sofisticados, que tenham certificações de sustentabilidade, ou ao uso de tecnologias específicas, tais como materiais renováveis (madeira, bambu), painéis fotovoltaicos, tecnologias para o reuso de água, entre outras. Para a grande maioria das construções, feita de forma convencional, o conceito de sustentabilidade não é considerado, seja porque o cliente não demanda uma certificação, ou porque essas tecnologias não cabem no custo e/ou no prazo da obra. Embora as tecnologias citadas anteriormente e as certificações possam realmente contribuir com a sustentabilidade da construção, a construção convencional tem muito mais a contribuir do que se imagina – principalmente se olharmos para os números.

Métodos de avaliação de desempenho ambiental, como a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), permitem esse olhar quantitativo para a sustentabilidade. Em linhas gerais, a ACV quantifica todos os fluxos de materiais, energia e emissões ao longo do ciclo de vida de um produto e converte esses fluxos em indicadores de desempenho ambiental. Por exemplo: um levantamento junto a fabricantes de cimento e centrais de concreto brasileiras, realizado pelo IPT em parceria com a USP, Unicamp, UFRGS e UFES6, concluiu que, para a produção de 1 m³ de concreto as emissões de CO2 variam conforme a Figura 3, considerando a produção e o transporte de suas matérias-primas, incluindo o cimento. Foram avaliadas quatro faixas distintas de resistência característica à compressão (fck).

Figura 3 - Emissões de CO2 para a produção de 1 m³ de concreto, com slump 100mm, considerando os processos de produção e transporte de suas matérias-primas e de produção do concreto na central (emissões acumuladas), para quatro faixas de resistência característica à compressão distintas. As variações se devem a diferenças entre fabricantes de cimento e entre centrais de concreto.

Ou seja, para produzir 1 m³ de concreto, podem ser emitidos desde 106 até 434 kg de CO2, dependendo da resistência característica à compressão e do fornecedor. Entretanto, esses números também podem ser entendidos da seguinte forma: cada metro cúbico de concreto economizado evita a emissão de, no mínimo, 106 kg de CO2 para a atmosfera, podendo chegar a uma redução de até 434 kg CO2. Além disso, não são apenas as emissões de CO2 que são reduzidas: utilizando dados do levantamento citado, estima-se que cada metro cúbico de concreto economizado corresponde a uma redução de, no mínimo, 1,9 t de recursos minerais, 220 L de água e 185 kWh de energia (considerando energia elétrica e combustíveis). Isso sem falar no custo do metro cúbico de concreto, que também é economizado – sim, há soluções que podem reduzir custos e impactos ambientais ao mesmo tempo.

Sendo assim, quando um profissional de arquitetura realiza a implantação de um edifício em um terreno de modo a minimizar a necessidade de contenções em parede diafragma e, com isso, a quantidade de concreto, ele ajuda a reduzir as emissões de CO2. Quando uma projetista otimiza a quantidade de concreto em um projeto estrutural, ela também reduz as emissões de CO2. O profissional responsável pela operação de uma central de concreto pode diminuir as emissões de CO2 ao reduzir a quantidade de cimento na dosagem do concreto. Uma profissional responsável por compras em uma construtora pode reduzir as emissões de CO2 selecionando fornecedores também com base em critérios ambientais – a Figura 3 mostra que a diferença entre fornecedores para uma mesma resistência característica à compressão pode facilmente superar 100 kg de CO2/m³ de concreto, o que corresponde a 800 kg de CO2 por caminhão betoneira (o que, grosso modo, equivale às emissões de CO2 da combustão de aproximadamente 360 litros de gasolina, para que se tenha uma ordem de grandeza). Por fim, os profissionais responsáveis pela execução das obras podem ajudar a reduzir as emissões de CO2 reduzindo as perdas de concreto.

Talvez você já tenha se deparado com decisões semelhantes ao longo da sua prática profissional, sem saber que poderia estar gerando um benefício ao meio ambiente. Se considerarmos a escala do setor da construção e as diversas decisões que seus profissionais tomam no dia a dia, a contribuição desse setor para o desenvolvimento sustentável pode ser imensa. Mesmo que as melhorias sejam pequenas se olhadas isoladamente, caso elas sejam adotadas por muitos empreendimentos, o benefício absoluto pode ser significativo e muito maior do que a contribuição de alguns poucos empreendimentos com certificação de sustentabilidade.

