A consideração da dimensão de “prestação de serviço” que integra a atividade de projeto é uma das questões cruciais para a gestão dos empreendimentos. Esse conceito foi desenvolvido a partir da constatação de que o projeto não pode ser entendido como entrega de desenhos e de memoriais; muito mais do que isso, espera-se que o projetista esteja, antes de mais nada, comprometido com a busca de soluções para os problemas de seus clientes. (MELHADO, 1994)
Esse tipo de prestação de serviço, de natureza intelectual, deve estar orientada não apenas ao cliente-contratante, mas também aos clientes-usuários e ainda a todos os clientes internos, como é o caso das empresas construtoras.
Pode-se definir serviço como uma combinação de recursos humanos e materiais com o objetivo de aumentar o valor de estado de alguma pessoa ou objeto, de forma a melhorar sua utilidade. Zarifian (1999) o define como “a organização e a mobilização mais eficiente possível de recursos visando interpretar, compreender e produzir uma transformação nas condições de atividade daquele a que se destina”. Desse ponto de vista, a competência para interpretar e compreender as expectativas do cliente é decisiva para a eficiência de uma prestação de serviço.
Tal enfoque, ao enfatizar a questão da competência dos agentes, ajuda a tornar clara a noção de co-produção do projeto. Assim, cada projeto só se define pela sua interação com seus clientes, internos e externos. Projetar torna-se, assim, um ato coletivo e circunstanciado e, na construção de edifícios, as dimensões de seu processo não nos permitem encerrar sua delimitação no campo de uma única profissão, levando-nos à multidisciplinaridade, ao trabalho em equipe e à valorização das relações com os demais agentes participantes do empreendimento.
Comparando-se a qualidade de produtos a qualidade de serviços, destaca-se que esta última tende a ser "mais subjetiva", e que a maior variabilidade torna seu controle "mais complicado". Uma das características de qualquer projeto, que o distingue de um simples produto, é o fato de cada projeto ser "único" e de difícil avaliação objetiva, em condições normais.
Muitas vezes, o que se denomina vulgarmente de "projeto" é o resultado da atividade; portanto, está-se fazendo referência ao projeto como produto, ou seja, um conjunto de documentos que é produto daquela atividade de projeto. Observe-se que o aspecto formal não é determinante, pois esses documentos podem, eventualmente, serem substituídos por outros com características absolutamente diversas das formas convencionais - como no caso de transmissão e consulta direta de dados em redes de computadores - sem que se agregue um diferencial quanto ao seu conteúdo.
A similaridade entre as características de um projeto de edifício, e a definição e características atribuídas a um serviço, é significativa, já que existem na maior parte dos projetos: falta de especificações pelo cliente; variabilidade de resultados; produção e consumo bastante encadeados, ainda que não exatamente simultâneos; contato pessoal e direto com o cliente. Quanto à perecibilidade de um projeto, se considerado que um projeto arquivado torna-se obsoleto face às imposições transitórias do mercado, pode-se entender que um projeto deva ser "consumido" sempre no menor prazo possível.
Os serviços agregados oferecidos pelos projetistas podem incluir a apresentação, in loco, dos projetos entregues, em que se expõem as características gerais e principais particularidades do projeto que está sendo fornecido. Esse procedimento é favorável à qualidade do processo de projeto, pois contribuirá para a redução das solicitações de esclarecimento pós-entrega e dos problemas constatados em visitas do projetista às obras, e também porque delimita melhor o encerramento da etapa de projeto, quando o contratante o recebe oficialmente. A apresentação de projetos nos moldes sugeridos aqui pode ser, ainda, um importante instrumento para auxiliar na validação do projeto por parte do cliente.
E, uma vez iniciada a execução das obras, um serviço agregado de extrema valia pode ser a participação do projetista em reuniões de preparação da execução, assim como sua orientação durante os trabalhos por ele projetados, diretamente à equipe responsável pela produção. Visitas técnicas devem ser previstas em contrato e programadas de acordo com o tempo de duração e da complexidade da obra.
Essas atividades geram benefícios consideráveis para ambas as partes: projetistas e clientes. O contratante garante melhor interpretação dos detalhes do projeto e conseqüentemente reduz os custos com desperdício na execução da obra; já o projetista pode identificar o grau de construtibilidade e as principais deficiências de seus projetos, utilizando-os como elementos para melhoria (retroalimentação) de projetos futuros.
Como serviço e como produto, o projeto deve estar sujeito a mecanismos de garantia da qualidade, mas deve-se distinguir entre o controle da qualidade do "produto projeto" e os mecanismos que garantem a qualidade do projeto como serviço.
O primeiro pode ter verificada a sua conformidade com padrões formais estabelecidos – o que significa, por exemplo, confrontar o conjunto de elementos de projeto recebidos pelo contratante com uma lista de verificação. O segundo, porém, será conseqüência da eficácia operacional do próprio sistema de gestão da qualidade da empresa e de suas relações com os agentes externos a esse sistema.
