Todo mundo reclama do trânsito, das filas nos cinemas e teatros, da espera nos restaurantes, dos parques públicos congestionados, da dificuldade em comprar ingressos para espetáculos, shows e exposições internacionais, das confusões nos domingos de clássico no futebol, dos ônibus e trens lotados e da distância do trabalho. Porém, poucos estão dispostos a abdicar do acesso à cultura, ao lazer, ao ensino, à gastronomia, à assistência médica, a salários mais elevados e à infraestrutura e facilidades presentes nas metrópoles.
Essa contradição cotidiana dos brasileiros que habitam São Paulo, Rio de Janeiro e outras grandes cidades é o sintoma psicossocial do equivocado modelo de desenvolvimento urbano do País. Este, obviamente, decorre da concentração da atividade econômica, provocada por uma serie de fatores os quais não cabe aqui analisar. Estabeleceu-se um círculo vicioso: quanto mais gente, maior a demanda de tudo o que os indivíduos precisam e apreciam; quanto mais se atende a essa procura, a cidade torna-se mais atraente, oferta mais empregos e atrai número cada vez maior de moradores. A metrópole se retroalimenta.
Como romper esse paradigma histórico do desenvolvimento urbano brasileiro? A resposta é teoricamente simples, mas muito complexa em termos práticos: realizando-se um processo eficaz de descentralização. Há bons exemplos de cidades bem-sucedidas quanto à qualidade da vida e oferta de serviços, lazer, cultura, saúde e educação. Santos, Campinas, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Sorocaba, Bauru, Presidente Prudente, Joinville, Blumenau, Niterói, Caxias, Campina Grande e Londrina, dentre outras, são municípios que, ao longo dos anos, fomentaram sua economia, criaram oferta adequada de infraestrutura, tiveram crescimento demográfico e atenuaram o êxodo de sua população.
Entretanto, num Brasil com 200 milhões de habitantes, essas cidades médias e grandes são insuficientes para atender, em volume, aos crescentes anseios de estudo, trabalho e inserção cosmopolita dos jovens. Assim, as promessas contidas nos ideários das metrópoles são sedutoras, irresistíveis! Por isso, São Paulo e a maioria das capitais continuam crescendo desproporcionalmente.
Mudanças eficazes nesse modelo de desenvolvimento urbano extrapolam a capacidade dos municípios. É necessário um plano nacional, com a participação dos governos estaduais para a multiplicação de microrregiões de fomento econômico. A alternativa unilateral de concessão de incentivos fiscais por parte das prefeituras para atrair investimentos e empresas, que apresentou alguns exemplos de sucesso, parece ter atingido um ponto de saturação, pois todos buscam esse mesmo caminho.
A última grande Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic 2009) do IBGE mostra que 3.134 municípios adotam mecanismos de incentivos à implantação de empreendimentos em seu território. Também nisso há uma concentração, pois 59,5% das ofertas referem-se às regiões Sul e Sudeste e predominam nas cidades com mais de 500 mil habitantes (destas, 92,5% concedem algum tipo de estímulo).
Considerando assim todas essas questões e o baixo ritmo de negócios que a política fiscal tem fomentado ultimamente, ponderamos que o melhor incentivo que os municípios podem oferecer para atrair investimentos não são os de ordem tributária, mas sim de qualidade em sua infraestrutura e serviços. Itens como saneamento básico, segurança, hospitais, portos, aeroportos, logística e escolas parecem ser elementos muito mais importantes para potenciais investidores do que simples descontos no ISS. Não é por acaso que as grandes metrópoles e cidades mais desenvolvidas, que detêm melhores equipamentos urbanos, continuem a capturar a maior parte do capital e os interesses das pessoas.
Uma política nacional de desenvolvimento urbano, com foco na melhoria e ampliação da infraestrutura dos municípios, poderia potencializar vocações econômicas regionais e contribuir para desafogar os grandes centros. Está mais do que na hora de estendermos além dos grandes centros urbanos as opções de moradia, trabalho e lazer para nossa população.