Normas técnicas: desempenho térmico potencial ou real?
Adriana Camargo de Brito, Marcelo de Mello Aquilino, Laboratório de Conforto Ambiental, Instalações Prediais e Eficiência Energética do IPT
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
Coordenação técnica: Adriana Camargo de Brito
Comitê de revisão técnica: Adriana Camargo de Brito, Cláudio Vicente Mitidieri Filho, José Maria de Camargo Barros, Luciana Oliveira e Maria Akutsu
Apoio editorial: Cozza Comunicação
(Imagem: Pixabay/Alina Kuptsova)
25/08/2021 | 17h20 - No final do século XIX, o Brasil começa a ter uma maior atenção na questão de tecnologia. Nesta mesma época, se dá a origem do IPT. Posteriormente se dá o início da criação de comitês técnicos que antecederam a ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, criada em 1940.
Desde então, as normas técnicas têm um papel fundamental na garantia da qualidade dos produtos tecnológicos e dentre eles as edificações, visto que estabelecem parâmetros mínimos aceitáveis para o comportamento de componentes, elementos e algumas até da própria edificação como um todo, como a norma de desempenho (NBR 15575). Projetistas e construtores devem considerar o conteúdo das normas para elaborar os empreendimentos que desenvolvem, em conjunto com todo o conhecimento disponível na sua área de atuação. Ao atender as normas técnicas, espera-se que os edifícios atendam também às necessidades mais básicas dos seus usuários, além de proporcionar maior segurança jurídica aos empreendedores.
Há muitas formas de se estabelecer métodos e critérios de avaliação de edifícios e seus componentes, contemplando desde a realização de cálculos, ensaios ou medições no local. Com os avanços tecnológicos, principalmente na área de informática, as simulações computacionais estão ganhando cada vez mais espaço, seja pela disponibilidade de ferramentas poderosas que fornecem resultados precisos quando bem empregadas, pela facilidade de uso por parte de profissionais ou preços acessíveis. Tais ferramentas estão sendo cada vez mais incorporadas tanto no dia a dia de projetistas, quanto em textos normativos. Mas será suficiente adotar em normas técnicas somente métodos e critérios de avaliação de edifícios com base em cálculos ou simulações computacionais?
A norma NBR 15575, por exemplo, com adendo da sua parte 1, publicado em 2021, indica métodos e critérios de avaliação do desempenho térmico de habitações, exclusivamente, por meio de simulações computacionais. Basicamente, devem ser feitas simulações do comportamento térmico anual de duas habitações com o mesmo projeto arquitetônico, a que será avaliada e uma habitação que serve como referência. Devem ser ventiladas naturalmente para verificar o atendimento do nível “Mínimo” de desempenho térmico e climatizada, para identificar o atendimento dos níveis “Intermediário” e “Superior”.
As duas habitações devem ser simuladas expostas às mesmas condições climáticas, mesmas características de entorno, definidas pelo avaliador, como eventuais obstruções que gerem sombreamento sobre as edificações e interferência no escoamento dos ventos. As habitações avaliada e de referência podem diferir somente quanto às cores de componentes, elementos de sombreamento de aberturas, área envidraçada na fachada, tipos de vidro e sistema construtivo.
Para a habitação avaliada atender aos níveis de desempenho previstos na norma (Mínimo, Intermediário ou Superior), ela deve ter um comportamento térmico melhor do que os critérios que são estabelecidos com base na habitação de referência. Os resultados da avaliação indicam o desempenho térmico potencial da edificação avaliada.
Mas e o desempenho real da habitação?
Atualmente, a norma não apresenta um método e critérios para avaliar, “in loco” o desempenho térmico real de uma habitação brasileira. Isso significa que, em eventual disputa judicial, serão utilizadas opiniões e avaliações emitidas por profissionais da área, com base no desempenho térmico potencial da habitação, mesmo que ela já esteja construída, não tendo um método que norteie a possível medição em campo a ser executada.
E o que isso significa?
Significa que a referida norma pode ter uma aplicação limitada, não sendo capaz de identificar o desempenho térmico real de uma habitação construída. Pode haver ocasiões específicas para as quais seus métodos e critérios não sejam suficientes para identificar se há, de fato, condições térmicas adequadas para os usuários das edificações.
A limitação também pode se dar porque existem alguns fatores não definidos na norma que possibilitam a ocorrência de avaliações da mesma edificação, com resultados diferentes. O fato de a norma facultar ao avaliador a decisão sobre quais elementos do entorno serão contemplados na avaliação poderão afetar de modo significativo o seu resultado final. Em uma cidade adensada como São Paulo, caso o avaliador adote uma quadra como entorno ou cinco quadras, isso certamente irá interferir no sombreamento da edificação de maneiras distintas.
Outra questão refere-se às condições de escoamento do vento. Como não há informações sobre esse aspecto na norma, um avaliador pode efetuar simulações considerando dados de velocidade e direção dos ventos originados diretamente dos arquivos climáticos que está utilizando, sem considerar interferências de edificações, enquanto outro pode realizar simulações computacionais adicionais, com edifícios altos, em programa de análise de comportamento de fluidos e identificar condições de escoamento de ventos mais próximas das que irão acontecer no mundo real.
Entretanto, em todos esses casos, estarão sendo utilizados modelos representativos da realidade, alguns mais precisos, outros menos, mas todos dependentes das decisões e do conhecimento técnico do avaliador. Nesse sentido, vale a pena se considerar a possibilidade de desenvolver um método e critérios de avaliação que proporcionem a realização de medições no local.
É evidente que a realização de medições também tem suas limitações, entretanto, pode ser muito útil para verificar as condições térmicas reais, às quais as pessoas estão expostas, auxiliando: a) discussões de eventuais disputas judiciais; b) a identificação do comportamento térmico de edifícios com sistemas construtivos não usuais, para os quais há poucos dados disponíveis, como os componentes com materiais de mudança de fase; c) informações adicionais quanto à adequação dos próprios métodos e critérios de avaliação do desempenho térmico de habitações presentes na norma NBR 15575, visando seu constante aprimoramento.
Colaboração técnica
- Adriana Camargo de Brito — Doutora em Engenharia Mecânica pela Universidade de São Paulo (USP) Mestre em Tecnologia do Ambiente Construído pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) e arquiteta formada pela Universidade Paulista (UNIP). Trabalha no Laboratório de Conforto Ambiental do IPT desde 2006, atuando em avaliações e consultorias nas áreas de desempenho térmico, acústico, lumínico e ergonômico de edifícios. Também é docente do curso de Mestrado em Habitação do IPT.
- Marcelo de Mello Aquilino — Físico formado pela PUC-SP com mestrado em tecnologia na construção de edifícios pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT). Atualmente pesquisador do IPT vinculado ao Laboratório de Conforto Ambiental. Experiência de 32 anos na área de acústica e térmica. Professor do curso de mestrado do IPT.