Monitoramento de corrosão das armaduras de estruturas de concreto armado
Adriana de Araujo, Laboratório de Corrosão e Proteção do IPT
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
Coordenação técnica: Adriana Camargo de Brito
Comitê de revisão técnica: Adriana Camargo de Brito, Cláudio Vicente Mitidieri Filho, José Maria de Camargo Barros, Luciana Oliveira e Maria Akutsu
Apoio editorial: Cozza Comunicação
30/10/2020 | 14:00 - O monitoramento das estruturas de concreto armado possibilita que o risco de corrosão da armadura de aço-carbono seja estimado ao longo dos anos de sua utilização. Com o conhecimento do risco, intervenções de prevenção da corrosão ou de controle da corrosão já estabelecida podem ser programadas e realizadas em períodos adequados, o que reflete positivamente na vida útil da estrutura e nos custos totais da construção.
O risco de corrosão pode ser avaliado por meio de sensores e eletrodos de referência embutidos no concreto de cobrimento da armadura. A maioria dos sensores disponíveis no mercado internacional fundamenta-se no monitoramento da variação da corrente galvânica. Associado ao sensor, é normalmente embutido um eletrodo de referência, que possibilita a avaliação do potencial eletroquímico da armadura, e eletrodos embutidos em diferentes profundidades do concreto de cobrimento.
Corrosão
A corrosão das armaduras de aço-carbono é uma das principais causas do surgimento de manifestações patológicas que podem comprometer a vida útil das estruturas de concreto armado expostas às intempéries. Sob o ponto de vista da corrosão, a vida útil das estruturas é subdividida em um período de iniciação da corrosão e, outro, de propagação da corrosão. O de iniciação refere-se ao risco de corrosão que os elementos da estrutura estão sujeitos ao longo do tempo, tendo seu período finalizado quando ocorre a despassivação da armadura, momento em que esta assume um potencial eletroquímico mais negativo, indicativo de estado ativo de corrosão. O período de propagação compreende os estágios de deterioração gradativa das estruturas, em razão da evolução do processo de corrosão, até atingir um nível crítico, em que as consequências da corrosão não podem mais ser toleradas.
A corrosão é um processo eletroquímico espontâneo que envolve uma reação de liberação de elétrons (reação anódica – região A) e uma reação de consumo de elétrons (reação catódica – região C) com formação de células de corrosão na superfície do aço. A reação anódica (Fe → Fe2+ + 2e-) e a reação catódica (O2 + 2H2O + 4e- → 4OH-) podem ocorrer em microcélulas, separadamente, ou em macrocéluas, conjuntamente, porém com predominância de uma delas. Nas microcélulas, as regiões A e C são adjacentes e distribuídas aleatoriamente na superfície do aço, que é atacado de forma generalizada. Nas macrocélulas, a região A e a C estão separadas, sendo a área de A normalmente bem inferior à área de C, o que implica em corrosão localizada intensa do aço. A Figura 1 apresenta esquematicamente as regiões A e C de microcélulas (Figura 1a) e de uma macrocélula de corrosão (Figura 1b).
Monitoramento da corrosão
Monitoramento da corrosão pode ser definido com uma forma sistemática de medições que têm o objetivo de auxiliar a compreensão do processo corrosivo, obtendo informações úteis para o controle da corrosão e suas consequências.
Na prática, os mencionados períodos de iniciação e de propagação da corrosão podem ser avaliados por meio de sistema que a avalia frente à penetração de agentes no concreto e alterações no seu meio aquoso. A taxa de penetração de agentes agressivos é fator determinante do término do período de iniciação da corrosão, enquanto a penetração de água e a disponibilidade de oxigênio dissolvido nesta água controlam a evolução do processo de corrosão, correspondente ao período de propagação da corrosão.
Embora o monitoramento do risco de corrosão possa ser feito em estruturas atmosféricas, enterradas ou submersas, este é mais frequente em estruturas atmosféricas, especialmente em estruturas novas. Usualmente, em obras no Exterior, são embutidos sensores e eletrodos de referência em diferentes elementos, especialmente naqueles expostos a uma maior agressividade ambiental, sendo os sensores posicionados sobre a armadura (ao longo da camada de concreto de cobrimento) e os eletrodos de referência junto à mesma.
