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Como usar inteligência artificial na elaboração de projetos de arquitetura?

Trabalhos operacionais e repetitivos podem ser realizados em maior volume e rapidez. Ao profissional, caberá a definição das premissas e diretrizes de projeto. Essa é a promessa da IA na arquitetura

Publicado em: 22/04/2024

Texto: Eric Cozza

Cidade gerada por inteligência artificialO aprendizado das máquinas começa a se tornar uma realidade também na arquitetura. A partir da definição de premissas e algoritmos, já é possível treinar um sistema para o desenvolvimento de projetos e layouts arquitetônicos. Aos arquitetos caberia a curadoria do processo. Debate sobre ganhos de eficiência e questões éticas prometem agitar a área nos próximos anos (Imagem: Pixabay)


A utilização da inteligência artificial avança em diversos setores da economia mundial. A construção, engenharia civil e arquitetura não estão alheias a esse processo. Há, porém, áreas que costumam ser consideradas mais sensíveis em relação ao uso da IA, principalmente aquelas ligadas às expressões criativas e humanas.

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Por isso, muitos arquitetos se arrepiam só de tocar nesse assunto. E há também o receio de os empregos minguarem na área, com pessoas sendo substituídas por máquinas e sistemas. Mas o receio da tecnologia possui, de fato, algum sentido ou a aplicação pode facilitar e agilizar o trabalho dos arquitetos, contribuindo para torná-lo ainda mais relevante?

Para falar sobre o uso da inteligência artificial na elaboração de projetos de arquitetura, convidamos para o Podcast AEC Responde o arquiteto Thomas Takeuchi, sócio-fundador da Arqgen.

Ouça o áudio e/ou leia entrevista, a seguir:

AECweb – Como utilizar a inteligência artificial na elaboração de projetos de arquitetura?

Thomas Takeuchi – Como acontece com qualquer inovação tecnológica, há diversas formas e momentos. No nosso caso, o que fazemos é ensinar uma máquina a desenvolver projetos de arquitetura. Nós explicamos as regras do jogo, ou seja, o que deve ser levado em consideração ao fazer um novo projeto ou layout. Seja com mobiliário, paredes ou portas, avaliamos cada um dos movimentos que estão sendo realizados. Aos poucos, vamos treinando o sistema, que vai aprendendo as regras do jogo para gerar projetos de arquitetura cada vez melhores. Estou falando de layouts de projetos arquitetônicos, mas não podemos esquecer que há profissionais muito criativos utilizando IA (inteligência artificial) para fazer concepções de imagens e de renderização, por exemplo, com gerador de texto a imagem. A aplicação é bem ampla e o grande desafio é ampliar a forma de expressão dos arquitetos.

É possível manejar as premissas e as diretrizes arquitetônicas e a máquina se encarrega de fazer a parte mecânica do desenvolvimento do projeto. Isso é dar protagonismo ao arquiteto, ao invés de afogá-lo com atividades repetitivas, operacionais
Thomas Takeuchi

AECweb – O que é arquitetura generativa?

Takeuchi – É um jeito bonito de dizer que, a partir de uma série de critérios e fórmulas, uma arquitetura pode nascer por conta própria. É sobre como fazer um computador conseguir gerar alguma parcela ou até a totalidade de um projeto arquitetônico. É uma arquitetura que nasce de uma série de premissas, a partir de algoritmos. Possui diversas aplicações em diferentes escalas.

AECweb – Esse trabalho exclui a participação humana no processo?

Takeuchi – Muito pelo contrário. Pela minha experiência como arquiteto, posso dizer que a maior parte do meu tempo era gasto em trabalhos operacionais, repetitivos. Dá para afirmar que 70% da minha rotina era dedicada aos desenhos técnicos, documentações, cotas e geração de plantas. Só me sobrava 30% para pensar o partido arquitetônico que, de fato, é a parte criativa. Acho isso muito cruel. Passamos anos na faculdade, depois em pós-graduações e especializações para sermos melhores arquitetos do ponto de vista conceitual. E, na prática, gastamos a maior parte do tempo em trabalhos braçais. Uma IA consegue gerar um projeto de arquitetura em questão de segundos, ao invés de semanas ou meses que o arquiteto levaria devido às tarefas repetitivas. Ou seja, tiramos o arquiteto de uma posição operacional e mecânica para elevá-lo a um nível estratégico. O papel do arquiteto começa a ser, praticamente, de um educador. Quais conceitos arquitetônicos, regras e princípios podemos pegar de nossa formação pessoal, ensinar uma máquina e ver o que ela gera? Se ela estiver desenvolvendo projetos ruins, quais dessas minhas regras foram mal concebidas? Qual o critério que considerei legal conceitualmente, mas na prática não se aplica? Posso trocar? É por isso que eu digo que o arquiteto se coloca em um ponto mais estratégico. É possível manejar as premissas e as diretrizes arquitetônicas e a máquina se encarrega de fazer a parte mecânica do desenvolvimento do projeto. Isso é dar protagonismo ao arquiteto, ao invés de afogá-lo com atividades repetitivas, operacionais. Nesse sentido, é libertador.