Para integrar critérios ambientais nos processos de tomada de decisão, é necessário um olhar pragmático para a questão da sustentabilidade na construção, preferencialmente baseado em indicadores ambientais quantitativos e objetivos. Isso porque nem sempre aquilo que parece sustentável, realmente é: por exemplo, a incorporação de agregados reciclados no concreto sem uma dosagem adequada pode acabar aumentando o teor de cimento e, com isso, as emissões de CO2 por m³. O fornecedor de cimento mais próximo da obra não é necessariamente aquele que possui o menor consumo de energia ou emissão de CO2, pois os impactos da produção do cimento são muito maiores do que o do seu transporte. É por isso que diretrizes gerais de sustentabilidade de edifícios, tais como aumentar o conteúdo de material reciclado ou reduzir a distância de transporte de materiais, não levam necessariamente ao menor impacto ambiental em todas as situações. É preciso avaliar caso a caso.

Além disso, é necessário levar em consideração todo o ciclo de vida das edificações, considerando a durabilidade dos materiais e do próprio edifício. Desse modo, evita-se transferir impactos de uma fase do ciclo de vida para outra, como usar um produto de baixo impacto ambiental, mas que tenha baixa durabilidade e necessite ser reposto diversas vezes ao longo da vida útil do edifício, o que gera não apenas os impactos da produção do produto a ser reposto, como também dos demais elementos construtivos danificados no processo de substituição (fora o transtorno). Além disso, a perspectiva do ciclo de vida é fundamental para que se considerem os impactos ambientais durante a operação dos edifícios, pois o consumo de energia e de água durante seu uso é bastante significativo.

Ainda há muito a construir no Brasil para superar o imenso atraso em infraestrutura, incluindo habitações, saneamento básico, transportes, escolas, hospitais etc. Ao mesmo tempo, os impactos negativos sobre o meio ambiente estão alcançando níveis insustentáveis, haja vista os efeitos que já são sentidos (e medidos) das mudanças climáticas, como o aumento do nível do mar. Para que seja possível associar o crescimento da construção à proteção do meio ambiente, é fundamental que aspectos ambientais passem a integrar todas as decisões desse setor, inclusive as de investimento. Em outras palavras, é necessário que todos os agentes da cadeia de valor reconheçam sua responsabilidade em relação ao desenvolvimento sustentável. Não é uma tarefa fácil, mas é perfeitamente possível e pode até mesmo ser gratificante.

Referências

1. International Resource Panel. Global Resources Outlook 2019: Summary for Policymakers. 1–23 (2019).

2. Krausmann, F., Lauk, C., Haas, W. & Wiedenhofer, D. From resource extraction to outflows of wastes and emissions: The socioeconomic metabolism of the global economy, 1900–2015. Glob. Environ. Chang. 52, 131–140 (2018).

3. Miatto, A., Schandl, H., Fishman, T. & Tanikawa, H. Global Patterns and Trends for Non-Metallic Minerals used for Construction. J. Ind. Ecol. 21, 924–937 (2017).

4. Ministério do Meio Ambiente. Painel Resíduos Sólidos Urbanos. https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiNGVkYTRiZTktMGUwZS00OWFiLTgwNWYtNGQ3Y2JlZmJhYzFiIiwidCI6IjJiMjY2ZmE5LTNmOTMtNGJiMS05ODMwLTYzNDY3NTJmMDNlNCIsImMiOjF9 (2017).

5. GlobalABC, IEA & UNEP. 2019 global status report for buildings and construction: Towards a zero-emission, efficient and resilient buildings and construction sector. (2019).

6. SILVA, F. B. et al. Avaliação do ciclo de vida do concreto dosado em central com base em dados da indústria brasileira. CONCRETO & Construções XLVIII, 91–97 (2020).

Colaboração técnica

Fernanda Belizario Silva – engenheira Civil, Doutoranda na USP, Pesquisadora do Laboratório de Componentes e Sistemas Construtivos do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, IPT.
Luciana Alves de Oliveira – engenheira Civil, Doutora pela USP, Responsável pelo Laboratório de Componentes e Sistemas Construtivos e Docente do Programa de Mestrado Profissional em Habitação do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, IPT.