Em campo, os dados adquiridos com uso de sensores e de eletrodos podem ser obtidos por leituras feitas manualmente ou por meio de sistema eletrônico. No primeiro caso, as leituras são feitas diretamente nos sensores e nos eletrodos de referência, cujos terminais são conectados a um painel individual ou a um painel central. No segundo caso, as leituras são feitas automaticamente e armazenadas eletronicamente (software e hardware), tendo-se um gerenciamento contínuo dos dados. As leituras podem ainda ser disponibilizadas por meio de sistema de transmissão remota de dados, o que permite o monitoramento da estrutura em tempo real.
Sensor galvânico
A maioria dos sensores disponíveis no mercado internacional para avaliação do risco da corrosão em estruturas de concreto fundamenta-se no monitoramento da variação da corrente galvânica. A corrente galvânica aparece quando, em um mesmo meio condutivo, se faz o contato elétrico entre dois metais de mesma base, porém em estados distintos (estado ativo ou passivo) em decorrência de alterações do meio junto a um deles ou pelo contato elétrico entre dois metais dissimilares em estado distintos.
Usualmente, a medição da corrente galvânica em estruturas de concreto é feita pelo contato elétrico entre uma barra de aço-carbono (anodo da célula eletroquímica) do sensor e/ou da armadura com outra barra de metal mais nobre (catodo da célula de eletroquímica) que apresenta potencial estável em concreto (estado passivo). Com o embutimento do sensor no concreto, as barras de aço-carbono do sensor ficam posicionadas em diferentes profundidades, sempre menores do que a da armadura. Na proximidade dessas barras, é embutida a mencionada barra de metal mais nobre que, em geral, é um aço inoxidável (resistência elevada à corrosão aos íons cloreto) ou titânio revestido com platina ou com uma mistura de óxidos de metais nobres (MMO).
A corrente galvânica é medida entre cada barra de aço-carbono do sensor e a de metal nobre posicionado na proximidade. Em concreto íntegro, essa corrente é desprezível, ou seja, muito baixa. Isso porque as barras de aço-carbono estão em estado passivo, portanto, apresentando uma diferença de potencial desprezível em relação ao metal nobre também em estado passivo. O mesmo não ocorre quando um processo corrosivo é estabelecido nas barras de aço-carbono. Nesse caso, a corrente galvânica apresenta um valor significativo em decorrência da variação do potencial dessas barras, que assumem valores mais negativos em relação ao obtidos inicialmente, em seu estado passivo.
O processo corrosivo nas barras de aço-carbono do sensor ocorre gradativamente, conforme o avanço da frente de agentes agressivos no concreto de cobrimento. Sendo assim, a corrente galvânica aumenta no sentido da barra que foi embutida mais próxima à superfície do concreto para a barra embutida em maior profundidade. A corrosão é desencadeada geralmente devido ao ingresso do gás carbônico (CO2) que diminui o pH da solução de poros (carbonatação) ou ao ingresso de íons cloreto (Cl-) em teores críticos.
Usualmente, a avaliação do risco de corrosão é feita tanto com a determinação da corrente galvânica como a do potencial de circuito aberto (PCA) das barras de aço-carbono, o que é feito com uso de um eletrodo de referência, que será discutido a seguir. Um aumento da corrente galvânica acompanhado por uma diminuição do potencial PCA indica claramente que a frente de carbonatação alcançou a barra que está sendo avaliada ou um nível crítico de íons cloreto foi atingido junto à mesma.
Uma revisão bibliográfica mostrou que há muitas pesquisas para desenvolvimento de sensores. No entanto, comercialmente, o número de fornecedores ainda pode ser considerado limitado. Alguns sensores galvânicos disponíveis no mercado internacional são os seguintes:
- sensor escada (Anode Ladder) da empresa Sensortec;
- sensor de múltiplos eletrodos (CorroWatch Multisensor) da empresa Force Technology;
- sensor de múltiplos eletrodos (CL Ladder Probe) da empresa Bac Corrosion Control.
Todos esses sensores constam de sistema para medição do potencial PCA (eletrodo de referência acoplado ao sensor ou embutido junto ao mesmo), sendo que o sensor CL Ladder Probe permite também a determinação da taxa de corrosão de cada uma de suas barras de aço-carbono (anodo da célula eletroquímica) ao longo do tempo. O sensor CL Ladder Probe é apresentado na Figura 2 e o sensor CorroWatch Multisensor na Figura 3.
