O incêndio e o desabamento do Edifício Wilton Alves de Almeida, no Largo do Paissandu, em São Paulo – uma tragédia na madrugada do Dia do Trabalho –, podem ser considerados uma combinação do crescimento populacional das cidades, da falta de planejamento urbano, da tolerância com ocupações irregulares e dos obstáculos enfrentados por muitos empreendimentos habitacionais sustentáveis. Esses problemas, crônicos no Brasil, somam-se num emaranhado de contradições, resultando em graves consequências sociais, ambientais e econômicas.
Na contramão das tendências mundiais e das recomendações do Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), nosso País carece de adequado planejamento de curto, médio e longo prazos para a expansão das cidades, cujo crescimento tem sido implacável e, ao mesmo tempo, desordenado. Exemplo disso encontra-se na capital paulista, cenário do triste episódio de 1º de maio: a própria Prefeitura calcula haver um déficit de 370 mil moradias na cidade, uma demanda que se acumula há décadas.
Ao invés de nossos legisladores anteciparem-se ao crescimento urbano, estabelecendo políticas públicas que fomentem e facilitem a produção de habitações – sejam elas populares ou não –, constatamos que, cada vez mais, se burocratizam os processos de aprovação e se elitiza o solo urbano. Assim, a tão sonhada casa própria fica cada vez mais distante. Com esse vácuo urbano / habitacional, principalmente no segmento de baixa renda, surgem organizações e movimentos juridicamente inexistentes, oferecendo a ocupação ilegal como alternativa. Resultam daí, por exemplo, os mais de 70 edifícios irregularmente ocupados no centro da maior cidade brasileira, nos quais, em sua grande maioria, muito provavelmente, deve haver riscos semelhantes aos que culminaram com o desabamento do “Wilton Alves de Almeida”.
O Centro de São Paulo tem área de 26 quilômetros quadrados e engloba os bairros Bela Vista, Bom Retiro, Cambuci, Consolação, Liberdade, República, Sé e Santa Cecília. Trata-se de uma região com localização estratégica, de fácil acesso e rica em infraestrutura de saneamento, transporte, comércio e serviços. Ou seja, um local ideal e barato para o poder público planejar um crescimento habitacional, seja ele de alta, média ou baixa renda.
Poderíamos, em poucos anos, ter uma oferta expressiva de imóveis na região, caso as políticas públicas para se empreender ali fossem mais convidativas. A outorga onerosa já se mostrou um valioso instrumento para a Prefeitura, como fonte de receitas. No centro, ela deveria ser ampliada, aplicando-se os recursos em habitação social na mesma região. Por exemplo, deveríamos ter gabaritos de altura muito mais generosos. Por que não repetir exemplos como os do Edifício Itália ou do Martinelli, cujo potencial construtivo chegou a 17 vezes a área do terreno? Por que não incentivarmos prédios de 50, 60, 70 andares? Quando visitamos Manhattan, em Nova Iorque, ficamos impressionados e admirados com o porte das edificações. Lá, o potencial construtivo chega a 30, quando aqui o máximo é de quatro vezes. É preciso lembrar que o escasso é caro. Se não tivermos mecanismos que promovam farta produção e oferta de imóveis, dificilmente os preços serão reduzidos, e o déficit habitacional, mitigado.
Paradoxalmente, enquanto testemunhamos diariamente os problemas relativos às ocupações ilegais, observamos a intolerância, barreiras e críticas a inúmeros projetos social, ambiental e economicamente sustentáveis, que preveem a devida infraestrutura para moradia, água, esgoto, saúde e educação. Devido a alegadas razões de ordem urbanística ou ambiental, onde muitos se instalam de modo ilegal e desordenado, os regularmente constituídos não conseguem dar andamento a empreendimentos legalmente aprovados e já licenciados. Alguns destes chegam a ser paralisados, por força de discussões judiciais, seja na esfera ambiental ou por interpretação legal.
No Brasil, proliferam as práticas ilegais de invasões de terras e até de edifícios, bem como a burocracia e insegurança jurídica para se empreender regularmente e a longo prazo no setor imobiliário. É uma contradição prejudicial ao desenvolvimento urbano sustentável.