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AECweb – A Arqgen atua em duas frentes: na concepção de projetos de layout de interiores no nível de detalhe de estudo preliminar e também no desenvolvimento de estudos de massa para edificações. Como a inteligência artificial ajuda nesses dois casos?

Takeuchi – A nossa IA trabalha com uma abstração das coisas. Isso quer dizer que, para pensar o posicionamento de um móvel dentro de uma sala ou de uma torre em um terreno, em ambos os casos, são geometrias colocadas dentro de um contexto, seguindo um conjunto de regras. E essa é a beleza da inteligência artificial que estamos concebendo: não depende de escala. São sempre relações de objetos geométricos. Tanto faz se é um móvel ou um prédio. Trata-se de um conjunto de objetos que se relacionam entre si, criando o que nós chamamos de espaço arquitetônico. O que varia são as regras, as relações entre esses objetos e a semântica de cada um deles. Só mudamos os critérios mas, no fundo, o desafio é o mesmo.

Os geradores de imagens foram criados a partir de um banco de dados gigantesco, que acessa a produção de artistas, tanto famosos quanto anônimos, que carregaram arquivos na internet. Como saber se uma imagem específica fez parte do treinamento da IA?
Thomas Takeuchi

AECweb – A quantidade e a velocidade de dados a serem trabalhados pela inteligência artificial são muito maiores do que uma ou mais pessoas são capazes de analisar. É por aí?

Takeuchi – Uma vez que a IA esteja treinada – porque esse processo leva tempo – e calibrada, sim, ela começa a fazer intuições e tomadas de decisão de projeto de forma muito, mas muito mais rápida. Estamos falando de gerar, em questão de minutos, mais de 600 opções de um projeto complexo de implantação. A dificuldade se torna avaliar qual, de fato, é o melhor cenário, tal a quantidade de dados que foram gerados. Trata-se, portanto, de um trabalho de curadoria.

AECweb – A discussão ética sobre a inteligência artificial ocorre em todos os setores nos quais tem sido aplicada. No caso específico da arquitetura, qual é a sua visão a respeito?

Takeuchi – Confesso que é um tema complexo e que não sou nenhuma autoridade para falar sobre o assunto. Mas eu dividiria a questão ética em duas partes. Primeiro, temos uma questão sensível de propriedade intelectual. Vou dar um exemplo. Os geradores de imagens foram criados a partir de um banco de dados gigantesco, que acessa a produção de artistas, tanto famosos quanto anônimos, que carregaram arquivos na internet. Como saber se uma imagem específica fez parte do treinamento da IA? Como sei o que a inteligência artificial usou de referência para gerar uma determinada imagem? Como dar autoria e crédito para milhões de pessoas relacionadas? Isso é muito complexo. E no caso da arquitetura, se for utilizado esse mesmo modelo, ou seja, de um banco de dados gigantesco de projetos, o dilema é idêntico. Como dar crédito para todo mundo que participou desse treinamento da inteligência artificial? É por isso que a Arqgen trabalha com um modelo próprio, que nós criamos e não depende de uma base preexistente de modelos de imagem ou texto. Ou seja, não carregamos milhares de projetos arquitetônicos para treinar a nossa IA. Ela aprende por conta própria, em um modelo de aprendizado por reforço, como se fosse um videogame, no qual a IA pode utilizar alguns comandos e posicionar algumas coisas e é avaliada por isso. Treina infinitas vezes. E, conforme vai aprendendo, pontua mais ou menos. Por isso, não há nenhuma fonte que estamos acessando diretamente, a não ser da própria Arqgen e dos nossos clientes. Há outra perspectiva, do ponto de vista ético, que está relacionada aos empregos na área.

AECweb – Essa é a principal preocupação de muitos profissionais: a questão do emprego.

Takeuchi – Exato. Vou dar um exemplo nessa linha. Há algumas décadas, por volta dos anos 1970 e 1980, ainda se desenhava muito com nanquim e prancheta. Eram necessários muitos arquitetos e engenheiros, desenhando em papel vegetal, para projetar uma única edificação. Isso podia levar, às vezes, um ano inteiro. Com o CAD (computer aided-design ou, em português, desenho assistido por computador), os profissionais, aos poucos, trocaram a prancheta física pela digital. O que era feito por vários arquitetos passou a ser realizado por uma única pessoa. Isso não matou a profissão. Hoje, temos mais arquitetos do que em qualquer outro período da história. O mercado mudou, se ampliou, ficou mais acessível e tudo se adaptou. A busca tecnológica por eficiência é uma necessidade humana, o que não significa, necessariamente, matar profissões. Em geral, o que ocorrem são mudanças e adaptações dos profissionais à nova realidade. Ser um bom cadista, talvez, já não seja mais tão necessário. O que você precisa ser é um bom pensador de critérios de arquitetura, um bom educador e um profissional com visão estratégica.

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Colaboração técnica

Thomas Takeuchi – Arquiteto e mestre pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, é co-fundador da Arqgen, empresa que desenvolve sistemas baseados em inteligência artificial e arquitetura generativa para otimizar os processos de concepção e orçamentação de projetos de arquitetura e urbanismo. Docente na Universidade Técnica Federal do Paraná.