A Década da Energia Sustentável para Todos (2014-2024), instituída pela Organização das Nações Unidas e que acaba de ser lançada para o meio empresarial em um grande evento em Nova York, suscita uma abordagem sobre a maneira como o adequado planejamento urbano poderia contribuir para o enfrentamento de um dos maiores desafios contemporâneos da humanidade: atender à demanda de eletricidade e combustíveis, num planeta a caminho do esgotamento das jazidas petrolíferas e dos aproveitamentos hidrelétricos.
Com certeza, a exploração de fontes alternativas, em especial as renováveis, de origem vegetal, como os brasileiríssimos etanol e biodiesel, e também a solar e eólica, é parte importante da solução do complexo problema. Segundo o Plano Decenal 2013-2022, divulgado pelo Governo Federal, serão investidos, nesse período, R$ 122 bilhões, sendo 61% em hidrelétricas, 38% para fontes não renováveis (pequenas centrais hidrelétricas, biomassa e eólica) e 1% para termelétricas. O destaque é a energia eólica, cuja participação na matriz energética brasileira pulará de 1,5%, em 2013, para 9,5%, em 2022. Porém, não basta mudar o foco para a produção de uma energia mais limpa no País. Tão relevante quanto é racionalizar o seu consumo. Nesse sentido, é fundamental equacionar a questão sob o conceito do planejamento urbano, pois há modelos de cidades nos quais os gastos de energia são muito menores.
Alguns fatores práticos explicam melhor a ideia: se os cerca de 11 milhões de habitantes de uma cidade como São Paulo, por exemplo, usarem maciçamente os transportes coletivos, gastar-se-á muito menos combustível do que se grande parcela da população continuar se locomovendo com automóveis particulares (isso tem grande impacto no consumo de energia por passageiro transportado); espaços urbanos adensados consomem, per capita, menos eletricidade para iluminação pública do que outros de baixa densidade; cerca de 60% da energia elétrica consumida no Planeta é referente ao uso e operação de edifícios residenciais e comerciais.
Deduz-se facilmente, portanto, que seria muito mais econômica do ponto de vista energético uma cidade bem planejada, rigorosa quanto à arquitetura das edificações, com adequado adensamento populacional e transportes coletivos de qualidade, bem como com empresas e serviços devidamente distribuídos geograficamente para evitar que as pessoas tenham de fazer longos percursos para trabalhar, ir ao médico, frequentar a escola e ter acesso ao lazer.
Sobre essa questão, encontrei, na Agência USP de Notícias, informações sobre interessante pesquisa realizada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo. O estudo resultou em metodologia para o planejamento energético de cidades, levando em conta estratégias e soluções urbanísticas, arquitetônicas, de transportes e de tecnologias de geração e distribuição de energia. O resultado da realização dos processos recomendados são áreas urbanas mais estruturadas, equilibradas e com melhores níveis de eficiência energética. O trabalho foi desenvolvido pela urbanista Karin Regina de Casas Castro Marins, atual professora PhD na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), para sua tese de doutorado, defendida sob a orientação do professor Marcelo Romero.
A pesquisadora aplicou a metodologia na área da Água Branca, na Zona Oeste da cidade de São Paulo. Demonstrou existir um potencial de redução do consumo de energia entre 15% e 17%, em comparação com o que se tem hoje planejado para a região. A estimativa considera a implantação de edifícios comerciais e residenciais com eficiência energética, mas, principalmente, prioriza o uso dos modos coletivos de transporte de média (ônibus) e alta capacidades (metrô e trem).
Independentemente da real aplicabilidade do estudo da urbanista Karin Regina em espaços urbanos brasileiros, fica claro que políticas corretas de planejamento e desenvolvimento urbano são essenciais para o sucesso no cumprimento das metas preconizadas pela ONU ao instituir a Década da Energia Sustentável para Todos: garantir acesso universal a serviços energéticos modernos; dobrar a eficiência global no uso de combustíveis e eletricidade; e ampliar as fontes renováveis no quadro de produção mundial até 2030.