Cita-se que a mencionada taxa de corrosão é um parâmetro importante a ser monitorado nas estruturas de concreto expostas a um ambiente agressivo e que apresentam sua armadura despassivada. Quanto maior é a agressividade do ambiente, maior deve ser a intensidade da corrosão dessa armadura e, consequentemente, mais rapidamente o concreto de seu cobrimento se deteriorará, principalmente por fissuração seguida de desplacamento. Nota-se que o tempo estimado para que essa fissuração ocorra é bem menor do que o tempo estimado para a despassivação da armadura.
Figura 2 - Sensor de múltiplos eletrodos (CL Ladder Probe) e eletrodo de referência WE10. Fonte: Bac Corrosion Control.
Figura 3 - Sensor de múltiplos eletrodos (CorroWatch Multisensor) e eletrodo de referência ERE 20. Fonte: Force Technology
Eletrodo de referência
Quando se mergulha um metal em um eletrólito qualquer, independentemente do tipo e da quantidade de reações que ocorrem na interface metal/meio, haverá sempre a formação de uma dupla camada elétrica e, através desta, será estabelecida uma diferença de potencial. Para essa interface (metal/meio), dá-se o nome de eletrodo e para a diferença de potencial estabelecida através da mesma, dá-se o nome de potencial de eletrodo. Esse potencial pode receber outras denominações as quais estão relacionadas à condição em que se encontra o eletrodo ou à natureza das reações que ocorrem através da interface. Em geral, adota-se o mencionado potencial PCA que pode representar tanto o estado passivo ou o estado ativo de corrosão do eletrodo para a condição em que este não está conectado a nenhuma fonte de corrente.
Para a determinação do PCA, utiliza-se um eletrodo de referência que tem valor de diferença de potencial através da interfase metal/meio conhecido e que se mantém estável e constante ao longo do tempo e, ainda, que não é perturbado frente à passagem de uma corrente elétrica pelo mesmo. Com essas características, são chamados de eletrodos de referência padrão ou verdadeiros, enquanto aqueles que não atendem todos esses requisitos, mas têm ainda um comportamento adequado para o monitoramento da variação do potencial PCA, são chamados de eletrodos de pseudoreferência.
A avaliação do risco de corrosão da armadura com eletrodo de pseudoreferência é feita pelo monitoramento da variação ao longo do tempo dos valores de PCA em cada uma das barras do sensor enquanto que, com uso do eletrodo de referência verdadeiro, a avaliação do risco é feita tanto pela análise dos valores absolutos de PCA como pela análise da sua variação ao longo do tempo.
Normalmente, as leituras do potencial são feitas com o posicionamento do eletrodo de referência na superfície do concreto. No entanto, na última década, foram disponibilizados no mercado internacional eletrodos de referência para embutimento em concreto, sendo estes denominados de eletrodos de referência internos enquanto, os posicionados na superfície do concreto são denominados de eletrodos externos.
Os eletrodos internos são normalmente incorporados à estrutura quando da sua edificação, sendo fixados sob a barra mais externa da armadura de determinados elementos, antes da concretagem. No caso de estruturas existentes, é possível a instalação do eletrodo em furos feitos mecanicamente em área localizada do concreto de cobrimento da armadura. Os eletrodos de referência são introduzidos nos referidos furos, sendo o local perfurado preenchido com material cimentício.
No caso dos sensores utilizam-se eletrodos internos como os apresentados nas Figuras 2 e 3, a saber:
- WE10 (Figura 2): eletrodo de referência interno de prata cloreto de prata (Ag/AgCl, KCl 0,5 mol/L) da empresa Sivion;
- ERE20 (Figura 3): eletrodo de referência interno (embutido no concreto) de dióxido de manganês (MnO2) da empresa Force Technology
Colaboração técnica
- Adriana de Araujo – tem formação em arquitetura e engenharia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e mestrado em Habitação: Tecnologia em Construção pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, IPT. Desde 2002 é pesquisadora do Laboratório de Corrosão e Proteção do IPT, atuando há mais de 25 anos no segmento da construção civil, em especial em projetos de P&D relativos aos temas de durabilidade, patologias das construções, monitoramento, corrosão e proteção.