Há a necessidade de se estabelecer padrões do projeto como produto, definindo seu conteúdo mínimo e a própria forma de apresentação das informações, padrões esses que devem ser verificados e eventualmente corrigidos - embora tais padrões, por si só, não sejam suficientes para garantir sua qualidade, em caso de falhas conceituais, por exemplo. Dentro de um contexto de mudanças em busca da qualidade no setor, se não houver adequada definição dos chamados escopos de projeto, os resultados em termos de produto final poderão ficar aquém do pretendido.
Pelo exposto, é fundamental considerar-se sempre o processo de projeto como produto e como serviço, dando destaque à sua inserção no contexto do empreendimento de que o projeto participa, procurando estabelecer diretrizes que permitam um incremento da sua qualidade.
Dentro de um ambiente de gestão da qualidade, o processo de projeto deve ter por objetivo atender às necessidades de informação de todos os clientes envolvidos no ciclo de vida do empreendimento. Esse objetivo deve ser atingido de forma eficiente e coerente com a atuação dos demais agentes, evitando retrabalho na elaboração desse projeto.
No entanto, tal objetivo só é atingido em estruturas de trabalho conjunto. Cada novo empreendimento de construção é único e exige, portanto, esforços de organização e de cooperação particulares; a excelência do projeto de um empreendimento passa pela excelência do processo de cooperação entre seus agentes.
A gestão do processo exige assim uma coordenação do conjunto das atividades envolvidas, compreendendo momentos de verificação, de análise crítica e de validação das soluções, sem, no entanto, impedir o trabalho especializado de cada um dos seus participantes. Essa coordenação deve considerar aspectos do contexto legal e normativo que afetam cada empreendimento, estabelecer uma visão estratégica do desenvolvimento do projeto e levar devidamente em conta os riscos inerentes à atividade.
Nossa hipótese para a evolução é que, diante da exigência de soluções capazes de responder positivamente à atual busca de eficiência e eficácia dos processos, a ênfase deva ser colocada exatamente na mudança de postura e de métodos adotados pelos agentes; dentro desse enfoque, no momento atual, a iniciativa de mudança estaria principalmente nas mãos dos empreendedores.
Sem o apoio do empreendedor, muitas das tentativas de elevar a eficiência da construção de edifícios são limitadas. Assim sendo, propõe-se uma participação mais ativa do empreendedor nas fases posteriores à montagem e ao lançamento do empreendimento, a fim de comprometê-lo com a máxima antecipação possível na contratação dos agentes que irão interferir na elaboração do projeto e execução do empreendimento, ou seja, dos projetistas; do coordenador de projetos e do coordenador de execução da obra; das equipes de execução e dos principais subempreiteiros, com o objetivo de favorecer o trabalho em equipe multidisciplinar, anteriormente à fase de execução do edifício; a rever as regras atuais de contratação dos projetistas, a fim de sugerir novas modalidades de contrato de projeto, que perdurem até o término da obra, incluindo acompanhamento e visitas aos canteiros de obras e a exposição do projeto à equipe técnica das construtoras e, inclusive, aos subempreiteiros; a definir mais precisamente os papéis e as responsabilidades dos agentes envolvidos.
No outro elo da cadeia, entendemos que as empresas de projeto devem se organizar para atender a requisitos essenciais de qualificação. Tais requisitos — de modo geral — estão ligados à capacidade da empresa de projeto de considerar efetivamente os requisitos do cliente e demais agentes envolvidos no empreendimento, em seus projetos, estabelecendo contato efetivo com as necessidades da execução, por exemplo; à confiabilidade da empresa de projeto na prestação de serviço, seja quanto ao cumprimento de prazos, seja quanto à sua disponibilidade e capacidade de resposta, quando solicitada. A comunicação, a documentação e o tratamento dispensado aos clientes serão, portanto, indicadores de uma capacidade de prestação de serviços de projeto.
Em síntese, para que um processo de projeto produza resultados em termos da qualidade, tanto dos projetos em si, como em termos das suas implicações nas demais fases do empreendimento, alguns fatores essenciais devem estar presentes:
Além desses, outros fatores devem ser considerados – os fatores ambientais que condicionam a atividade de projetar
Referências bibliográficas
MELHADO, S. B. Qualidade do projeto na construção de edifícios: aplicação ao caso das empresas de incorporação e construção. Tese de Doutorado, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. São Paul 1994. 294 p.
MELHADO, S.B. (Coordenador) et al. Coordenação de projetos de edificações. São Paulo O Nome da Rosa, 2005. 120 p.
ZARIFIAN, Ph. Valeur, organisation et compétence dans la production de service: esquisse dun modèle de la production de service. Communication au séminaire du 3 décembre 1999, à l’Université de Sao Paulo, Brésil. 30p. Não publicado.
Alguns links interessantes no tema
Manuais de escopo de serviços de projetos: http://www.manuaisdeescopo.com.br/
Revista Gestão & Tecnologia de Projetos: http://www.saplei.eesc.usp.br/gestaodeprojetos/
VII Workshop Brasileiro de Gestão do Processo de Projeto na Construção de Edifícios: http://www.cesec.ufpr.br/workshop2007/